O conturbado licenciamento ambiental da usina hidrelétrica de Mauá, nos Campos Gerais, ganha mais um capítulo. Para iniciar o enchimento do reservatório, que começou no dia 28 de junho, foi expedida uma autorização especial baseada em uma normativa recentemente aprovada. Mas a licença para o funcionamento da usina está em discussão. Responsável pela hidrelétrica, o consórcio Cruzeiro do Sul formado pela Copel e pela Eletrosul afirma que cumpriu todas as condições para receber o aval para iniciar a operação. O Instituto Ambiental do Paraná (IAP) informa, porém, que vai esperar a conclusão do processo de formação do lago artificial, a ser concluído em dois meses, para avaliar o licenciamento.
Entre as condições para que a usina entre em operação está a compensação ambiental pela área inundada pela represa. No lugar existiam 2,8 mil hectares de mata nativa, que foi cortada para não ficar submersa. Caso troncos e galhos apodrecessem embaixo dágua, poderiam comprometer a qualidade do reservatório. A título de indenização pela floresta suprimida, o consórcio precisa adquirir uma área equivalente e assegurar que seja preservada. A compensação ambiental precisa ser feita antes da autorização de operação como forma de garantir que o compromisso seja cumprido.
A ONG Liga Ambiental questiona o fato de o alagamento ser realizado sem que o consórcio tenha efetivado a compra de uma área para fazer a compensação dos danos ambientais. "O que o IAP forneceu foi uma autorização ambiental, que permite testes na represa [o que inclui o enchimento]", declara o presidente do instituto, Luiz Tarcísio Mossato Pinto. Apesar da indicação feita pela câmara técnica responsável por apontar uma área para a compensação e do compromisso assumido pelo consórcio de adquirir o terreno, os responsáveis pela usina informam que um grupo de especialistas está avaliando outras opções de áreas a serem compradas. O consórcio depositou R$ 59 milhões em juízo para assegurar que a compensação ambiental será realizada.
Cenário
A água prestes a encobrir copas de árvores é a prova de que a formação do lago artificial da usina hidrelétrica de Mauá está em ritmo acelerado. Do outro lado da barragem, nos Campos Gerais, o Rio Tibagi mingua. A Gazeta do Povo sobrevoou a área para observar o enchimento do reservatório. Em alguns pontos a água estava turva, repleta de folhas e galhos de árvores. Parte dos rejeitos estava sendo puxada para as margens por dois barcos. Em duas semanas, a represa já atingiu 30 metros de profundidade em alguns pontos. Quando estiver no nível máximo, atingirá 70 metros e inundará uma área equivalente a 84 quilômetros quadrados.
O superintendente do consórcio, Sérgio Luiz Lamy, afirma que 15% da vegetação foi mantida. Os capões que foram deixados são principalmente em terrenos íngremes. O corte, neste caso, poderia apresentar riscos para os trabalhadores ou mesmo propiciar erosão. O resgate de animais teria sido mais intenso no momento da supressão da mata, mas espécies acuadas por causa do enchimento do lago estão sendo recolhidas e levadas para um refúgio.
Morador reclama de impacto sobre os peixes
Peixes isolados em poças dágua mal-oxigenadas e pescadores ávidos por presas fáceis. Esse foi o cenário observado nos últimos dias por João*, morador das proximidades da usina de Mauá, em Ortigueira. Ele conta que, logo após o início do enchimento do lago, a vazão no Rio Tibagi diminuiu na parte de baixo da barragem.
Em tese, o processo deveria causar o mínimo impacto possível para os peixes. "De um dia para outro o rio baixou uns três metros. Isso é muito pouco tempo. Ficaram umas poças dágua com cascudos dentro, sem poderem escapar", conta João. Ele afirma, ainda, que a "novidade" se espalhou rapidamente e logo atraiu um grande número de pescadores.
A reportagem da Gazeta do Povo esteve no entorno da barragem local de acesso bastante complicado , mas no dia da visita não encontrou peixes mortos ou empoçados. Também não havia pescadores na área.
"Eles já não estão mais por aqui, mas começaram a chegar logo no dia do enchimento e esvaziaram o rio de peixes, já que estava muito fácil de pescar", relata João. Da margem, era possível avistar algumas garrafas plásticas boiando, mas sem sairem do lugar. "Isso é um jeito de marcar o lugar da tarrafa. Tem uma rede de pesca ali, com certeza", afirma.
*João é um nome fictício. O entrevistado preferiu não ser identificado.
A reportagem sobrevoou a usina de Mauá a convite da Fundação SOS Mata Atlântica.