Consequências
Diminuição rápida do nível do rio ameaça espécies, diz estudioso
Para o professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Mário Luiz Orsi, especialista no estudo dos peixes, a diminuição abrupta do nível do rio configura uma séria ameaça para algumas espécies. "Poderemos perder os últimos representantes, na região, de espécies como pintado, dourado, corimbatá, piapara, entre outros", relata. Orsi faz parte da Câmara Técnica de Biodiversidade que estuda o impacto ambiental da usina.
O professor afirma que recebeu relatos de moradores da região sobre a dificuldade que os peixes estão enfrentando. "O que está acontecendo é uma carnificina. Os peixes não têm para onde ir e ficam completamente indefesos aos pescadores ou morrem por falta de oxigênio", diz.
O Instituto Ambiental do Paraná (IAP) informa que não recebeu notificações de mortandade de peixes até o momento, mas confirmou que há casos de espécies isoladas. O coordenador da ONG Liga Ambiental, Tom Grando, afirma que os peixes que sobreviverem também vão sofrer. "Uma espécie que vive num rio raso não consegue se adaptar numa profundidade de 80 metros que surge de repente", sustenta. (DK)
O conturbado licenciamento ambiental da usina hidrelétrica de Mauá, nos Campos Gerais, ganha mais um capítulo. Para iniciar o enchimento do reservatório, que começou no dia 28 de junho, foi expedida uma autorização especial baseada em uma normativa recentemente aprovada. Mas a licença para o funcionamento da usina está em discussão. Responsável pela hidrelétrica, o consórcio Cruzeiro do Sul formado pela Copel e pela Eletrosul afirma que cumpriu todas as condições para receber o aval para iniciar a operação. O Instituto Ambiental do Paraná (IAP) informa, porém, que vai esperar a conclusão do processo de formação do lago artificial, a ser concluído em dois meses, para avaliar o licenciamento.
Entre as condições para que a usina entre em operação está a compensação ambiental pela área inundada pela represa. No lugar existiam 2,8 mil hectares de mata nativa, que foi cortada para não ficar submersa. Caso troncos e galhos apodrecessem embaixo dágua, poderiam comprometer a qualidade do reservatório. A título de indenização pela floresta suprimida, o consórcio precisa adquirir uma área equivalente e assegurar que seja preservada. A compensação ambiental precisa ser feita antes da autorização de operação como forma de garantir que o compromisso seja cumprido.
A ONG Liga Ambiental questiona o fato de o alagamento ser realizado sem que o consórcio tenha efetivado a compra de uma área para fazer a compensação dos danos ambientais. "O que o IAP forneceu foi uma autorização ambiental, que permite testes na represa [o que inclui o enchimento]", declara o presidente do instituto, Luiz Tarcísio Mossato Pinto. Apesar da indicação feita pela câmara técnica responsável por apontar uma área para a compensação e do compromisso assumido pelo consórcio de adquirir o terreno, os responsáveis pela usina informam que um grupo de especialistas está avaliando outras opções de áreas a serem compradas. O consórcio depositou R$ 59 milhões em juízo para assegurar que a compensação ambiental será realizada.
Cenário
A água prestes a encobrir copas de árvores é a prova de que a formação do lago artificial da usina hidrelétrica de Mauá está em ritmo acelerado. Do outro lado da barragem, nos Campos Gerais, o Rio Tibagi mingua. A Gazeta do Povo sobrevoou a área para observar o enchimento do reservatório. Em alguns pontos a água estava turva, repleta de folhas e galhos de árvores. Parte dos rejeitos estava sendo puxada para as margens por dois barcos. Em duas semanas, a represa já atingiu 30 metros de profundidade em alguns pontos. Quando estiver no nível máximo, atingirá 70 metros e inundará uma área equivalente a 84 quilômetros quadrados.
O superintendente do consórcio, Sérgio Luiz Lamy, afirma que 15% da vegetação foi mantida. Os capões que foram deixados são principalmente em terrenos íngremes. O corte, neste caso, poderia apresentar riscos para os trabalhadores ou mesmo propiciar erosão. O resgate de animais teria sido mais intenso no momento da supressão da mata, mas espécies acuadas por causa do enchimento do lago estão sendo recolhidas e levadas para um refúgio.
Morador reclama de impacto sobre os peixes
Peixes isolados em poças dágua mal-oxigenadas e pescadores ávidos por presas fáceis. Esse foi o cenário observado nos últimos dias por João*, morador das proximidades da usina de Mauá, em Ortigueira. Ele conta que, logo após o início do enchimento do lago, a vazão no Rio Tibagi diminuiu na parte de baixo da barragem.
Em tese, o processo deveria causar o mínimo impacto possível para os peixes. "De um dia para outro o rio baixou uns três metros. Isso é muito pouco tempo. Ficaram umas poças dágua com cascudos dentro, sem poderem escapar", conta João. Ele afirma, ainda, que a "novidade" se espalhou rapidamente e logo atraiu um grande número de pescadores.
A reportagem da Gazeta do Povo esteve no entorno da barragem local de acesso bastante complicado , mas no dia da visita não encontrou peixes mortos ou empoçados. Também não havia pescadores na área.
"Eles já não estão mais por aqui, mas começaram a chegar logo no dia do enchimento e esvaziaram o rio de peixes, já que estava muito fácil de pescar", relata João. Da margem, era possível avistar algumas garrafas plásticas boiando, mas sem sairem do lugar. "Isso é um jeito de marcar o lugar da tarrafa. Tem uma rede de pesca ali, com certeza", afirma.
*João é um nome fictício. O entrevistado preferiu não ser identificado.
A reportagem sobrevoou a usina de Mauá a convite da Fundação SOS Mata Atlântica.
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