Os corpos dos 228 ocupantes do voo 447 da Air France que caiu no Oceano Atlântico quando fazia a rota Rio-Paris, em maio de 2009, podem começar a ser retirados do fundo do mar hoje, menos de 48 horas após investigadores franceses terem recolhido a segunda caixa-preta da aeronave. Testes determinarão se será possível elevar os corpos à superfície sem que sejam muito danificados."A previsão era de que os primeiros testes fossem realizados assim que se encontrasse as caixas-pretas", disse o coronel François Daust, diretor do Instituto de Investigações Criminais da Polícia Militar francesa, responsável pela operação. Segundo ele, o risco é que os corpos não resistam à manipulação e que os ossos se soltem durante a subida.
Os primeiros resultados dos testes para a retirada dos corpos devem estar disponíveis a partir de amanhã. "Teremos que avaliar se o robô vai conseguir puxar os corpos sem que os ossos sejam desarticulados", explicou Daust. "Nesse caso, teremos que fazer uma escolha: ou decidimos retirar as ossadas ou deixamos os corpos no fundo do mar."
Caixas-pretas
A segunda caixa-preta encontrada, chamada Cockpit Voice Recorder (CVR), é fundamental para explicar as causas do acidente. O aparelho que registrou os últimos 120 minutos de diálogos da tripulação, além de ruídos e alarmes sonoros do AF-447, foi localizado às 17h50 de segunda-feira e trazido à superfície, ao navio Ile de Sein, quase cinco horas mais tarde pelo submarino-robô Remours 6000. A informação, porém, só foi divulgada durante a madrugada de ontem.
Ao contrário da primeira caixa-preta, o Flight Data Recorder (FDR), gravador dos dados eletrônicos do voo, que fora encontrada separada do chassi no último domingo, o CVR foi localizado "inteiro" a cerca de dez metros da primeira caixa , preso ao seu chassi e à baliza que emitiu sinais sonoros nos primeiros 60 dias após a queda da aeronave.
Pequenos danos
Nas imagens divulgadas, o equipamento aparece com pequenos amassados. Mas, de acordo com o diretor do Escritório de Investigações e Análise para a Aviação Civil (BEA, na sigla em francês), órgão que apura o desastre, Jean-Paul Troadec, o CVR apresenta "bom estado" externo. "A caixa-preta está inteira. O chassi, o módulo e mesmo o cilindro da baliza estão lá. Globalmente, o aspecto exterior da caixa é correto, em bom estado", afirmou o chefe de perícia.
Como fora feito no domingo com o FDR, o CVR foi depositado em uma caixa cheia de água do mar o que o manterá no mesmo ambiente dos últimos dois anos, reduzindo o risco de degradação. A seguir, o recipiente foi lacrado pelos oficiais de Justiça da França com um adesivo indicando o número do processo, a inscrição "Homicídio involuntário" e um selo inviolável. As duas caixas serão levadas por um navio da Marinha a Caiena, capital da Guiana Francesa.
De lá, os equipamentos serão transportados de avião para Paris, e então para a sede do BEA um percurso de mais uma semana. Em Le Bourget, onde está localizado o laboratório de perícia, os especialistas abrirão as caixas, retirarão os microchips e realizarão a leitura das informações, com a ajuda de um software especial.
Técnicos estrangeiros analisarão gravações
Com a recuperação das caixas-pretas do voo AF-447, o governo da França vai convocar técnicos do Brasil, da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, além de oficiais de Justiça, para assegurar a lisura na transcrição das gravações contidas nos equipamentos. A informação foi confirmada pelo Ministério dos Transportes francês, em Paris.
A participação de técnicos estrangeiros atende à pressão crescente de famílias de vítimas, de técnicos independentes e da imprensa, que colocam em questão a independência do Escritório de Investigação e Análise para a Aviação Civil (BEA, na sigla em francês). A desconfiança decorre do fato de que o laboratório é controlado pelo governo da França, também acionário das empresas envolvidas no acidente: a Air France, a Airbus e a Thales. Por exigência da Justiça, a análise deve ser registrada por câmeras e testemunhas.
Segundo o secretário dos Transportes, Thierry Mariani, a decupagem das caixas-pretas também "será feita sob o controle de um oficial de polícia, na presença de experts franceses, britânicos, americanos e brasileiros".
As suspeitas sobre a lisura do BEA, levantadas por famílias de vítimas brasileiras e alemãs, também são compartilhadas na França por técnicos independentes. Ontem, o consultor Gérard Arnoux disse que o BEA precisa demonstrar transparência. "É importante para a credibilidade da investigação que o BEA convide um especialista do Cenipa [o BEA brasileiro] ou de outro escritório para participar da abertura das caixas", afirmou.
Representante de dezenas de famílias de vítimas francesas, o advogado Jean-Pierre Bellecave ressaltou que as caixas-pretas e as informações dela colhidas ficarão sob o poder da Justiça, o que, segundo ele, exclui o risco de manipulação. (AE)