A resolução do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Conanda), que quer facilitar o aborto em crianças e adolescentes e pode ser aprovada nesta segunda-feira (23), apresenta um tom mais moderado do que a primeira versão do documento, mas mantém dispositivos alarmantes. O texto viola os direitos das crianças ao centralizar a decisão do aborto na vontade da gestante, ignorando sua incapacidade legal e os riscos físicos e psicológicos dessa escolha. Além disso, a norma restringe o papel dos pais em uma situação que exige proteção familiar, o que afronta a legislação brasileira.
A proposta do Conanda, caso seja aprovada em assembleia nesta segunda às 10 horas, prevê um direcionamento rápido da criança ou adolescente gestante ao aborto, quando procurar o serviço de saúde ou a gravidez precoce for identificada pelo conselho tutelar ou outro órgão público. O artigo 23 do documento (leia aqui na íntegra) estabelece que os profissionais responsáveis pelo atendimento consultem a criança sobre a possibilidade de contatar os pais. O texto silencia sobre o que os agentes públicos ou de saúde devem fazer quando a criança não quiser avisar seus familiares, o que pode abrir brechas para a realização do procedimento sem o conhecimento dos pais ou responsáveis legais.
“O texto determina que deve ser sempre considerada a vontade do menor. A legislação dispõe que o menor de 14 anos não possui capacidade para votar, não pode dirigir, não pode ser responsável pelos atos da vida civil. Mas o menor vai poder decidir fazer um aborto? Matar um ser humano? Isso seria um absurdo”, afirma Lilia Nunes, mestre em Direitos Humanos pela UCP. A Gazeta do Povo já mostrou os impactos negativos do aborto na saúde mental de mulheres que o praticaram, que podem chegar até a perda de sentido da vida e tentativas de suicídio.
Texto prevê judicialização em casos “excepcionalíssimos” de conflitos entre decisão de pais e da criança
O aborto é crime previsto no Código Penal, não punido em casos de estupro ou quando a gestação apresenta risco de vida para a mãe. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal ampliou essa exceção para casos de gestação de anencéfalos. O Código estabelece que, em casos de estupro, o aborto deve ser “precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”.
Lilia Nunes explica que, como a legislação sobre o aborto em caso de estupro está estabelecida pelo Código Penal, não caberia ao Conanda criar novas diretrizes sobre o tema. Como, por exemplo, a previsão de que em “casos excepcionalíssimos” deve haver um processo judicial para tentar sanar os conflitos entre a vontade expressa pela criança ou adolescente e os responsáveis legais. “Essa previsão contraria o próprio Código Penal que determina, expressamente, que o consentimento deve ser manifestado pelo representante legal, quando se tratar de incapaz", destaca Nunes.
A jurista lembra que a competência para alterar tanto o Código, quanto o Direito Penal de forma geral, é apenas do legislador federal – ou seja, deputados federais e senadores, o que faz com essa resolução seja considerada inconstitucional.
O texto, que libera a possibilidade de aborto até 9 meses, ainda pretende eliminar qualquer possibilidade de representação do bebê gerado no processo judicial. “Nos casos mencionados no dispositivo acima, não há previsão legal para a figura de curadoria do feto, assegurando-se que a prioridade seja sempre a proteção e os direitos da criança ou adolescente gestante”, afirma o documento.
Tendência é que resolução do Conanda pró-aborto seja seguida se aprovada
Andrea Hoffmann, advogada e presidente do Instituto Isabel, destaca que conselhos como o Conanda foram criados para dar a oportunidade de escuta da sociedade e diálogo com o governo na formulação e avaliação de políticas públicas. “Infelizmente, ao longo do tempo, esses conselhos foram se transformando, até pela participação social presente dentro deles, em conselhos ideológicos. Em vez de serem espaço de debates para avaliar políticas públicas, passaram a atuar como extensões do Executivo. Quando, na verdade, quem deveria formular e executar essas políticas públicas são as próprias secretarias dentro dos ministérios”, explica.
A resolução proposta pelo Conanda, por exemplo, apresenta orientações aos agentes públicos, com regras para hospitais, conselhos tutelares, Ministério Público e Defensoria Pública. Grande parte das diretrizes se baseia em uma interpretação criativa da legislação atual alinhada à defesa do aborto feita pelo Conanda.
“As normas que saem do Conanda não têm caráter sancionador nenhum, elas são orientativas e consultivas. Mas quando uma unidade de saúde ou um conselho tutelar recebe uma resolução como essa, tende a aplicá-la sem verificar as bases legais e jurídicas”, alerta Hoffmann.
No artigo 32 da nova minuta, por exemplo, o texto afirma que não há limite de tempo gestacional para a realização do aborto por estupro, “não devendo ser utilizado pelos serviços como instrumento de óbice para realização do procedimento”. Dessa forma, o órgão afirma que a interrupção da gestação pode se dar até os nove meses de gestação.
O conceito é contrário ao que apresenta a própria Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera que a interrupção espontânea da gestação é considerada aborto antes de se completar a 20ª semana. Depois desse período, a OMS e outras legislações brasileiras já considera que houve um parto prematuro extremo. Quando se trata de aborto provocado, a OMS apenas sugere que a assistolia fetal seja realizada após a 22ª semana.
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