Presidente da ABP critica resolução do CNJ e alerta sobre os efeitos do fim dos manicômios judiciários| Foto: Pixabay
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O presidente da Associação Brasileira de Psiquiatra (ABP), Antônio Geraldo da Silva, tem alertado sobre os perigos para a sociedade da resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que determina o fechamento dos manicômios judiciários até maio de 2024.

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A decisão, que entra em vigor no próximo dia 15 de maio, irá, gradualmente, liberar pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes e estavam sendo custodiadas em hospitais psiquiátricos do sistema judiciário. A solução proposta pelo CNJ é que esses pacientes, considerados inimputáveis pela legislação brasileira, tenham atendimento domiciliar e passem a procurar, de forma voluntária, a Rede de Atenção Psicossocial (Raps) ou os hospitais gerais.

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Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, o psiquiatra aponta os riscos para a segurança pública e para os próprios pacientes, lembrando que alguns deles cometeram crimes graves, como assassinatos e abuso de crianças. “Estão propondo liberar criminosos, depois de um especialista dizer que essas pessoas não têm condições de viver em liberdade”, lamenta.

Para o psiquiatra, outro fator de preocupação é a dificuldade de acompanhamento dessas pessoas que serão liberadas e a falta de leitos psiquiátricos nos hospitais comuns e na Raps. “Se essa pessoa é abandonada a própria sorte, como ela irá ter uma condição de ser tratada adequadamente? Não terá acesso ao melhor tratamento. Irá ficar em uma situação de descaso”, aponta.

Veja a entrevista na íntegra:

Quais devem ser os efeitos da resolução do CNJ que determina o fim dos manicômios judiciários? 

Antônio Geraldo da Silva: A resolução acaba, entre 15 de maio de 2023 e 15 de maio de 2024, com todos os hospitais de custódia e psiquiátricos do país. Essas pessoas passariam a fazer o acompanhamento, se quiserem, no sistema Raps. Se precisar internar, irão usar os leitos disponíveis. Hoje, isso funciona de forma diferente: para chegar a definir que uma pessoa precisa estar em um hospital de custódia, o paciente passa por um sistema de perícias, onde se atesta a necessidade da custódia. Com essa decisão do CNJ, o que está sendo feito é, via resolução, acabar com a avaliação psiquiátrica.

Mas todas às vezes que isso aconteceu tivemos situações gravíssimas, em que foram liberadas pessoas sem condição de convivência com a sociedade. No Distrito Federal, por exemplo, houve um caso da liberação de um pedófilo. No laudo psiquiátrico estava escrito que a pessoa não tinha condições de viver em sociedade. Liberaram e ele matou 7 pessoas, adolescentes e crianças. No sistema prisional, ele não tem convivência com crianças. Como podem dizer que ele tem bom comportamento? Ele não convive com criança quando está preso.

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Também, há dois tipos de pessoas envolvidas, [quando se fala de hospitais de custódia]. Doentes mentais que cometeram crimes e pessoas que se tornaram doentes mentais por cometerem crimes. Mas se essa pessoa é abandonada à própria sorte, como irá ter condição de ser tratada adequadamente? Essa pessoa não terá acesso ao melhor tratamento. Irá ficar em uma situação de descaso.

Os hospitais gerais e Raps estão preparados para atender os pacientes egressos dos manicômios judiciários?  

Antônio Geraldo da Silva: A Raps (Rede de Atenção Psicossocial) já é uma rede falha. Hoje, no Brasil, temos mais de 5 mil cidades e não há nem 2 mil serviços. Não temos condição de atender as 70 milhões de pessoas com algum problema mental. E, ainda, irão trazer esse grupo específico para tratar nesse serviço.  É um desrespeito para os pacientes comuns que estão em tratamento ao misturar essas pessoas perigosas.

Qual o perfil dos pacientes que estão nos manicômios judiciários?  

Antônio Geraldo da Silva: Apenados em medida de segurança que precisam de tratamento e acompanhamento psiquiátrico. Os tipos de crimes são muitos, por exemplo, são assassinos e pedófilos. São apenados e a pena não é pequena. Mas todos serão soltos. Atualmente, há 5.800 criminosos, segundo o Relatório do Sistema Prisional em Números, do Conselho Nacional do Ministério Público, que serão soltos.

Além disso, diversas pessoas que vão alegar doenças mentais para poderem ser soltas.

A ABP esteve presente no grupo de trabalho do CNJ? Tem realizado algo para tentar reverter a decisão do CNJ?  

Antônio Geraldo da Silva: Nenhum médico foi convidado. Foram vários convidados, menos médicos e pessoas que atuam no sistema prisional. Pedimos audiência pública para o CNJ e nos foi negado, dizendo que deveríamos participar de uma reunião que irá acontecer em junho, em Curitiba (PR). Pedimos uma audiência e recebemos uma negativa. E, ainda, participaremos dessa reunião como ouvintes.

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É um absurdo esse tipo de situação. Quem define o que é doença ou não? O psiquiatra. Mas nenhum médico participou do grupo de trabalho do CNJ. Foi um desprezo à profissão.

Qual seria a melhor forma de tratamento para os pacientes com transtornos mentais que cometeram crimes?  

Antônio Geraldo da Silva: É mais fácil acabar do que construir algo de qualidade. É necessário ter um sistema para atender essa população, mas de qualidade. Local ruim, não quero para ninguém. Os hospitais não têm um cuidado adequado para essas pessoas. A melhora da qualidade deve ser como um todo. É preciso profissionais adequados para atender esses pacientes.

A política antimanicomial cresceu muito nos últimos anos, até por conta dos abusos e despreparo dos manicômios. Contudo, quais as consequências dessa política na sociedade?   

Antônio Geraldo da Silva: Retiram os direitos humanos ao negar tratamento adequado para os doentes. Tiram a liberdade das pessoas que estão fora dos presídios, pois irão lidar com todo tipo de criminoso que deveria estar em um hospital de custódia, mas, [devido à resolução do CNJ], irão estar no convívio do dia a dia. É um descalabro quando se faz isso. Estão colocando a vida das pessoas em risco e negando os fatos.

Estão propondo liberar criminosos, depois de um especialista dizer que essa pessoa não tem condição de viver em liberdade. Estão desrespeitando e expondo toda a sociedade.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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