As queimadas e o desmatamento na Amazônia são o grande foco das notícias e das discussões sobre o meio ambiente no Brasil nos últimos anos, especialmente após a repercussão internacional dos incêndios de 2019. Mas, para o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, outros problemas de urgência igual ou até maior não ganham a relevância devida no debate público, como o saneamento básico.
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Em entrevista à Gazeta do Povo, ele sugere que a razão disso é a falta de potencial midiático de temas como o tratamento de esgoto e de lixo. “Os assuntos da agenda ambiental urbana, por exemplo, não têm a mesma cobertura midiática que tem a discussão sobre a Amazônia ou mudanças climáticas”, afirma. “Não têm o charme que tem tratar essas questões relativas ao desmatamento, ou à Amazônia, ou à mudança climática”, complementa.
Nesta semana, Salles disse nas redes sociais que não será mais o candidato entre os aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Senado por São Paulo. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes – provável candidato pró-Bolsonaro ao governador de São Paulo para as eleições de 2022 –, teria preferido apoiar Paulo Skaf, ex-presidente da Fiesp, para a vaga. Segundo Salles, seu caminho agora será tentar uma vaga na Câmara dos Deputados.
O ex-ministro também falou sobre a importância de assegurar a soberania nacional na Amazônia, o papel do desenvolvimento econômico sustentável para a preservação ambiental e as divisões que ocorreram na direita brasileira nos últimos anos.
Confira a entrevista na íntegra:
O Skaf é um político com um perfil muito diferente do seu. Por que o sr. acha que ele foi escolhido?
Ricardo Salles: Primeiro, nós estamos falando aqui de um momento pré-eleitoral em que não há escolhas definitivas. Mas o Tarcísio – como eu disse, ainda que não tenha oficializado isso por declaração – aceitou ser candidato ao governo do estado de São Paulo, atendendo a um chamado do presidente.
Acho que tem muito mérito em ele ter aceitado e, consequentemente, tem o direito de ter quem ele quer junto com ele concorrendo ao Senado. Ele já vem conversando com o Skaf há bastante tempo. Ele provavelmente entende… Não conversei em detalhes isso com ele… Estivemos juntos algumas vezes falando da eleição aqui em São Paulo, mas isso não foi tratado… Entendo que ele vê no Skaf, talvez, alguém que vai a um público que os bolsonaristas – como eu, como ele próprio, Tarcísio, como outros – talvez não alcancem sozinhos.
Tenho a impressão de que é alguma coisa nessa linha. De qualquer forma, é legítimo ele ter essa afinidade ou escolher o Skaf, e acho que o meu papel é não atrapalhar. Estou aqui para ajudar nessa concertação político-partidária da direita e, consequentemente, deixar esse caminho aberto para que haja um entendimento entre eles.
Qual é seu plano a partir de agora? A Câmara?
Ricardo Salles: O caminho natural é uma ideia de concorrer a uma vaga na Câmara Federal. Claro que as negociações partidárias, tudo isso, está ainda em curso, mas o caminho provavelmente deve ser esse.
Com um mandato como deputado federal, quais seriam os seus focos?
Ricardo Salles: Há muitas pautas que eu reputo importantes. Uma delas, evidentemente, é a pauta ambiental, com esse viés de desenvolvimento econômico sustentável, de colocar as pessoas no centro do debate, respeitar os setores produtivos, trazer, efetivamente, a prosperidade como pré-requisito de uma boa sustentabilidade, uma boa proteção ambiental.
Mas há outras pautas igualmente importantes: a diminuição do tamanho do Estado, uma pauta de segurança pública bastante estrita e rigorosa, enfim, a pauta conservadora do presidente Bolsonaro.
O Brasil tem 100 milhões de pessoas sem acesso a tratamento de esgoto. O desmatamento é, sem dúvida, um desafio importante, mas por que outros problemas urgentes, como o saneamento básico e os lixões, não ganham a mesma atenção no debate público?
Ricardo Salles: Os assuntos da agenda ambiental urbana, por exemplo, são assuntos que não têm a mesma cobertura midiática que tem a discussão sobre Amazônia ou mudanças climáticas. Não têm os mesmos recursos internacionais para a promoção de eventos no exterior, viagens, palestras, estudos… São assuntos que não têm… Eu resumiria dizendo o seguinte: não têm o charme que tem tratar essas questões relativas ao desmatamento, ou à Amazônia, ou à mudança climática. Mas eles são tão ou mais importantes do que os outros, porque em um país – como você colocou bem – em um país que tem 100 milhões de brasileiros sem coleta e tratamento de esgoto, ou 35 milhões de pessoas sem acesso à água potável, água encanada, esse é um problema mais grave. Além disso, os resíduos sólidos, o problema do lixo, também é algo que precisa ser tratado como prioridade.
Como o sr. acha que o Ministério do Meio Ambiente está atingindo os objetivos que tinha estabelecido no início do governo com o programa Lixão Zero?
Ricardo Salles: Eu acho que os objetivos do governo vêm sendo atingidos. Claro que não é tão fácil você tirar uma pauta ambiental urbana da inércia, do total descaso, que foi como nós recebemos, e colocá-la de pé. Mas, de qualquer forma, no programa Lixão Zero, nós recebemos o país com 3 mil municípios, mais ou menos, com verdadeiros lixões, e já fechamos mais de 600. Portanto, 20% do problema foi resolvido em dois anos, e segue sendo resolvido, através não só do apoio econômico, tecnológico, com equipamentos, mas também dos acordos de logística reversa que vêm sendo feitos.
Além disso, sobre o tema do saneamento, foi feito um marco legal no saneamento. Inclusive, a esquerda votou contra, mas nós conseguimos aprovar o marco legal do saneamento, e já estão aí vários resultados, como, por exemplo, o leilão da Cedae no Rio de Janeiro.
Alguns países criticam fortemente o Brasil pela Amazônia, mas não cumprem suas próprias metas no Acordo de Paris. Por que o Brasil costuma ser um dos principais alvos de ameaças de sanções e embargos?
Ricardo Salles: Veja, o Brasil é um país que assusta do ponto de vista de competitividade no agronegócio. Muitos dos nossos concorrentes – talvez o principal sejam os Estados Unidos, mas não só – querem arranjar uma maneira de depreciar o Brasil, criar alguma pecha de antiambiental ou alguma mancha que lhes permita utilizar essa barreira não tarifária como forma de ganhar mercado às custas do mercado brasileiro.
A agricultura brasileira é de ponta, é exemplar. Nós temos agricultores e agropecuária que produzem com qualidade, respeitando o meio ambiente de acordo com o Código Florestal, que é uma norma que nenhum outro país tem. Acho que o Brasil cumpre, sim, um importante papel, e é sempre atacado porque os nossos concorrentes temem o Brasil.
Como o sr. vê a dicotomia que se criou entre o desenvolvimento no setor agropecuário e a preocupação ambiental?
Ricardo Salles: Essa dicotomia não existe. Não existe. Nós temos uma agricultura pujante, uma agropecuária pujante, sem necessariamente desmatar ou ter degradação ambiental. O problema da Amazônia não está na agropecuária. O problema da Amazônia está no absoluto descaso com as pessoas da região. Vinte e três milhões de brasileiros que vivem na região mais rica do Brasil, sob o ponto de vista de recursos naturais, porém com o pior índice de desenvolvimento humano.
Reputar o problema da Amazônia à agropecuária é um erro absoluto. Ali tem problemas de como gerir a questão da mineração. Ali tem problemas de infraestrutura e saneamento, de saúde, de educação, de desenvolvimento humano. Esses são os verdadeiros problemas que são a causa do desmatamento na Amazônia.
Por que a falta de desenvolvimento na Amazônia pode prejudicar o desmatamento?
Ricardo Salles: Se você não dá oportunidade para as pessoas viverem dignamente, de acordo com o seu trabalho, em atividades econômicas que sejam sustentáveis, as pessoas acabam indo arranjar uma maneira de sobreviver. Você tem, como eu disse, 23 milhões de brasileiros, dentre os quais muitos indígenas – inclusive os próprios indígenas, muitas vezes, praticam agricultura, praticam mineração, garimpo, eles próprios… Esta falsa narrativa de que eles foram forçados ou escravizados não é verdadeira…
Então, o que a gente precisa neste momento? É fazer um equilíbrio entre oportunidade de desenvolvimento econômico sustentável – mas de verdade, não apenas discurso, não falar de uma bioeconomia que não existe, ou colocar metas e prazos que são incompatíveis com a vida dessas pessoas no presente… Claro que é preciso fiscalizar, tem que fazer cumprir a lei, mas só a política de fiscalização, comando e controle não é suficiente para resolver o problema da Amazônia, como não foi nos últimos 20, 30 anos.
A ameaça à soberania nacional na Amazônia é um problema real?
Ricardo Salles: Primeiro, é importante lembrar que o próprio governo federal do Brasil, na década de 50, 60, 70, incentivou as pessoas a irem para a Amazônia, ocuparem a Amazônia, viverem na Amazônia, justamente como forma de assegurar nossa soberania sobre o território. Então, nós não podemos, do dia para a noite, adotar uma política como se essas pessoas fossem um volume de brasileiros indesejados na Amazônia. Esse é o primeiro pressuposto da resposta.
Segundo: não são poucas as entidades estrangeiras, ONGs, entidades religiosas, enfim, uma série de entidades estrangeiras que, a pretexto de cuidarem dos mais diversos assuntos – dentre os quais meio ambiente, mas não só –, estão presentes na Amazônia fazendo pesquisas de tudo quanto é tipo, pesquisas minerais, pesquisas de biodiversidade, inclusive levando nosso conhecimento da floresta e dos povos tradicionais lá para fora.
Então, existe, sim, essa história de soberania da Amazônia. Ela é um ponto verdadeiro. Não a soberania pela ótica militar. Eles não vão invadir militarmente a Amazônia. Mas eles estão infiltrando o território, justamente com estas entidades, com estas ONGs, com estes grupos de acadêmicos, com grupos religiosos, enfim, uma série de grupos que vão se imiscuindo no território brasileiro e tentando criar justamente este sentimento de que a Amazônia não é só do Brasil: é da humanidade, é do planeta.
O que o Brasil deve fazer para garantir sua soberania sobre a Amazônia?
Ricardo Salles: Em primeiro lugar, reconhecer que o problema existe. Expor o problema. Mostrar o problema, e não jogar este problema para debaixo do tapete. Essa é a primeira coisa.
Em segundo lugar, para você assegurar a soberania plena do Brasil sobre aquele território, o território tem que estar equilibrado. Você tem que ter preservação, mas tem que ter uma sociedade, também, que prospera, que tem um poder aquisitivo, que tem educação, que tem moradia, tem saneamento, enfim, uma série de pré-requisitos de qualidade de vida preenchidos. E foi neste sentido que nós trabalhamos muito: colocar as pessoas da Amazônia, os brasileiros da Amazônia em primeiro lugar, e depois tratar os demais assuntos em conjunto. Acho que tudo isso contribui para assegurar a nossa soberania do território.
Quais foram os principais legados da sua atuação como ministro?
Ricardo Salles: Sem dúvida nenhuma, a agenda ambiental urbana. Acho que essa é uma questão fundamental que avançou muito. Segundo, e juntamente, colocar as pessoas no centro do debate, mostrar as incongruências de muitas agendas internacionais, ou mesmo agendas que foram promovidas no Brasil, que falam de meio ambiente, mas desconsideram por completo os vinte e tantos milhões de brasileiros da Amazônia ou brasileiros de outras regiões. Então, colocar as pessoas no centro do debate.
Também, ou de outro modo, reconhecer que a prosperidade econômica é pré- requisito do cuidado ambiental. Eles são indissociáveis. Não há – e o Paulo Guedes disse isso em Davos, em 2019 –, não há questão ambiental que se sustente em meio à pobreza, à miséria. É preciso melhorar a qualidade de vida das pessoas, ter prosperidade econômica, para que assim, naturalmente, você tenha cuidados ambientais que são também muito importantes.
O Ministério do Meio Ambiente costuma ser apontado como um dos principais alvos do aparelhamento feito por governos de esquerda nos órgãos públicos do Brasil. Qual é o melhor caminho para solucionar isso?
Ricardo Salles: Acho que, em primeiro lugar, é preciso reconhecer – e aí não vai uma questão filosófica, mas simplesmente uma constatação – que houve, sim, ao longo de 20 anos, um enorme aparelhamento do Estado brasileiro pelas esquerdas.
Esse aparelhamento se deu em praticamente todas as instituições, todas as autarquias, todas as empresas públicas, todos os ministérios, e ele se revela ainda mais nocivo nos ministérios onde há algum cunho ideológico ou algum cunho filosófico, jurídico etc. O Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Educação, Cultura, Direitos Humanos, Justiça, enfim, essas são as áreas onde o aparelhamento cobra um preço mais alto.
O que a sua gestão fez para combater o aparelhamento no Ministério do Meio Ambiente?
Ricardo Salles: A questão do aparelhamento acaba sendo quase que permanente, porque, como você tem funcionários públicos que gozam de estabilidade, essas pessoas estão lá. Não tem o que fazer. O que a gente tem que garantir? Que mesmo estes que têm um viés ideológico mais acentuado se pautem pelo devido processo legal, pela ampla defesa, pelo contraditório, que respeitem as normas, que evitem, a todo custo, colocar nas suas peças, nos seus despachos, nos seus pareceres, visões ideológicas disfarçadas de técnica. Se isso for respeitado, já melhora muito o cenário.
Como o sr. avalia a gestão do atual ministro, Joaquim Leite?
Ricardo Salles: O Joaquim foi meu secretário, trabalhava comigo. Quando eu decidi sair do ministério, fui eu que o indiquei ao presidente. Entendo que o Joaquim está fazendo um bom trabalho. São estilos completamente diferentes. Então aqui não é uma questão de comparação, porque são pessoas diferentes, portanto atuações incomparáveis.
Mas o Joaquim tem um bom estilo. É uma pessoa agregadora, que ouve, enfim, que sabe conciliar. Acho que está fazendo um bom trabalho.
Antes de 2019, havia no Brasil um alinhamento maior da direita representada pelos liberais, que defendem pautas como um Estado menor e a livre iniciativa, com a direita representada pelos conservadores, que têm como preocupação maior a defesa de certos valores fundamentais, como o direito à vida e a importância da família. Nos últimos anos, houve uma divisão. Por que o sr. acha que isso aconteceu?
Ricardo Salles: São perspectivas diferentes. Eu, por exemplo, me considero uma pessoa de direita no aspecto econômico, bastante liberal, pró-mercado, livre iniciativa, diminuição do tamanho do Estado, e, do ponto de vista comportamental, valores etc., uma visão conservadora. Há pessoas que têm mais a visão conservadora, nos princípios etc., mas muitas vezes têm uma visão mais estatizante do ponto de vista econômico. E você tem o contrário também. Tem pessoas que são bastante liberais na ótica econômica, mas têm uma visão mais progressista, ou pelo menos mais flexível, na questão comportamental, valores etc.
Elas são compatíveis, elas convivem. É importante, também, entender que há visões distintas e aprender a conviver com elas, harmonizar essas diferentes visões. Não há duas pessoas no mundo que pensem absolutamente igual em tudo. Essas diferenças precisam ser conciliadas.
Hoje em dia, o sr. se sente mais próximo da direita liberal ou da direita conservadora?
Ricardo Salles: Eu tenho as duas vertentes, na verdade. Eu sou liberal na economia, acredito muito na diminuição do tamanho do Estado, sou favorável a vender todas as estatais, a diminuir muito a presença do governo em tudo quanto é ramo da economia ou da vida das pessoas. Por outro lado, tenho uma visão conservadora das coisas. Entendo que não é função do Estado, por exemplo, esta agenda de gênero, não é função do Estado se imiscuir em diversas pautas relativas ao status civilis. Há uma série de coisas que não são função do Estado.
Então, neste aspecto, eu não vejo, aqui, uma coisa ou outra. Eu acho que ela se somam com relação a determinadas pessoas, que é o meu caso, e elas assumem pesos diferentes quando se tratam de outras pessoas. Não é necessário que a gente exija que todo mundo pense igual a nós para estarmos juntos. Esse é o princípio de trabalhar em coalizão. Trabalhar junto sabendo reconhecer as diferenças e respeitando.
O filósofo GK Chesterton dizia que “a coisa mais prática e importante sobre o homem é sua visão a respeito do universo”. Qual é sua religião e como ela influencia suas visões políticas?
Ricardo Salles: Eu sou um cristão católico. Eu procuro seguir a minha visão de mundo, que não é, evidentemente, uma visão religiosa, é uma visão pessoal, com todos os tipos de princípios e valores, que têm, obviamente, princípios religiosos, mas não só. Eu entendo que este papel de você ter um norte religioso, moral, ético etc., te ajuda a tomar as decisões. Você também não é um mero executor de ideias ou de imposições feitas por terceiros.