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BAFÔMETRO

Prova de embriaguez em xeque

A definição precisa do nível tolerado de álcool no sangue para que uma pessoa possa ou não dirigir – na prática, até dois copos de cerveja – de nada serve quando há recusa de se fazer o bafômetro, direito assegurado pelo artigo 5º da Constituição Federal, que garante a todos o direito de não produzir provas contra si.

Esse direito individual resulta, na prática, em um número enorme de absolvições em processos penais por embriaguez nos tribunais. Segundo estudo feito pelo advogado Aldo de Campos Costa, doutorando pela Universidade de Barcelona, entre julho de 2008 e junho de 2009, no Paraná, ocorreram absolvições em cerca de 76% dos processos por falta do teste do bafômetro ou exame de sangue.

A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) irá decidir – em data incerta – que tipo de provas podem ser usadas em processos judiciais para atestar que um motorista estava ou não bêbado. Espera-se que a decisão defina um entendimento sobre o assunto.

O parecer do Ministério Público Federal (MPF) defende que a Justiça aceite como prova o exame clínico de um médico ou o relato de testemunhas, além do bafômetro e do exame sanguíneo.

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Argumentos

Veja como votaram os ministros do STF:

"A doutrina e a jurisprudência mais recentes têm admitido, em vários casos, a existência do dolo eventual nos crimes graves de trânsito."

Carmem Lúcia, pela manutenção do processo como homicídio com dolo eventual.

"Não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido bebidas alcoólicas consentindo em que produziria o resultado, o qual pode até ter previsto, mas não assentiu que ocorresse."

Luiz Fux, pela mudança de entendimento e a sequência do processo por homicídio culposo.

A Lei Seca foi promulgada em 2008 com a promessa de ser rigorosa na punição de motoristas que dirigem embriagados. Mas essa tentativa de reduzir as mortes no trânsito brasileiro – quase 40 mil naquele ano – tem tido o rigor atenuado pela Justiça.Além da recusa em fazer o bafômetro, garantida por lei, no último dia 9 um revés inédito contra o mecanismo veio da 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), composta por quatro ministros: eles decidiram que um motorista bêbado da cidade de Pradópolis, no interior de São Paulo, não pode ser julgado por homicídio com dolo eventual (quando a pessoa assume o risco de matar) e determinou que o crime seja julgado como homicídio culposo (sem intenção). A interpretação, não unânime, muda o entendimento até agora seguido por juízes e desembargadores na aplicação de punição a motoristas embriagados.

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A decisão vale para um caso específico e pode ser alterada em um eventual julgamento do pleno do STF, com nove ministros, mas pode influenciar decisões judiciais em casos semelhantes, como o do ex-deputado Carli Filho, que em um acidente de carro causou a morte de Gilmar Yared e Carlos Murilo de Almeida, em 2009.

Pontos de vista

A diferença substancial entre os tipos de processo é o tamanho da pena e a forma de julgamento. Ao responder pelo crime de homicídio com dolo eventual, o motorista deve ser julgado pelo Tribunal do Júri com pena mínima de 12 anos. Já o homicídio culposo é julgado por um juiz, com punição de pelo menos dois anos de prisão, uma diferença de 10 anos.

A definição sobre a forma de julgar casos de morte causados por motoristas bêbados está longe de um entendimento único na Justiça brasileira. O problema estaria na subjetividade da interpretação da intenção ou não de matar.

Para Leonardo Augusto Marinho Marques, doutor em Ciências Penais e professor da Pontifícia Universidade Ca­­tólica de Minas Gerais e da Univer­si­dade Fe­­deral de Minas Gerais, esses casos são de dolo eventual porque são grandes as chances de matar uma pessoa ao se dirigir bêbado. "O Direito não tem uma solução objetiva para o caso. Temos que avaliar a probabilidade das consequências [de se dirigir bêbado] e a previsibilidade dos seus resultados."

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Porém, para o professor da Universidade de São Paulo, Sérgio Salomão Shecaira, doutor em Direito Penal, a interpretação do STF é correta porque crime doloso pressupõe a "vontade" do autor e não so­­men­­te assumir um risco. "O Direito não trabalha com previsões, mas com objetividade. Ele queria que aquilo [a morte] acontecesse?", diz. Para ele, os promotores e juízes têm feito uma "ginástica interpretativa" do Código de Trânsito para aplicar penas altas nesses casos e atender a um clamor popular e da imprensa.