Sopra uma brisa na Praça Edmundo Bittencourt, no Bairro Peixoto, em Copacabana. O vento arrasta as folhas, bagunça os cabelos, levanta a saia das moças. Imune à ventania, preso por blocos de concreto em seus pés, só o banco verde da pracinha. Dele, o vento só pode carregar as vozes, que se elevam numa cantilena: “Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco...” São os fiéis de Nossa Senhora de Fátima, cuja imagem brilha, atravessada por um raio de sol. Eles estão todos os dias naquele banquinho a rezar o terço e a levar seus pedidos.
O banco da praça é cenário de pequenas histórias: um senhor que lê de pijama o jornal do dia, namorados que se beijam, meninos que aprendem violão. Não se sabe quantos bancos existem no Rio, mas eles se espalham por 2.041 praças, 121 parques, 970 jardins e 113 largos, segundo a Fundação Parques e Jardins. Apesar destes números, para os acólitos da Virgem de Fátima seu banco não é só mais um.
“Quando pedimos à prefeitura para botar a imagem da santa, eles disseram que outras religiões podiam pedir o mesmo, e a praça ficaria feia com tantos símbolos religiosos. Eu argumentei, e eles mudaram de ideia. Nós mesmos pagamos o projeto, reformamos o jardim”, diz Paulo Leite, de 90 anos, ao lado de Rita da Rocha, de 53, sua mulher.
A turma do terço está ali todo santo dia — há oito anos. A reza começou depois que uma amiga do grupo, já morta, teve uma visão da santa em meio às árvores, no mesmo lugar onde hoje fica a imagem. E se organizou para criar um altar ali com os amigos, que hoje cuidam do jardim. Muita gente já passou por ali. A cada 13 de maio, dia da suposta primeira aparição de Maria na cidade de Fátima, em Portugal, reúnem-se ali cerca de 50 pessoas.
“ Tem uma moça que passava por aqui, porque queria ter filhos. Ela era muçulmana, mas acabou virando devota de Nossa Senhora”, diz Paulo.
Outro místico ouve o som do vento nas folhas da Praça Edmundo Bittencourt. O fisioterapeuta aposentado Everardo Rodrigues papeia nos equipamentos de ginástica da praça e depois descansa nos bancos. Estudioso do esoterismo, ele senta e “observa’’ seus pensamentos.
“O pensamento vem como um pássaro. Você não pode querer eliminá-lo, porque ele se dilui. Eu e o pensamento não somos um”, filosofa ele, debaixo de seu boné preto. “Viramos máquinas quando nos identificamos com o pensamento”.
Everardo é estudioso do místico armênio George Ivanovich Gurdjieff (1866-1949). Na filosofia do aposentado, nada é o que parece. Ele mesmo jura não ser ele próprio (?).
“Eu não sou eu, eu sou um escrito. Nós vivemos como atores. Tudo é imagem. Aquela árvore, por exemplo, não é uma árvore. É uma maravilha”, diz, antes de ir se gabar de seu eletrocardiograma, que estava tinindo, para as pessoas que conhece na praça.
E a história do sujeito que, cochilando no banco, cheio de sonhos voluptuosos, precisa explicar ao guarda que não é vagabundo ou delinquente, mas apenas um cara carente que dormiu na praça?
Sim, é a história da música “Dormi na praça”, primeiro sucesso na voz de Bruno e Marrone. Esta ode à dor de cotovelo foi escrita nos anos 1990 pela goiana Fátima Leão, ao lado de Elias Muniz. Autora de outros sucessos sertanejos, ela sempre frequentou praças — quando os barzinhos em que tocava no começo da carreira fechavam, ela se mudava com seu violão para os bancos.
“ Música de praça pelo visto dá sorte, né? Já vi muita gente dormir em bancos. Esta música se passa na Praça Cívica, em Goiânia. Imaginei um pedreiro que briga com a mulher, deita para esquecer e começa a ter um sonho erótico. Na hora que vai comer a mulher, a melhor parte do sonho, é acordado pelo guarda! E ainda precisa se explicar”, ri Fátima.
Tem menos amores tumultuados a vida de Marli Soares, de 78, e Dilce Viana, 61. Elas são fundadoras do grupo que faz ginástica todas as manhãs na Praça Xavier de Britto, na Tijuca, mais conhecida como Praça dos Cavalinhos. E como o guarda da música de Bruno de Marrone, elas não deixam de ser fiscais da praça.
“Quando vemos bancos quebrados ou outros problemas, ligamos para a prefeitura para avisar”, afirma Marly.
Além de malhar, a dupla faz aulas de dança, passeios até a Feira de São Cristóvão e já encenou uma peça na praça escrita por uma amiga. Os bancos são testemunhas.
“Meu filho reclama que eu não quero mais sair, não quero mais viajar. Tudo por causa da pracinha”, afirma Dilce.
Dirce e Marly gostam quando um rapaz passa e as chama de “minhas rainhas”. É o gari Renato Sorriso, que trabalha na Praça dos Cavalinhos há 20 anos — e é amigo de todos. Quando pode, participa da aula de dança com elas. E jura que nunca cochilou nos bancos depois do expediente.
“Na minha vida, não dá para cochilar!”, brinca Renato, com seu sorriso característico. “Mas o banco faz parte da arquitetura, e a praça para mim é como um saguão de aeroporto: todo mundo se encontra, todo mundo conversa e todo mundo quer voltar”.
Em Laranjeiras, a Praça São Salvador, se não tem rainhas, pelo menos tem uma prefeita: Elza Telles, de 91 anos. E ela está preocupada com uma árvore ao lado do banco de tomar sol de sua turma (o “banco da fofoca” fica do outro lado do chafariz). Uma árvore seca ao lado dele ameaça cair a qualquer momento — o que pode interromper de forma trágica o banho de sol da turma de senhorinhas.
“Já pedi para a Fundação Parques e Jardins tirá-la, mas ainda não apareceram. Vai cair a qualquer momento”, diz Elza, que mora há 65 anos na região.
“Deviam plantar uma mangueira, que pelo menos a gente comia aqui no banco!”, rebate Maria Helena, gerando uma pequena polêmica sobre os riscos de uma manga despencar na cabeça de uma delas.
Nem tudo é amor na turma que usa o espaço para chás de panela e festas comemorativas. Às vezes, a discórdia se espalha pelos bancos da São Salvador.
“Está vendo os cachorros brigando ali? Estão conversando na língua deles. Igual a gente, que às vezes bate boca aqui. Umas são a favor da Dilma, outras são contra. Religião também é um papinho que dá problema. Uns são católicos, outros são crentes”, diz Maria Helena.
Bolota, cachorro da Praça General Osório, em Ipanema, é diferente desses hunos da São Salvador. O buldogue francês, na companhia de Rosalina Langa Laque, secretária de seu dono, é só amor com os amigos caninos. E adora deitar-se nos bancos para observar o movimento. E também sabe fazer birra. Mesmo passeando quatro vezes por dia, sempre na hora de voltar para casa ele se joga no chão, empaca, dá vexame na frente dos estranhos.
“Quanto mais as pessoas olham ele fazer cena, mais ele faz. Ele gosta de público”, diz Rosalina, que também já fez amizades nos bancos da praça.
Há um filão para quem ama esses móveis urbanos. Quem quiser inventar novas formas para eles, fique avisado: no banco de dados do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), só existe o registro de uma patente com o nome “banco de praça pública”. E ainda é um projeto para deixá-los mais feios, enchendo-os de publicidade.