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Táxis

Risco constante na rota do tráfico

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O assassinato do taxista Luciano Vechi da Silva, 31 anos, no bairro Boqueirão, em Curi­­tiba, no último fim de semana, mostra o quanto esses profissionais estão expostos à violência na capital. A passageira de Silva também foi baleada e morreu no Hospital do Traba­­lha­­dor. Os policiais da Delegacia de Homicídios de Curitiba encontraram crack dentro do veículo e nas proximidades do local do crime. A Rua Cleto da Silva, onde o crime ocorreu, é conhecida entre policiais e moradores por causa do uso e da venda de drogas. O delegado Rafael Vianna ainda não tem suspeitos e diz ser precipitado afirmar que as vítimas tinham ligações com o tráfico. A morte de Silva foi a segunda de um taxista em pouco mais de 15 dias em Curitiba. Em 15 de dezembro, Mário Batista Moreira, 54 anos, foi morto na Cidade Industrial de Curitiba (CIC). Ele foi agredido na cabeça e no rosto. Em 2010, seis taxistas foram assassinados na região de Curitiba.

Livre acesso

Entre os taxistas de Curitiba é conhecido o fato de que os táxis têm livre circulação em diversos pontos de venda de entorpecentes na cidade – locais que mesmo a polícia tem dificuldades para entrar. No final de outubro, a reportagem da Gazeta do Povo percorreu 55 quilômetros em dez pontos da capital. Em dois locais, um deles a Rua Cleto da Silva, foi possível flagrar o consumo de drogas. Os pontos de venda ainda são os mesmos dos últimos dez anos, segundo relatos dos moradores. O que muda são os donos.

Se por um lado trabalhar à noite é uma oportunidade para ganhar mais e fugir do trânsito intenso, por outro representa um alto risco. Para a Polícia Militar, é senso comum que muitos taxistas são usados e levam usuários até os pontos de tráfico. A Associação das Empresas de Rádio-Táxi de Curitiba e Região Metropolitana e o Sindicato dos Taxistas também reconhecem o risco (veja ao lado).

Linha vermelha do tráfico

No fim de 2010, a reportagem da Gazeta do Povo percorreu, de táxi, alguns dos pontos de tráfico em Curitiba. Um dos taxistas lembrou um caso ocorrido em agosto. Para Sérgio (nome fictício), aquela madrugada seria igual a tantas outras desde que passou a trabalhar à noite, há dez anos, para fugir do estresse causado pelo trânsito. Uma chamada, entretanto, mudou o prognóstico. Sérgio apanhou quatro homens, que depois descobriria serem caminhoneiros, na frente de uma empresa em São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba. O destino era uma rua do Boqueirão. O objetivo era comprar drogas.

"Existe uma linha vermelha do tráfico que se estende da Vila Zumbi dos Palmares, em Colombo (RMC), até o Boqueirão, por exemplo, mas só com venda de crack", diz Sérgio. O relato não causa espanto em muitos taxistas que ganham a vida na madrugada. Segundo muitos deles, que trabalham ou trabalharam à noite, é comum transportar passageiros que procuram drogas.

No bar

Na rota do tráfico, muitos negócios são fechados em bares. Naquela noite, depois de rodar durante uma hora e meia, Sérgio ficou sabendo que seus passageiros procuravam heroína, droga difícil de ser encontrada naqueles pontos. Ao verem um táxi, os "olheiros", guardiães do tráfico, ficam nas entradas das ruas chamadas de "biqueiras" – pontos de venda de drogas. O significado de um carro laranja nesses locais é claro para eles: droga ou cliente chegando. "O táxi é o único que tem livre entrada nesses locais", diz Sérgio.

O grupo não encontrou a heroína. O táxi seguiu então para a Vila São Pedro, no bairro Xaxim. Perto da praça do bairro, um dos passageiros desceu e entrou em um bar. Lá, ouviu que conseguiria a droga, mas que teria de deixar o dinheiro e voltar uma hora depois, o que foi recusado pelo grupo. Sérgio confirma que grande parte da droga comercializada na noite de Curitiba é vendida em bares que ficam abertos durante a madrugada. A dinâmica quase sempre é a mesma: primeiro o dinheiro, depois a mercadoria. "Nesse mundo, o risco é calculado", avalia o taxista.

Os caminhoneiros ainda tentaram encontrar a heroína (que eles pretendiam usar para se manterem acordados durante a noite) no Bairro Alto, perto do limite com Pinhais. Voltaram de mãos vazias e pagaram R$ 130 pela corrida.

Cuidados

Mesmo sabendo do perigo, muitos taxistas ainda se arriscam na noite. Ameaças, súplicas, oferta de pagamento adiantado e até em dobro são alguns dos artifícios utilizados pelos passageiros para tentar convencer o motorista a levá-los a um ponto de venda. Segundo Sérgio, não é só a aparência que deve ser levada em conta na hora de aceitar um passageiro durante a madrugada. O engano pode acontecer quando "filhinhos de papai", como diz ele, usam o táxi para facilitar a entrada nas ruas dominadas pelo tráfico. "São arrogantes e não aceitam negativas", diz Sérgio.

Durante essas corridas, dois medos tomam conta do taxista: dos traficantes e da polícia. "Se for pego com droga como vou explicar?", indaga Sérgio. Segundo ele, durante a madrugada a maioria dos passageiros tem entre 18 e 40 anos. Ao pedido de corrida de alguém com características de usuário de drogas, como olhos avermelhados, rosto magro e pele amarelada, Sérgio costuma dizer que ajudará se não levá-lo ao endereço solicitado. "Como proteção, deixo o vidro aberto pela metade e nunca deixo entrar no veículo. Mas, se entram, aviso que não é para jogar nada dentro do carro", afirma o taxista, que se considera um "refém da noite". "É triste porque cada corrida aceita dentro desse perfil leva o taxista a estar cometendo algo ilícito", admite.

Enquanto Sérgio resiste, outros abandonam o trabalho noturno. É o caso de Pedro (nome fictício), 55 anos, que passou a trabalhar de dia depois de levar um homem duas vezes à Vila Torres. Segundo ele, o passageiro aparentava ter cerca de 50 anos e usava terno e gravata. Da primeira vez, esperou, conforme o pedido. Na segunda corrida, abandonou o cliente ao perceber que ele ia até o local para comprar droga. "A partir daquela noite, nunca mais. Imagina se a polícia chega, como vou explicar?", questiona. Outro que desistiu foi Roberto (nome fictício), 35 anos. Ele atua na região do Bairro Alto e conhece pontos de venda de drogas, mas garante que sempre recursou corridas até esses locais. "Não quero ser conivente", afirma.

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