Pode um único evento discutir cultura alemã na capital do Paraná, minorias étnicas no Sul do país, mulheres muçulmanas modernas e a Guerra do Pente – aquela do dia em que Curitiba parou? Para o professor de Psicologia Social da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Jamil Zugueib Neto, não só pode como deve. Há dois anos – desde a criação do Núcleo de Estudos dos Processos Identitários, das Etnias e das Crises –, o docente já organizou cinco eventos em que o caldeirão de questões étnicas que abala o mundo desde o 11 de setembro ganhou espaço para ser discutido. Hoje à noite, Jamil dá início à sexta promoção de seu núcleo, um seminário cujo título, de cara, agrada curitibanos, gaúchos e muçulmanos: "Chimarrão com cultura: miscigenação, memória e estratégias identitárias".

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Serão 13 palestras, com encontros alternados até novembro, reunindo sociólogos, advogados, historiadores, psicólogos e filósofos. A diversidade é uma condição para que temas como etnia e identidade – dois pratos quentes do evento – não caiam no "ramerrame" do elogio fácil às origens estrangeiras no Sul Maravilha e coisas do gênero. "Discordo de quem acha que são temas desgastados. O mundo de hoje, outra coisa não faz, senão lutar para não perder sua identidade", dispara.

Por essas e outras, "Chimarrão..." vai passar obrigatoriamente por ervas amargas, a exemplo do ódio e da dor étnica, das guerras entre culturas e do desconhecimento da cultura do outro, questões que, segundo Jamil, ganharam impulso no chamado mundo globalizado e abastecem o discurso de intelectuais como o polêmico escritor paquistanês Tarik Ali – que recentemente esteve no Brasil para participar do Festival Literário de Parati (Flip). Exemplo de discussão no tempo presente – e que envolve em cheio o organizador, que é de origem árabe – são os conflitos recentes no Sul do Líbano, segundo ele, uma prova de que se tornou cada vez mais difícil entender a diferença no mundo contemporâneo. O outro, alerta, pode dar medo, mas também deslumbramento.

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"Estamos vivendo uma época obscura. Adota-se cada vez mais a explicação facilitada dada pelos meios de comunicação. Guerras como a do Kosovo, as divisões étnicas na Espanha e as do Oriente Médio, entre outras, ganharam versões distorcidas. Desconhecemos o Movimento Sionista e resoluções internacionais entre as nações. Por isso, decidimos que esse encontro deveria funcionar como um laboratório para fazer uma leitura da história", comenta o pesquisador, cujos temas de estudo são tão abrangentes quanto os de seu núcleo na universidade.

Além da UFPR, Jamil Zugueib presta assessoria ao Instituto Médico Legal (IML), no atendimento a mulheres vítimas da violência doméstica. O trabalho faz parte de suas atividades como psicólogo social e fez dele uma referência nos estudos de violência na capital.

Não é o único. Há um ano e meio o pesquisador se aventura por um dos episódios mais curiosos e inexplicáveis da história de Curitiba, o levante popular que ficou conhecido como a Guerra do Pente. Em 1959, um comerciante libanês, dono do Bazar Centenário, na Praça Tiradentes, negou a um freguês, um militar, a nota fiscal por um pente comprado. Do bate-boca, os dois partiram para a ignorância. A briga acabou em pancadaria no Centro, histeria coletiva de dois dias e Exército nas ruas para conter manifestantes enfurecidos. Eles vinham de todos os cantos, provavelmente sem um motivo aparente que não uma reação ao estado das coisas. Virou uma dor étnica contra os libaneses de Curitiba. "Foi um misto de xenofobia, nacionalismo e esbórnia", resume Jamil, que na época tinha 10 anos, imaginava viver numa cidade tranqüila e ganhou consciência do que poderia significar ter nascido árabe. Para ele, hoje, episódios como a Guerra do Pente são uma espécie de pretexto para explicar o olhar que se forma em torno de uma determinada etnia – e um olhar que permanece, à revelia do esquecimento como conflitos feitos o da Tiradentes fatalmente vão acabar. Ano que vem, Jamil vai fazer um pós-doutorado no Líbano e apresentar suas conclusões sobre a Guerra do Pente. Antes, faz uma prévia na última palestra de "Chimarrão com Cultura", em novembro, ao lado do filósofo Jamil Iskandar e do advogado Luís Lopes.

Serviço: Chimarrão com cultura: miscigenação, memória e estratégias identificatórias. Abertura hoje, às 19 horas, no Salão Nobre do Curso de Direito da UFPR (Praça Santos Andrade, 50, 1.º andar). Palestra com o psicólogo social Jamil Zugueib Neto – "Miscigenação e minorias no Sul do Brasil"; e com o deputado estadual Rafael Greca de Macedo – "Políticas e preocupações do governo com as minorias étnicas." Informações (41) 3310-2703; 3310-2625. R$ 30.