O que literatura tem a ver com uma repartição pública como o Departamento de Trânsito? Tudo, pelo menos no caso do Detran do Paraná. Há um ano e meio, o órgão estadual promove uma roda literária entre os funcionários chamada "Conversa entre Amigos", uma maneira inteligente e descontraída de estimular a leitura e transmitir conhecimento.
O sistema funciona da seguinte maneira: um livro é escolhido por mês e todos os participantes do grupo o lêem. No final do mês, o pessoal organiza um encontro, geralmente num restaurante ou na casa de alguém, para debater o livro e compartilhar as impressões pessoais. "É algo bem informal. Cada um capta de um jeito diferente a história e no encontro diz o que sentiu. Tem gente que até se emociona", conta a servidora Noely de Assis, 48 anos, que trabalha no Detran há 28 anos.
Dezessete livros depois, a experiência mostrou-se bem sucedida. Hoje, o grupo que começou com dez pessoas já reúne 120 funcionários de um total de 500. "São pessoas que jamais tiveram chance de ler, às vezes por uma questão financeira, mas o legal é que todo mundo participa. Desde o guardião do pátio do Detran até a moça que serve o cafezinho. A maioria, cerca de 90%, é mulher", conta Marcelo Almeida, idealizador do projeto e que acaba de deixar a direção-geral do Detran-PR para disputar as eleições.
Inspiração
A inspiração do "Conversa entre Amigos", conta ele, veio do livro Felicidade, de Eduardo Giannetti (Companhia das Letras, 2002). "É a história de um grupo de quatro amigos que se reúne para discutir filosofia e assuntos de interesse comum. É tão interessante essa conversa que eles formam um vínculo afetivo", explica. Almeida é o encarregado da escolha do título e da compra dos livros atividades que deve manter mesmo tendo saído da direção do Detran.
A escolha dos títulos é aleatória. Aliás, livros sobre trânsito estão proibidos. "O único pré-requisito é que eu já tenha lido", afirma. A participação na roda, logicamente, não é obrigatória e a leitura ocorre sempre fora do ambiente de trabalho. Tal como no livro de Giannetti, os encontros estreitaram os laços de amizade entre os participantes. "Fora do trabalho a gente se revela um pouco mais. As pessoas mostram como verdadeiramente são", explica Noely.
Palestras
A idéia evoluiu e resultou na abertura de uma biblioteca no Detran, além de debates com autores lidos pelo pessoal. Em fevereiro, o sociólogo Roberto Damatta veio a Curitiba especialmente para debater o seu livro Tocquevilleanas Notícias da América (Editora Rocco, 2005).
No fim de março, foi a vez do escritor Cristovão Tezza, catarinense radicado em Curitiba, que discutiu o seu O Fotógrafo (Rocco, 2004) com um seleto grupo de 25 pessoas nas Livrarias Curitiba do Parkshopping Barigüi. "A literatura tem que sair do gueto. Tem uma faixa da sociedade que ela ainda não atinge e iniciativas como essa são muito interessantes", comentou Tezza, acostumado a platéias acadêmicas. "O contato direto com o leitor é sempre bom e, nesse caso, é melhor ainda porque todos leram o livro", completou.
Clube do Livro
Iniciativas de estímulo à leitura estão se tornando comuns em outras instituições. Desde o início do ano, cerca de 90 funcionários do setor de raio X do Hospital Pequeno Príncipe participam do Clube do Livro, grupo inspirado no "Conversa entre Amigos" do Detran. Dois títulos já foram lidos e debatidos: A última grande lição, de Mitch Albom (Editora Sextante, 1998), e Eu, Malika Oufkir, prisioneira do rei, de Michele Fitoussi (Cia das Letras, 2000).
Dolores Bustelo, chefe do Centro de Imagem do hospital, explica que a mobilização em torno de uma atividade comum não é novidade no Pequeno Príncipe. Outro projeto desenvolvido desde o ano passado, chamado "Dividindo Conhecimentos", já faz sucesso entre os funcionários. "Criamos turmas de inglês e espanhol e aulas de bordado e ponto-cruz, onde os professores são os próprios funcionários", diz. De um encontro para discutir literatura surgiu até um livro de receitas. "Nossa intenção agora é expandir os projetos para outros setores do hospital", afirma. O hospital tem, ao todo, 1, 2 mil funcionários.