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Brasília – O legado das operações Têmis e Furacão, que varrem o Poder Judiciário há duas semanas, será romper de vez com a cultura da impunidade para os que estão no topo da pirâmide social do país. A avaliação é do presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Rodrigo Collaço. Para ele, alguns colegas realmente se acham "intocáveis". O juiz da 4.ª Vara Criminal de Santa Catarina considera os casos investigados pela Polícia Federal mais chocantes do que o normal por terem ocorrido justamente no Poder Judiciário. "É mais grave porque a honestidade e imparcialidade são essenciais para a função judicial", justifica. Segundo Collaço, que preside uma entidade que representa 14 mil juízes brasileiros, nenhum momento histórico foi tão ruim para a magistratura.

Gazeta do Povo – No que essa divulgação de casos de corrupção pode ajudar o Poder Judiciário?Rodrigo Collaço – O caso tem dois lados bem claros. Um lado que é dramático para a legitimidade e credibilidade do Poder Judiciário, que determina a prisão das pessoas, a perda de patrimônio das pessoas, e que não pode ter sobre si nenhuma suspeita de corrupção. E eu não tenho dúvida de que a população reage muito mal a essas informações. De outro lado, é a oportunidade de realçar que quando a gente vê a Polícia Federal cumprindo um mandado de busca e apreensão ou a prisão de alguém, é preciso lembrar que essas ações são sempre determinadas por um juiz. Isso demonstra que a corporação judiciária em geral não tolera corrupção, independentemente dos cargos que essas pessoas ocupam, e têm disposição de cortar na própria carne. Mesmo essa operação é comandada por um juiz do Supremo e por um juíza da 6.ª Vara Federal. É uma demonstração importante e acho que isso pode ajudar o Judiciário. Para que a população veja que queremos vencer a corrupção.

Em que pontos a corrupção no Judiciário é diferente da que ocorre em outros poderes?Ela é mais grave porque a honestidade e imparcialidade são essenciais para a função judicial. Se o cidadão tem contra si uma decisão que diminui o seu patrimônio ou uma ordem de prisão e não acreditar que ela é fruto da justiça, mas resvala de alguma forma na corrupção, o sistema como um todo perde legitimidade. Dos três poderes, o Judiciário é o que mais sofre quando está envolvido com a corrupção e por isso mesmo deve ser o que mais está disposto a combatê-la.

O trabalho da Polícia Federal tem aparecido muito nas operações Furacão e Têmis. Mas esses casos não poderiam ter sido resolvido pelas corregedorias do Judiciário?Em relação a alguns casos, acho difícil imaginar que a corregedoria, com os instrumentos que dispõe, pudesse fazer o trabalho que Polícia Federal está fazendo. Esse trabalho tem uma série de ações que são inovadoras até no âmbito policial, como escuta ambiente, busca e apreensão realizada por agentes especiais fora do horário de expediente. Evidentemente, as corregedorias não têm pessoal nem instrumentos para fazer isso. Para combater o crime organizado, só a polícia. O que nós temos de cobrar das corregedorias são conseqüências administrativas para a investigação da polícia. O que a corregedoria tem de fazer, e isso é um dever nosso, é que haja punição exemplar do ponto de vista administrativo para aqueles que sejam flagrados cometendo irregularidades.

Há muita discussão sobre o uso de escuta em investigações judiciais. O senhor é a favor?Existe a lei que autoriza e hoje, no princípio de criminalidade que enfrentamos, temos de colocar à disposição do Estado todos os meios que são usados pelas organizações criminosas. Não só a escuta, como a interceptação de dados eletrônicos, são aparatos necessários na guerra contra o crime. Sou favorável a todos os meios legais, que são permitidos pela Constituição.

O senhor teme a perda de credibilidade dos juízes?Não vai haver essa perda, porque a corporação vai demonstrar que não tolera corrupção. O saldo dessa operação vai demonstrar que a corrupção não é do Poder e que existem segmentos do Judiciário comprometidos com o fim da corrupção. A AMB tem recebido apoio por defender uma apuração exemplar, rigorosa, profunda e uma punição que sirva de exemplo a todos. Tanto do ponto de vista administrativo, com a exclusão dessas pessoas da magistratura, como do penal, com a imposição de penas severas. Para que ninguém chegue a duvidar do nosso compromisso com a ética, com a correção no exercício da atividade pública.

Antes das operações, havia uma espécie de consenso de que o juiz era intocável. O senhor concorda com isso? Os próprios juízes acreditavam que eram intocáveis?Essa operação rompe um valor cultural do Brasil. Não só o juiz, mas as pessoas que têm poder econômico e político no país sempre se julgaram acima da lei, acima da atividade policial. Isso é histórico. Tínhamos o senhor de engenho, cuja propriedade jamais poderia ser invadida pela polícia. O mesmo com o fazendeiro, que achava que não podia ser incomodado pelo Estado. Isso criou uma cultura de impunidade para quem está no topo da pirâmide social. Essa operação tem virtudes, que acho fundamentais, democráticas. Todas as pessoas, independentemente da função que ocupam, têm de estar sujeitas à investigação, têm de dar explicação. É o rompimento com a idéia de alguns juízes, não da maioria, e com a cultura da nossa sociedade.

O senhor vê algum caso similar a esse no país? Houve algo mais grave?Não vejo. Vamos imaginar o caso do ex-juiz Nicolau (dos Santos Neto – acusado de desviar R$ 169,5 milhões do Fórum Trabalhista de São Paulo). O de agora foi diferente porque o que tem de mais grave e que mais desperta a indignação da sociedade é que esses casos são relacionados à venda de sentenças. Atinge a razão de ser do Judiciário. Por isso há a indignação saudável de parte da sociedade e de parte da magistratura, repelindo esse tipo de prática.

O que os juízes podem fazer para reverter essa imagem?O que nós já temos feito. Primeiro demonstrar que a Polícia Federal tem feito grandes operações, mas que todas elas são feitas a mando de um juiz. Quando você vê policiais fazendo busca e apreensão, prisão de juízes, quem determinou isso foi o próprio Judiciário. Acho que o segundo ponto é que a corporação deixe bem claro o seu desejo de superar essa chaga, vencer a corrupção, para que o Poder Judiciário tenha respeitabilidade, porque na sua grande maioria é composto de pessoas sérias e honestas.

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