No tempo do antes, quando o Vampiro de Curitiba tinha na Rua Riachuelo seu banco de sangue, bem antes de a Rua São Francisco virar a queridinha da cidade, o escritor Manoel Carlos Karam fazia daquele reduto sua Universidade de Portas Abertas.

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Na Rua São Francisco, 50, reunia-se gente do teatro, gente da música, gente da pintura, gente do desenho, gente do jornal, projeto de gente, gente sem eira nem beira e com talento. Quando o jovem de Rio do Sul veio estudar em Curitiba, Manoel Carlos Karam recebeu de sua tia Tessália a casa montada. Com roupa de cama, panelas, talheres, piano e tudo.

A demolida mansarda da família Karam era uma república alternativa onde todos eram bem recebidos para desfrutar do que Manoel Carlos guardava com raro carinho: a coleção de discos de vinil, toda a sua biblioteca, gibis, ideias, críticas de cinema, o gibi da Mafalda; os livros de Cortázar, as peças de teatro inéditas do dono da casa e o que mais o jornalista gostava de passar pra frente. Lá, sempre de madrugada, as visitas esperavam a chegada de Luiz Antônio Karam, o irmão maestro da orquestra de Fafá de Belém, para que o músico tocasse ao piano Bridge Over Troubled Water.

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Os atuais cultores da Rua São Francisco não sabem, mas certa noite alguém abandonou um caminhão carregado de frutas bem na porta da casa da tia Tessália. Laranjas, melancias, abacaxis, todas as frutas da estação, o proprietário daquele pomar sumiu. Deve ter trocado o caminhão de frutas por uma frutinha qualquer na esquina da Rua Riachuelo. E, como ninguém veio reclamar daquele tesouro, passamos uma semana sem atravessar a rua para comer a salada de frutas com nata da Confeitaria Blumenau.

Sorte nossa que a Universidade de Portas Abertas ficava em frente à Rua São Francisco, 43, endereço onde a cozinheira Ilse Maiochi era uma jovem empregada quando a quituteira alemã Tecla Probst inaugurou a Confeitaria Blumenau. Sempre servindo delícias da gastronomia colonial, doces e salgados, depois de alguns anos dona Tecla passou a confeitaria para a senhora Ertha Weber, junto com os fiéis clientes e a sempre presente Ilse Maiochi, depois a dona da casa.

Eram senhoras ligadas entre si pelo esmero e pelas velhas receitas caseiras: apfelstrudel, cuque e folhados de banana, maçã e creme eram as delícias da tarde. A broa com queijo branco e salame de Blumenau não tinha igual. No almoço, tudo era uma delícia. Inclusive as louras e gentis garçonetes. A comida não valia quanto pesasse. Vinha num prato feito, uma mistura formidável, em porções generosas. O feijão era servido numa travessa à parte. Para beber, SOK: um suco de uva fabricado em Colombo, garrafinha das pequenas, bem pequenas. Na sobremesa, sagu com creme.

Meninos, nossa paixão pela Rua São Francisco tem a nossa idade: no número 43 alimentávamos o corpo, no número 50 fortalecíamos o espírito.

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