Muitas expressões que falamos hoje nasceram séculos atrás, com outra forma e outro sentido. A tradição oral se apropria das palavras e seu sentidos e promove adaptações conforme o contexto histórico. O professor de Língua Portuguesa Reinaldo Pimenta diz que a história das palavras é a história do próprio homem. “Elas nascem e atravessam idiomas, mudando quase sempre na forma – para se adaptarem à fala de um povo – e muitas vezes no conteúdo, revelando o olhar e o pensar dos novos usuários”, escreveu na apresentação do livro A Casa da Mãe Joana, uma coleção de origens curiosas de palavras e frases populares.
A professora de Língua Portuguesa do Colégio Marista Paranaense, Eliane Viture, explica que as expressões populares são criadas por meio do senso comum, da aplicação de conceitos religiosos, morais e filosóficos. “São expressões utilizadas no nosso cotidiano, vencendo a barreira do tempo. São parte da cultura de um povo, uma comunidade. Além de uma forma de comunicação, também enriquecem a língua, pois as palavras unidas possuem significados distintos dos vocábulos isolados.”
A Gazeta do Povo resgatou a história por trás de algumas das expressões mais comuns do linguajar coloquial brasileiro:
Abraço de tamanduá
Tamanduá tem origem no tupi (tá-monduá) e dá nome a um caçador de formigas. Mamífero e desdentado, o bichinho parece não representar grande perigo para ninguém. Ledo engano. Não é à toa que “abraço de tamanduá” ganhou o sentido de “abraço de amigo falso”. Quando o tamanduá avista um inimigo, ergue-se nas patas traseiras e abre as dianteiras para aquele abraço. Diante de recepção tão calorosa, o inimigo se aproxima. É aí que o tamanduá se revela: abraça a vítima e lhe crava as unhas nas costas.
Arranca-rabo
Atire a primeira pedra que nunca teve ou testemunhou um arranca-rabo na vida? Pois é, a expressão faz referência a uma grande discussão ou briga envolvendo muitas pessoas. A origem da expressão remonta às batalhas de muito antigamente, quando arrancar o rabo do cavalo do inimigo era visto como uma façanha digna dos maiores guerreiros. A mania chegou a Portugal e ao Brasil – aqui, os cangaceiros aderiram à prática e passaram a descaudar o gado das fazendas como forma de humilhar os proprietários.
Rodar a baiana
Quando alguém ameaça rodar a baiana, sai de perto: é confusão na certa. Mas e a baiana, o que tem a ver com gente armando barraco?
A expressão tem origem no carnaval do início do século 20, quando alguns engraçadinhos tinham a péssima mania de distribuir beliscões no bumbum das mulheres. As tradicionais baianas também eram vítimas do assédio. Revoltadas, passaram a desfilar com capoeiristas disfarçados, fantasiados tal qual uma baiana. Porém, ao receber um beliscão inapropriado, os capoeiristas revidavam com navalhas. Eis a cena: beliscão, giro da baiana, confusão.
O fim da picada
Picada é aquela faixa limpa de terra, entre a roça e o mato, para evitar que o fogo ateado no roçado não alcance o mato. O fim da picada é, portanto, um local perigoso para quem estiver ateando o fogo no roçado. Picada também é a trilha feita geralmente a facão para facilitar a passagem por meio da mata e marcar o caminho para a volta. Uma pessoa que desaparece em uma dessas trilhas é facilmente encontrada pois, em tese, basta seguir a picada. Mas, se se chega ao fim da picada sem encontrar o desaparecido, significa que algo muito grave aconteceu com a pessoa – do contrário, a picada continuaria. Assim, fim da picada serve para falar de situações ruins, absurdas.
Tirar o pai da forca
Todo mundo sabe que a criatura que vai tirar o pai da forca está apressada. A origem da expressão está em Santo Antônio, o casamenteiro. A história conta que Antônio fazia um sermão no convento de Arcella, onde vivia, quando soube que seu pai havia sido condenado à forca. Antônio então teria colocado a mão no rosto, transportado-se espiritualmente para Lisboa e defendido o pai no tribunal, conseguindo sua absolvição. Para quem ouvia seu sermão, no convento, passou apenas um instante de silêncio. Eles sequer poderiam desconfiar a manobra que Antônio acabara de fazer para salvar o pai.
Cheio de nove horas
Aposto que você conhece alguém “cheio de nove horas”. A expressão é utilizada para dizer daquela pessoa cheia de frescuras e manias. Mas e o que as manias alheias têm a ver com nove horas? O pesquisador Luís da Câmara Cascudo, no livro Locuções tradicionais do Brasil, explica que, no século 19, a marca das nove horas da noite era uma espécie de regulador da vida social brasileira. Quando o relógio marcava 21 horas, era hora de se despedir das visitas e convivas e se recolher. Estender-se não pegava bem. Aqueles avistados pelas ruas depois das nove horas eram associados à boemia, aos pândegos.
Uma pessoa cheia de nove horas é, portanto, aquela pessoa meticulosa, cerimoniosa, apreciadora de regras e restrições, afeita aos códigos sociais que muitas vezes apenas complicam o que é simples.
Onde Judas perdeu as botas
Embora não haja registro ou nem mesmo indícios nos relatos bíblicos de que Judas Iscariotes, o discípulo que delatou Cristo, usasse botas, uma antiga história popular dá conta de que o traidor escondeu a recompensa recebida por entregar Cristo aos judeus justamente em um par delas. Como até hoje ninguém conseguiu encontrar as botas recheadas de moedas, diz-se “onde Judas perdeu as botas” daqueles lugares longínquos ou quando nem promessa a São Longuinho ajuda a encontrar um objeto perdido.
Pensar na morte da bezerra
Outra expressão alterada pela tradição oral. A original dizia “Pensar na morte do Bezerra”, pois fazia menção à morte de um homem de nome Bezerra que, após ser acusado de um crime hediondo, teria sido espancado por populares até a morte. O episódio teria sido tão violento que quando alguém era flagrado com ar pensativo, dizia-se que estava “pensando na morte do Bezerra”. Hoje, a frase é evocada na mesma situação, mas agora o indivíduo pensativo, preocupado, está é pensando na morte da bezerra mesmo.
Sem eira, nem beira
Um sujeito sem eira nem beira é aquele sem dinheiro e sem juízo. Antigamente, “eira” designava um espaço de terra batida ou cimentada, próximo às casas, onde se limpavam e secavam frutos e cereais. Possuir uma eira significava ser proprietário e produtor, ou seja, possuir riquezas. Já “beira” é o nome dado à parte saliente do telhado que sobressai da parede e serve para proteger da chuva. Aqueles que possuíam eira e beira eram pessoas de posses, dinheiro e cultura. Quem não tinha eira nem beira eram aqueles menos abastados.
Espírito de porco
A expressão designa uma pessoa inconveniente, atrapalhada, incômoda. No Brasil Colônia, os escravos faziam todo tipo de trabalho, mas tinham verdadeiro pavor de abater porcos. A crença popular dizia que os espíritos suínos atormentavam seus algozes durante à noite.
Ir para a cucuia
Fala-se que o falecido “foi para a cucuia”. A expressão surgiu no Rio de Janeiro, em um bairro da Ilha do Governador chamado Cacuia. Quando algum morador da região falecia, os conhecidos diziam que a pessoa foi para o cemitério da Cacuia. A tradição oral transformou Cacuia em cucuia.
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