A fragilidade dos sistemas de controle de pagamento de auxílio a estudantes e pesquisadores permitiu que duas funcionárias da Universidade Federal do Paraná (UFPR) montassem um esquema que desviou ao menos R$ 7,3 milhões ao longo de quatro anos. Pessoas sem vínculo com a UFPR – não eram professores nem alunos e muitos não tinham nem curso superior – foram cadastrados como bolsistas recebendo até R$ R$ 30 mil em um único mês, valor maior que o pago aos mais renomados pesquisadores da instituição.
INFOGRÁFICOS: Como funcionava o esquema e quais foram os valores pagos
Família do Mato Grosso do Sul teria recebido R$ 1,8 milhão de esquema da UFPR
Leia a matéria completaO desvio começou pequeno, com poucos envolvidos e pagamentos módicos, e cresceu de forma a chegar a 30 pessoas, incluindo moradores de outros estados, que constavam como beneficiários de bolsas. O caso veio à tona nesta quarta-feira (15), quando a Polícia Federal deflagrou a Operação Research (pesquisa, em inglês), prendendo 29 pessoas que teriam relação com o esquema.
Os pagamentos suspeitos começaram em 2013, logo depois que Conceição Abadia de Abreu Mendonça assumiu um cargo de confiança, responsável pelo orçamento da pró-reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da UFPR. Ela contava com o suporte de Tânia Márcia Catapan, secretária do pró-reitor e que manuseava boa parte dos documentos que circulavam pelo setor. Repentinamente, uma série de pessoas ligadas às duas servidoras passaram a ser incluídas na lista de beneficiários de auxílios para estudantes e pesquisadores. Cabeleireira, artesã, motorista e vendedor estão entre as profissões dos supostos bolsistas. Os valores desviados são significativos: os R$ 7,3 milhões representam 6% de tudo o que foi destinado para auxílio a estudantes e pesquisadores no período (R$ 122 milhões, em quatro anos). Quando comparados só os valores aplicados em pesquisa, a proporção aumenta ainda mais: representa 28% do total da verba.
Os pagamentos escaparam a todas as formas de controle da UFPR. O fato de as pessoas não terem vínculo algum com a instituição não foi percebido. Os valores pagos acima do normal não foram detectados. Nem mesmo a ausência dos beneficiários dos mais altos valores de bolsas em bancos de dados de pesquisadores, como a plataforma Lattes, chamou a atenção. Mas os nomes constavam no Portal da Transparência do governo federal. A PF considerou a fraude “grosseira”, sem sofisticação.
A investigação ainda busca saber quem ficava com o dinheiro. Na tentativa de ressarcimento de recursos, houve pedido de apreensão de bens e bloqueio de contas, além de quebra de sigilo bancário. Há a suspeita, contudo, de que algumas das pessoas que constam na lista de beneficiários nem sequer sabiam que tinham sido envolvidas. A Gazeta do Povo conseguiu contato com mais da metade dos 29 investigados. Alguns afirmaram que fizeram pesquisas para UFPR, embora não conseguissem explicar que tipo de trabalho realizaram. Mas um outro grupo de pessoas garantiu jamais ter recebido qualquer valor da UFPR e que nunca foram pesquisadores ou estudantes da instituição.
Outro lado
O advogado de dez supostos bolsistas e da funcionária Tânia Márcia Catapan, Marlon Bizoni Furtado, afirmou que seus clientes foram “laranjas” na história. Segundo ele, essas pessoas assinaram procurações que acabaram sendo usadas para abrir contas e que a maioria sequer ficava com o cartão bancário dessas contas.
“Todas elas foram laranjas dessa situação. São pessoas humildes que receberam uma oportunidade para assinar procurações. Essas [procurações] efetivaram a abertura de algumas contas. Mas muitos deles nem sequer têm cartão da agência. Eles acabaram recebendo valores irrisórios para manter essa conta ativa, em alguns casos R$ 300”, disse Furtado.
O advogado conta que esses bolsistas citaram Conceição Abadia de Abreu Mendonça, chefe da Unidade de Orçamento e Finanças da PRPPG no período em que o esquema se desenvolveu, como o contato delas na universidade. “Mas eles acreditam que ela também foi usada”, argumentou. Sobre a ex-secretária administrativa do gabinete da pró-reitoria de pesquisa e pós-graduação da UFPR, o advogado afirmou que o envolvimento dela é um equívoco. “Alguns documentos se deterioraram durante a ocupação estudantil e foram jogados fora. Ela não tem nada a ver com isso.”
A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Conceição. Em nota e em entrevistas, representantes da Universidade Federal do Paraná destacaram que as funcionárias foram afastadas das funções para a investigação e que medidas foram tomadas para evitar que desvios como o verificado se repitam.
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