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O estado de São Paulo, que abriga a maior população carcerária do país, deve liberar um número recorde de detentos para a saída temporária de Natal. Aproximadamente 37 mil presos que cumprem regime semiaberto deverão ter acesso ao benefício, o que corresponde a quase 18% da população carcerária do estado, estimada em 208 mil presos.
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A expectativa é de que o chamado “saidão de Natal” – no qual os presos ficarão 12 dias fora do presídio, de 23 de dezembro a 3 de janeiro – supere a última concessão do benefício no estado, na qual 37,1 mil presos ficaram fora das unidades de detenção entre os dias 14 e 20 de novembro em razão do feriado da Proclamação da República.
Apesar de a Lei de Execução Penal autorizar até cinco saídas temporárias por ano, o período entre o Natal e o ano-novo será a quarta liberação de presos no estado paulista em 2021, já que o calendário foi modificado devido à pandemia da Covid-19.
No estado, são elegíveis para o saidão de Natal condenados por crimes de grande repercussão que costumam desfrutar do benefício com frequência, a exemplo de Alexandre Nardoni e Anna Jatobá, condenados pela morte da própria filha de cinco anos; Suzane von Richthofen, que planejou o assassinato dos pais; Gil Rugai, condenado pelo assassinato do pai e da madrasta; e Elize Matsunaga, que esquartejou o corpo do marido após matá-lo com um disparo de arma de fogo.
Altas taxas de presos que não retornam e crimes cometidos durante o saidão
O benefício dos “saidões” é concedido pela Justiça a presos em regime semiaberto que apresentem “comportamento adequado” e que tenham cumprido ao menos um sexto da pena, caso sejam primários, e um quarto se forem reincidentes. Para terem acesso, os presos devem fazer o pedido à Justiça, que poderá autorizar ou não. Antes de decidir cada caso, os juízes colhem a manifestação do Ministério Público e da administração penitenciária.
De acordo com fontes ouvidas pela Gazeta do Povo, os índices de presos que não retornam após serem beneficiados com as saídas e as taxas de cometimento de novos crimes durante o gozo do benefício fazem com que os saidões sejam frequentemente vistos com antipatia.
Na saída temporária de junho, em São Paulo, o narcotraficante conhecido como “Leo do Moinho”, principal liderança do Primeiro Comando da Capital (PCC) na Favela do Moinho, teve acesso ao saidão e não voltou ao presídio. Além do tráfico de entorpecentes, ele é responsável pela prática de roubos e homicídio, incluindo o assassinato de um socorrista que entrou na comunidade para fazer um atendimento.
O traficante, que havia sido preso em 2017 em uma megaoperação na Cracolândia com mais de 900 policiais, foi recapturado no dia 24 de novembro em um apartamento de luxo no litoral de São Paulo.
De acordo com levantamento da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) do estado, entre 2015 e 2019, 24,4 mil presos não voltaram às unidades prisionais após as saídas; média de 4,9 mil detentos ao ano. O número equivale a 4% do total de beneficiados no período.
Conforme levantamento nacional publicado em 2016 pelo G1, naquele ano a taxa de presos que não voltaram às detenções após o saidão de Natal foi de 4,66%. Enquanto o Rio de Janeiro apresentou o menor índice no período, o Ceará foi o que obteve números mais expressivos, contabilizando 27,7% de evasão.
Para Luiz Fernando Ramos Aguiar, major da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) e especialista em segurança pública, os critérios rasos para conceder o benefício são responsáveis pelo aumento da percepção de impunidade e da violência nas regiões em que há grande volume de liberações.
“Sabemos que sempre que há os saidões, nos dias seguintes há aumento no cometimento de crimes. Se juntar todas as saídas que os presos podem ter direito anualmente, eles podem chegar a ter 35 dias de ‘férias’ da cadeia por ano. É um incentivo à reincidência, um catalisador da impunidade”, prossegue Aguiar.
No Distrito Federal, onde o oficial atua, o último saidão, em novembro, contou com o maior índice de evasão dos últimos seis anos – 49 (2,5%) dos 1.979 detentos liberados temporariamente não retornaram.
Como exemplo de aumento de risco à população, o major da PMDF cita o criminoso Lázaro Barbosa, que invadiu propriedades rurais em Goiás e no Distrito Federal entre abril e junho deste ano e cometeu crimes como homicídio, estupro, sequestro e roubo. Mesmo com uma extensa ficha criminal, o rapaz foi beneficiado com a saída temporária em 2018 por ocasião da Páscoa e não retornou à prisão. Nas ruas, voltou ao cometimento de crimes, como o assassinato de quatro pessoas de uma mesma família.
“Ele foi liberado da cadeia uma série de vezes, inclusive havendo uma perícia psiquiátrica indicando que ele não deveria ser solto. Seu grande ponto de inflexão foi o dia em que ele foi colocado fora da cadeia pela porta da frente, porque ele viu que poderia fazer qualquer coisa que uma punição mais severa não viria”, diz Aguiar. “Os saidões e essas outras políticas de redução e progressão precoce da pena acabam criando no criminoso uma sensação de impunidade, de que vale a pena cometer o crime”.
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Mudanças na lei dos saidões
Derivada do pacote anticrime, uma mudança na Lei de Execução Penal em vigor desde 2020 estabeleceu que presos condenados por crimes hediondos com morte não têm mais direito ao saidão. Aqueles que obtiveram o direito antes da alteração na lei, como são os casos de Suzane von Richthofen e Elize Matsunaga, não perderam o benefício.
Para Mauro Fonseca Andrade, professor de Direito Processual Penal e promotor de Justiça do Rio Grande do Sul, o endurecimento na legislação, com a inclusão de outros requisitos para viabilizar o benefício, é um caminho para reduzir os prejuízos da medida.
“Essas saídas de pessoas que praticaram crimes violentos, alguns deles com grande repercussão midiática, chamam muito a atenção da população. Mas hoje objetivamente há essa previsão legal para toda pessoa que cumpre prisão em regime semiaberto”, afirma o promotor. “As ocorrências de novos crimes cometidos durante o benefício e as taxas de presos que não retornam mostram que se deve tornar isso mais rígido. Um bom caminho seria uma mudança no sentido de retirar o benefício de condenados por crimes violentos, crimes hediondos – todos, não só aqueles com resultado de morte – e crimes de cunho associativo, ou seja, integrantes de organizações criminosas e pessoas que se associaram para a prática do tráfico de drogas, por exemplo”.