Vídeo| Foto: Reprodução / Paraná TV

Nessa temporada de discussões sobre o metrô, propaganda da Linha Verde em todos os cantos e uma rua em obras sempre perto de você – ouça um bom conselho: pegue um ônibus. A dica vale para quem já é íntimo do vermelhão, afinal, não é todo mundo que conhece, de ponta a ponta, a mais famosa, polêmica e conturbada linha de transporte urbano de Curitiba: a Norte–Sul.

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A viagem do Terminal Santa Cândida ao Terminal Pinheirinho tem 20 quilômetros. Dura uma hora num meio de tarde e até 1h40 – com sorte – naqueles horários em que quem mora na periferia se sente no dia do Juízo Final. O percurso tem lances divertidos para quem está a passeio. E enervantes para quem faz todo dia sempre igual.

Partir do Santa Cândida é uma boa pedida. Em comparação ao Pinheirinho, é como estar numa cidade de interior. A depender da hora, dá para ouvir as moscas e puxar um dedo de prosa com o povo que espera alimentadores para os municípios vizinhos, como Colombo. É conversa das boas, principalmente para concluir que nem o metrô, nem a Linha Verde, parecem empolgar a população. O que se pede é mais ônibus, mais limpeza no terminal, melhores banheiros e uma solução urgente para o excesso de movimento nas primeiras horas da manhã e nas últimas da tarde. Sempre sobra um elogio para o sistema integrado. E fim de papo. Não é preciso nem chamar o IBGE para conferir os dados.

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"O metrô ia ajudar no tempo, mas não no bolso", opina a atendente Cleonice Alves Vieira, 39 anos, moradora de Campo Pequeno, em Colombo. Ela demora uma hora por dia para chegar ao Centro. "Cansa", garante, mas nada que a tenha feito se interessar pelo metrô, o que chama de conversa fiada e no que é apoiada pela colega Célia Terezinha dos Santos, 48 anos, auxiliar de serviços gerais. "Para falar bem a verdade, nem sabia dessa história de metrô", diz Célia. O problema, para ela, é só um: "A gente vive socado."

Aperto

A reclamação é carne de vaca. A cozinheira Maria Helena de Oliveira, 60, já se machucou com o impacto da passagem do biarticulado numa lombada. Todo mundo aumenta um ponto. Menos a balconista Inês Gomes Ribeiro, 45. Ela arrumou um jeito de se livrar da prensa diária no vermelhão: fica esperando, no terminal, a hora do aperto passar. "Se não, me irrito. Eu ficaria duas horas dentro do carro", comenta a moradora do Conjunto Pirineus, no Pinheirinho, uma típica conhecedora de todo o percurso Norte–Sul.

A irritação de Inês só não atinge quem usa os préstimos do terminal vez-em-quando. É o caso do padeiro José Carlos da Costa, 53 anos, morador do Pilarzinho. Ele trabalha em casa – e pode se dar ao luxo de ser só elogios ao sistema de transporte de Curitiba. "É fantástico. O melhor do Brasil", diz, logo depois de votar com um sonoro "não" à idéia do metrô. Contrariando as pesquisas, ali, no corpo-a-corpo, a idéia dificilmente empolga. Mesmo com toda a informação repassada pelos meios de comunicação, o que se ouve sem parar é que o solo de Curitiba – famosa por seus banhados de outrora – não suportaria uma escavação, mesmo que com mínima profundidade. Melhor não discordar.

Dentro do biarticulado, e em plena canaleta, a conversa muda de rumo. Principalmente depois do Terminal do Cabral, onde a tranqüilidade oceânica da Avenida Paraná vira um pandemônio semelhante ao das maiores cidades do mundo. O trânsito é lento e o desconforto do ônibus se agrava: tem o balancê da articulação. Se chover – piora. Se chover muito, reze. Dali em diante, a lotação só aumenta. E tem de caber.

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Sufoco

No Passeio Público – multidão. Uma boa alternativa é tentar ouvir a conversa alheia para se distrair. Mas no máximo se ouve um "pare guria". Estação Convention Center – lotação completa. Luciane Aparecida Santos, 30 anos, a filha Maria Luíza, de 1,6 meses e a mãe de Luciane, Luzinetti Gomes, 61, sentam no revestimento da roda. Elas vão para Campo Largo e só têm uma declaração a dar. "O sistema está assim há muito tempo. Não é de hoje esse sufoco."

A essa altura da viagem, o ônibus já parou em 20 estações, fora os sinaleiros. A doméstica Edna Matos faz seu ônibus cross com conhecimento de causa. "Enfrento esse sufoco de segunda a sexta-feira", avisa, inaugurando, em seguida, a campanha "metrô, já!". Mas não encontra simpatizantes.

O vendedor clandestino de cocada não quer conversa – desce antes da hora, inclusive. O vendedor de redes Carlos Linhares, 29 anos, paraibano, fala para quem quiser ouvir. Sai da Vila Maria Angélica, "que fica depois da BR", às 6 h da madruga. Todo dia. Só consegue embarcar no Terminal Pinheirinho às 8 horas. Como já é fim de tarde, ele ainda vai demorar muito a chegar em casa. Sua história, pelo que tudo indica, é a história da maioria – e uma maioria em fila. No Terminal do Pinheirinho tem mais filas que na ex-URSS. Merecia um estudo.

Fora esperar, só comprar. A operadora de Telemarketing Reginalda Leite, 45 anos, escolhe verduras no Armazém da Família. São 18 horas. Doze horas atrás ela já estava ali – a Linha Sul é quase sua segunda casa. Ela sai cedinho da Vila Santa Rita, no Tatuquara, pára no meio do caminho, rumo ao Boqueirão, e de lá para São José dos Pinhais, onde trabalha. O pior trecho é perto da PUC – avisa –, onde a tal da Linha Verde deve diminuir as duas horas por dia – 10 por semana – 40 por mês... Melhor deixe – que Reginalda é uma mulher em trânsito.

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