Prédio da Santa Casa passa por restauração.| Foto: Brunno Covello/Gazeta do Povo

Fazia somente quatro dias que o imperador Dom Pedro II estava na então Província do Paraná. Após passar por Paranaguá e Antonina, a comitiva imperial chegou a Curitiba no dia 21 de maio de 1880. O foguetório correu solto para recepcionar o imperador. No dia seguinte, a empolgação em torno de Dom Pedro II continuou e ele foi o convidado mais importante no evento inaugural do prédio da Santa Casa de Misericórdia, que completou 135 anos de existência nesta sexta-feira (22). Foi o primeiro hospital de grande porte edificado em Curitiba.

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Detalhe da fachada da Santa Casa.
Vitral pintado por Poty Lazzarotto em 1992.
Imagem da sala restaurada com todos os detalhes da mesma característica da época. Em 1880, o espaço era usado como sala administrativa.
Detalhe de um dos pisos originais mantidos no prédio.
Gravura de Doutor Murici, um dos idealizadores da Santa Casa no hall de entrada do espaço. Na época de inauguração, as escadas eram de madeiras. O granito foi colocado na década de 20.
O que aparentava ser um armário revelou-se um antigo elevador.
Detalhe do sistema de polia do elevador, que era puxado por cordas.
Detalhe do maquinário do relógio da torre da Santa Casa. Equipamento foi fabricado na Alemanha em 1877.
O relógio foi instalado em 1877, antes mesmo das obras serem concluídas.
Imagem do sótão do prédio, que passou por restauração.
Ata de inauguração da Santa Casa.. No detalhe, assinatura de Dom Pedro II.
Detalhe do teto original da capela, local onde foi rezada a missa na inauguração do Hospital de Caridade.
Detalhes mantidos originais da capela
Visão panorâmica da capela. Na época de inauguração, espaço ficou lotado. Entre as figuras ilustres, estava presente o imperador Dom Pedro II.
Imagem do prédio da Santa Casa em 1906.
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A capela para a missa que marcou o primeiro dia do então Hospital de Caridade estava lotada. A solução foi o povo se aglomerar do lado de fora . Estima-se que perto de duas mil pessoas tomaram a frente do hospital para presenciar esse dia histórico. Foram 12 anos para que terminasse a construção iniciada em 1868. A construção do então Hospital da Caridade foi decisiva para a urbanização do chamado Campo do Olho d’Água, local que era inabitado e hoje é a Praça Rui Barbosa, no centro de Curitiba.

Santa Casa foi o primeiro hospital de grande porte de Curitiba. 
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A ideia do hospital da Santa Casa partiu do médico José Cândido da Silva Murici. Segundo Carlos Ravazzani, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, o ‘doutor’ Murici foi o responsável por bancar financeiramente a obra. “Mas ele não viveu para ver o prédio concluído. Morreu um ano antes”, conta Ravazzani. Para não deixar o prédio inacabado, coube ao genro de Murici, que também era médico, Antonio Carlos Pires de Carvalho e Albuquerque, assumir as rédeas e finalizar as obras.

Pioneiras

As primeiras Santas Casas foram instituídas em nosso país, logo após o descobrimento: Olinda-PE (1539), São Vicente (Santos), em 1543, Salvador, em 1549 e São Paulo, em 1599. No Paraná, a primeira Santa Casa instituída foi a de Paranaguá, em 1835.

Durante o evento de inauguração, além de Dom Pedro II outras 161 pessoas assinaram a ata histórica que marcou o primeiro dia de funcionamento Hospital da Caridade.“Foi o prédio mais importante para a história do Paraná durante muitos anos”, constata o pesquisador, também médico.

CURIOSIDADES

Confira alguns episódios históricos da Santa Casa:

Doação do terreno

A doação do terreno para a construção do prédio foi feita pela Câmara Municipal. O documento cedia o terreno “por trás da Rua da Entrada (Emiliano Perneta) entre as casas de Dona Carlota Franco e Antônio de Paula na extensão de 400 palmos de frente e os fundos correspondentes, fazendo frente a um largo”.

Cesárea de anã

A Santa Casa, que na época era chamada de Hospital da Caridade, foi o primeiro hospital a fazer cesariana no Paraná. O fato ocorreu em 31 de outubro de 1907 e virou notícia no extinto jornal “A República”. Segundo o jornal, a paciente que se submeteu ao procedimento era uma anã chamada Maria Legat. “A operação correu sem incidentes, sendo extraída uma criança viva do sexo feminino, que se acha viva”, escreveu o periódico na época. No Brasil, a primeira operação cesariana é creditada à José Correia Picanço, barão de Goiana, tendo sido realizada em Pernambuco no ano de 1822.

Leitos

Embora a própria história oficial da Santa Casa relate que o hospital foi inaugurado com 160 leitos, o pesquisador Carlos Ravazzani afirma que esse número é irreal. Baseado nos relatos históricos do próprio doutor Murici, Ravazzani diz que o espaço, na data de sua inauguração, “poderia suportar 58 leitos”. No começo dos anos 1890, segundo ele, o hospital atendia por ano 400 pessoas e possuía quatro médicos. “No começo tinha somente um médico”, conta. Atualmente, a instituição realiza uma média anual de 1,1 mil internamentos e 3,4 mil de prontos atendimentos.

Princesa Isabel

Em 3 de dezembro de 1884, o Hospital da Caridade recebeu as visitas da Princesa Isabel e do marido Conde D’Eu. Hoje uma das alas do hospital leva justamente o nome da princesa. As autoridades imperiais foram recepcionadas na época pelo provedor Antonio Carlos Pires de Carvalho e Albuquerque.

Irmandade

Embora o prédio que abriga a Santa Casa atualmente tenha sido inaugurado em 1880, o pesquisador Carlos Ravazzan explica que a Irmandade da Santa Casa já existia desde 9 de junho de 1852. “Era uma entidade que atendia primordialmente os pobres”, diz. Ele relata que a primeira sede foi edificada em 1855, na Rua 13 de Maio. No local, onde atuava o doutor Murici, funcionou uma espécie de pequeno hospital.

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Quando se deu a inauguração do espaço, o edifício contava com o hall de entrada, onde também ficava a sala de administração, quatro enfermarias, farmácia, cozinha, necrotério e a capela. “Ainda não tinha uma sala cirúrgica. Faziam-se pequenos procedimentos nas próprias enfermarias”, comenta Ravazzani. Ele relata que as principais ampliações aconteceram em 1909 e 1924. “Depois foram realizados outros ‘puxadinhos’ menores”, diz.

Pioneira

Não bastava ser o primeiro hospital de grande porte na então capital provincial. A Santa Casa foi também pioneira no ensino médico no Paraná. Antes da fundação da então Universidade do Paraná, em 1912, a Santa Casa já funcionava como Centro de Aperfeiçoamento para os médicos do Paraná e de Santa Catarina. De acordo com Ravazzani, o curso de medicina começou a funcionar na Universidade em 1914 e dois anos depois, a Santa Casa franqueou suas enfermarias para o ensino prático aos alunos, situação que permaneceu até 1961, quando o Hospital de Clínicas foi inaugurado.

Mas a missão de ensinar não havia encerrado. A cooperação e atuação conjunta entre o Hospital da Santa Casa de Curitiba, a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Católica e a Escola de Enfermagem Madre Léonie iniciaram-se em 1957. A partir dessa data, a Santa Casa acolheu, e continua acolhendo, os estudantes da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

Obras restauradas foram concluídas

No dia da comemoração dos 135 da Santa Casa, celebrado nesta sexta-feira (22), uma solenidade reinaugurou a parte histórica do prédio, considerada uma Unidade de Interesse de Preservação (UIP) pela prefeitura de Curitiba. As obras duraram cerca de sete anos e o resultado foi um trabalho que manteve as características originais do local e revelou ao público peças inéditas na história da cidade.

O arquiteto Cláudio Maiolino, responsável pelo projeto de restauração e professor da PUCPR, conta que foi realizada uma profunda pesquisa para manter as características originais do prédio. Para recuperar, por exemplo, a pintura autêntica da capela foram utilizadas técnicas com bisturi raspando camada por camada para encontrar traços do desenho original. O piso e o telhando também mantiveram todas as características originais.

“A mesma técnica foi feita em todas as paredes, mas como é um processo muito caro, fizemos em alguns trechos para dar a dimensão de como era a pintura original”, conta. O investimento total do restauro foi de aproximadamente R$ 6 milhões, captados mediante Lei Rouanet.

Surpresas

Ele conta que durante os trabalhos desenvolvidos no prédio, algumas surpresas foram encontradas. O que era para ser um armário, por exemplo, descobriu-se ser um elevador do século 19. Todo de madeira, o equipamento era puxado por um sistema de cordas e polias. “O elevador era usado para transportar macas e pacientes de um andar para outro em uma época sem energia elétrica”, relata.

Outra curiosidade foi a reforma do sótão, onde está localizado o maquinário do relógio situado na torre da Santa Casa. “O sótão era usado para as irmãs que atuavam aqui dormir”, diz. Hoje o espaço está vazio e não há ainda previsão para que será utilizado. O relógio, por sinal, está inativo, mas deve voltar a funcionar em breve. O maquinário de 1877, fabricado na Alemanha, foi instalado com as obras ainda em andamento no dia 12 de maio do mesmo ano.

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