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DIA DE FINADOS

"Santos" populares atraem milhares de fiéis em todo Paraná

Ana Júlia agredece à Maria Bueno por suposta cura | GIULIANO GOMES/GAZETA DO POVO
Ana Júlia agredece à Maria Bueno por suposta cura (Foto: GIULIANO GOMES/GAZETA DO POVO)
Devota deixa flores em homenagem a Maria Polenta |

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Devota deixa flores em homenagem a Maria Polenta

A família de Aurora Marchiori Leite, de 53 anos, não vai ao Cemitério Municipal de Curitiba no Dia de Finados apenas para visitar o túmulo dos entes queridos. Ela também pretende prestar homenagem à Maria Bueno, sua "santa" de devoção. "Tenho muita fé nela, consegui muitas dádivas", afirma. Assim como dona Aurora, cerca de cem mil pessoas devem passar pelos cemitérios da capital no domingo (2). Somente o túmulo de Maria Bueno deve receber aproximadamente três mil visitas. Os mortos "milagreiros", como são conhecidos pelos devotos, atraem fiéis em todo o estado.

A capela que foi construída sobre a sepultura de Maria Bueno está forrada de placas de agradecimento, velas, fotos e bilhetinhos com vários pedidos. Os fiéis que a visitam recebem até uma fitinha para colocar no pulso, como a de Nossa Senhora Aparecida. Na tarde de quinta-feira (30), dona Aurora e família visitaram o túmulo de Maria Bueno de Curitiba, para agradecer mais uma dádiva: "Minha neta tinha um problema sério de sangramento no nariz. Pedimos a benção dela e ela nos atendeu".

Maria Bueno, a "santa" paranaense mais conhecida, já foi tema de peças teatrais, livros, estudos e recentemente sua vida foi representada no Revista RPC. Ela nasceu em Morretes, litoral paranaense, em 1864. "Em Curitiba trabalhou como doméstica. Era uma pessoa simples e alegre, que estava a frente do seu tempo, pois ao contrário da maioria das mulheres da época, sabia ler e escrever, e não se submetia aos homens", conta o vice-presidente da Irmandade Maria da Conceição Bueno, Marciel Colonetti.

A beleza dela teria atraído um policial chamado Diniz, mas ela o preteriu, pois era noiva. "O policial armou uma armadilha, mandando-lhe um bilhete em nome do seu namorado. Marcou um encontro, e no local tentou estuprá-la, mas ela não deixou. Isso fez com que o policial a degolasse", conta Colonetti. Outros relatos, porém, indicam que Maria Bueno foi namorada de Diniz, e este, por ciúmes, a matou. Maria Bueno teria sido encontrada de joelhos em uma rua, onde atualmente é a Avenida Vicente Machado. No local, segundo a crença, cresceram rosas vermelhas.

"Geralmente são pessoas de boa índole, que tiveram uma morte trágica, seja por assassinato, ou alguma doença. É como um mártir. A diferença entre eles e os santos oficiais é que estes últimos sacrificaram a sua vida pela religião, o que não acontece, necessariamente, com os santos populares", explica a professora de História das Religiões da Universidade Estadual de Maringá, Solange Ramos de Andrade.

A grande dificuldade é remontar suas histórias. "Existem dois relatos: aquele contado por historiadores, através de estudos, e o dos fiéis, que devido ao processo de mitificação, acabam modificando a vida da pessoa", ressalta o professor de História das Religiões e Religiosidades da Universidade Estadual de Londrina, Marco Antônio Neves Soares.

Para Solange, é difícil julgar até que ponto existe fantasias em torno desses nomes. "Relato de pessoas que receberam dádivas desses santos não faltam. Acreditar é uma questão de fé pessoal".

A curandeira

Maria Bueno é um exemplo de santo popular, que existem em quase todas as cidades e não são reconhecidos pela Igreja Católica, mas têm fama de milagreiros e atraem milhares de fiéis. Além dela, outras personagens são cultuadas no Paraná, como a Maria Polenta, em Curitiba, Corina Portugal, em Ponta Grossa, o menino José Oswaldo, em Londrina, e Clodimar Pedrosa, em Maringá, entre outros.

Maria Polenta (Maria Trevisan Tortato) viveu entre 1888 e 1959. Segundo Lucia Grochou, que é sua admiradora, Maria era uma senhora pobre, que ajudava as pessoas através de seus "poderes" de cura. "A história mais divulgada fala sobre um jogador do Coritiba que procurou a curandeira, pois estava com problemas no joelho. Ela teria pedido que o atleta a pagasse antes da consulta e depois que recebesse a cura. Após melhorar, o jogador não cumpriu o combinado e, no dia seguinte, não conseguia mais jogar", conta.

Outros relatos dizem que Maria Polenta não cobrava por seus serviços, e ajudava muito os pobres. "São histórias que os fiéis criam com o passar do tempo. Até hoje não existe um estudo que esclareça a sua trajetória", diz a professora de História das Religiões, Vera Irene Jurkevics. Apesar disso, centenas visitam o seu túmulo, no cemitério Água Verde, em busca de cura para males de saúde.

Fé no interior

José Oswaldo Schieti nasceu em 1941, em Londrina. Segundo o professor Soares, era uma criança alegre e arteira. "Fizemos alguns trabalhos na UEL sobre a sua vida, e de acordo com o relato de familiares, o menino adoeceu, agonizou por alguns meses e morreu, sem nenhuma explicação", diz.A funcionária da Administração dos Cemitérios e Serviços Funerários de Londrina, Débora Zanutto, trabalha há 31 anos no local e conta outra versão. "No dia da sua 1ª comunhão, o menino caiu de um caminhão e morreu. No livro de inumações consta fratura na têmpora, como causa da morte", relata.

Logo após o enterro, no Cemitério São Pedro, o túmulo do menino começou a jorrar água. De acordo com Débora, a mina cessou há cerca de 10 anos. Mesmo assim, as visitas são diárias, e as velas tomam a calçada ao lado de sua sepultura no Dia de Finados.

Outro santo popular é Clodimar Pedrosa Lô. De origem humilde teria sido morto brutalmente pela polícia após uma falsa acusação de um cliente do hotel no qual trabalhava. "O dono do hotel chamou a polícia. Eles o levaram para delegacia, onde o estupraram e espancaram até a morte. Houve revolta na cidade, e os policiais tiveram que fugir para não serem linchados. Alguns meses depois o pai de Clodimar matou o dono do hotel", conta a historiadora Solange.

Desde morte, em 1967, o túmulo do menino é o mais visitado no Dia de Finados no Cemitério Municipal de Maringá, e as placas de agradecimento aos milagres amontoam-se junto às velas.

Violência doméstica

Há quase 140 anos, o túmulo de Corina Portugal é o mais visitado do Cemitério São José, em Ponta Grossa. Segundo o advogado, Josué Correa Fernandes, autor do livro "História de Sangue & Luz – Tragédia de Corina Portugal", a bela moça carioca, que chegou aos 18 anos na cidade, em 1867, teve a vida marcada pela violência e o alcoolismo do marido.

"Ele chegava em casa bêbado e batia nela. Fez com que ela perdesse um filho, após lhe dar um chute na barriga", conta Fernandes. Certa noite, após uma discussão, o marido, Alfredo Campos, lhe matou com 32 facadas. Para se defender, disse que cometeu o assassinato para lavar a sua honra, pois ela o traia com João Dória, deputado na época. Campos foi absolvido pela Justiça, e Dória teve que fugir para Curitiba. Ele só conseguiu provar sua inocência quando publicou em jornais, as cartas que Corina enviava à família, relatando tudo que vivia. Hoje, Corina é a "santa" das mulheres que sofrem violência doméstica. "Mas ao redor de seu túmulo você encontra bilhetes com pedidos diversos", explica Fernandes.

Sem reconhecimento da Igreja

Apesar de arrastarem milhares de fiéis, os santos populares dificilmente são oficializados pela Igreja Católica. "A canonização de um santo, no Vaticano, é um processo muito parecido com o jurídico. É necessário ter provas concretas, geralmente ligadas à cura, em casos de doenças repentinas e irreversíveis. Uma comissão científica avalia se não houve intervenção médica. É um processo extremamente caro e rigoroso", explica a professora de História das Religiões da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), Vera Irene Jurkevics. "O candidato também não pode ter vestígios de mácula em sua trajetória de vida. Tem que ser puro, por isso, geralmente, são ligados às instituições religiosas".

No entanto, a fé nos santos populares continua, assim como os relatos de milagre. "Eu tinha dores de dente insuportáveis. Após tomar um chá de rosas da Maria Bueno, nunca mais senti nada. A minha fé nos seus poderes não depende da Igreja", ressalta dona Aurora.

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