É de mês em mês que um dado desanimador cresce no Brasil: a quantidade de crianças e adolescentes vivendo em abrigos, após o afastamento do convívio familiar. Em maio do ano passado, quando os dados passaram a ser inspecionados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), eram 30,5 mil. Em agosto de 2011 somavam 33 mil casos e atualmente são 37.240 meninos e meninas que estão sem família.
O aumento pode ser consequência de ações mais efetivas de conselhos tutelares, como a intervenção de casos por maus tratos. Mas o fato é que ativistas na área de adoção esperavam que dois fatores fossem capazes de forçar a diminuição dos números. Um deles é a criação da Lei Nacional de Adoção, de 2009, que limita em dois anos o período de permanência em abrigos; o outro é o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), criado em 2008.
Estima-se que, quando não havia acompanhamento constante dos casos de abrigamento, aproximadamente 80 mil crianças e adolescentes viviam em instituições no Brasil. O número nos dias atuais teria caído a menos da metade, contudo, por outra triste realidade: as meninas e os meninos atingiram 18 anos e tiveram de deixar os abrigos, sem terem ganhado novos pais. O Paraná ocupa a quinta posição no ranking de números de abrigados, com 2.943 em 131 casas de acolhida.
Aumenta também os registros de crianças e adolescentes aptos à adoção. Eram 4.427 em março de 2011 e são 5.049 atualmente 14% a mais. O acréscimo até pode ser considerado positivo, porque em mais casos de abrigamento a Justiça agiu, concluindo o complicado processo de destituição do poder familiar e permitindo que se começasse a procura por novos lares para eles.
Estrutura
Para a ONG Recriar, que auxilia pessoas interessadas em adotar, a falta de estrutura suficiente acarreta numa angustiante demora, tanto para as crianças e jovens quanto para os candidatos a pais. Um levantamento em Curitiba apontou que a habilitação de pretendentes a adotar demora cerca de um ano e, depois, são em média mais dois anos de expectativa para quem quer adotar grupos de irmãos; três anos para a adoção de uma criança acima de seis anos e cerca de cinco anos para a adoção de um bebê de até um ano de idade.
A juíza Maria Lúcia de Paula Espíndola, da 2ª Vara da Infância e da Juventude de Curitiba, discorda do cenário apresentado pela ONG. A juíza assegura que o processo de habilitação em que os pretendentes a pais cumprem as exigências judiciais, como apresentar documentos e participar de cursos e entrevistas leva em torno de oito meses. "Esse período é essencial para que haja um amadurecimento da decisão de adotar e da percepção do que representa assumir a criança. Às vezes, a família chega aqui querendo um bebê, mas com o passar do tempo entende que o que considerava essencial não é mais", diz. Ela também garante que, se um casal quer adotar um grupo de irmãos, o processo leva menos de um ano.
Casal conseguiu adotar porque buscou sozinho
O casal Sandra Mara e José Henrique Volpi tinha tudo para concluir o processo de adoção rapidamente. Juntos há 17 anos, os dois psicólogos, que não faziam exigências quanto a gênero, idade e pré-existência de doenças, aceitavam também adotar irmãos. Contudo, mesmo depois de concluído o processo de habilitação, eles não foram incluídos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). "Descobrimos que o nosso processo estava parado no cartório há uns seis meses", conta Sandra Mara. Em setembro de 2009, ela e o marido iniciaram o processo de adoção. Seis meses depois estavam aptos. Mas nada do telefonema que tanto esperavam do Judiciário.
Foi quando foram informados sobre um casal de irmãos, de 8 e 4 anos, em Santa Catarina, que estava no cadastro para adoção. Rafael e Angélica estavam prestes a serem encaminhados a algum país estrangeiro por causa da suposta falta de interessados no Brasil.
A questão é que, para adotar o casal de irmãos, José Henrique e Sandra Mara deveriam estar no CNA, mas não estavam. "Só ficamos sabendo do caso em Santa Catarina porque uma amiga que sabia da nossa procura nos informou", relata Sandra. O contato aconteceu em maio de 2010. O CNA foi criado em 2009 justamente para vencer as barreiras geográficas dentro do próprio país.
A psicóloga conhece outros casos de famílias paranaenses que recorreram ao sistema de Santa Catarina porque não aguentaram esperar o desenrolar do processo por aqui. "É muita expectativa. É um tempo doloroso demais. E também é ruim para a criança que está em um abrigo esperando uma família. A demora não deveria ser maior do que um ano", acredita. Agora, felizes com os dois filhos, Sandra defende a chamada adoção tardia. "Foi muito mais fácil lidar com crianças que tinham consciência de que estavam sendo adotadas. Costumamos dizer que foi uma adoção mútua. Elas também nos adotaram", resume.