Um esquema em que veículos circulando em São Paulo são licenciados de forma irregular no Paraná, com declaração falsa de endereço, está sendo investigado pelo serviço de inteligência da Secretaria de Estado da Fazenda paulista. A secretaria apurou que pelo menos 250 proprietários paulistas registraram veículos em quatro endereços de escritórios de despachantes em Curitiba e Londrina, de dezembro de 2005 a março de 2006, e as estimativas apontam que o número de veículos na frota paulista licenciados irregularmente no Paraná pode chegar a 200 mil.
Em São Paulo, o esquema serve para fraudar o pagamento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). A alíquota no estado vizinho é de 4%, enquanto no Paraná é de 2,5%. O imposto incide sobre o valor de venda dos veículos movidos a gasolina. Em um exemplo real, tirado das investigações, um Porsche de R$ 2 milhões paga IPVA de R$ 80 mil em São Paulo, contra R$ 50 mil no Paraná. A guerra fiscal entre os dois estados cria outras situações ainda mais atraentes. A alíquota das locadoras de veículos que licenciam seus automóveis movidos a gasolina no Paraná é de apenas 1%.
Segundo Antônio Carlos de Moura Campos, diretor-adjunto da administração tributária no estado de São Paulo, a maioria dos carros licenciados irregularmente é de alto valor, mas pagar menos IPVA não é o único atrativo para empresários e profissionais liberais. "Esse Porsche pertence a um empresário gaúcho que mora em São Paulo. Com a placa do Paraná, ele pode andar em alta velocidade nas rodovias, como a Castelo Branco, e a multa do radar jamais vai chegar a Curitiba", diz. Essa é outra das conveniências da farsa de registrar veículos no Paraná e colocá-los para circular em São Paulo: o motorista escapa do rodízio na capital paulista e, como São Paulo não tem convênio com o cadastro nacional de infrações de trânsito, as multas aplicadas lá não chegam ao Departamento Estadual de Trânsito do Paraná (Detran/PR).
Na prática, nada impede que os veículos circulem em São Paulo, mas a situação cria problemas administrativos, cíveis e criminais. Quem se envolve nas fraudes comete os crimes de declaração falsa de endereço e sonegação tributária. O proprietário ainda fica sujeito a multa de trânsito no valor de R$ 191,94 e perda de sete pontos na carteira de habilitação, fora o incômodo de responder a inquérito policial. Em São Paulo, a confirmação da fraude leva à cobrança do IPVA do estado, correção monetária e multa, que pode chegar a 5% do valor venal do veículo.
Campos estima ainda que São Paulo perdeu cerca de R$ 300 milhões com o esquema nos últimos cinco anos. "Vinte e dois mil veículos foram transferidos para o Paraná em quatro meses, de dezembro de 2005 a março de 2006. Começamos a perceber isso porque há nas nossas ruas um número absurdo de veículos com placas de Curitiba e Londrina", afirma. A investigação começou em Marília e Presidente Prudente e as primeiras fraudes foram constatadas após cruzar dados cadastrais de donos de veículos que declararam domicílio em Curitiba, mas moram, votam, têm conta bancária e negócios em São Paulo. A única coisa que os liga ao Paraná é o endereço do despachante, por fraude.
Os dados levantados pela secretaria estão sendo enviados ao Detran/SP. O governo de São Paulo divulgou o nome de três dos quatro despachantes suspeitos de participação nas fraudes. Eles foram procurados pela reportagem, mas apenas Ismael Amorin foi localizado. Ele diz que é comum a venda de placas para proprietários de outros estados porque algumas pessoas buscam as iniciais de seus nomes (no Paraná as placas costumam começar com a letra A) e números específicos. "Há muitos carros circulando em São Paulo com placas de Minas Gerais, por exemplo, e também do Paraná", conta.
Amorin confirma ter cedido seu endereço para alguns amigos economizarem o IPVA em São Paulo. "Fiz isso para ajudá-los, não para fraudar o fisco", completa. De acordo com a Secretaria de Estado da Fazenda de São Paulo, 120 veículos foram registrados nos três endereços de Amorin, mas o despachante não confirma o número.