Secretários de segurança pública de todos os estados brasileiros e do Distrito Federal decidiram, em reunião realizada na última quinta-feira (2), que as abordagens policiais preventivas continuarão sendo realizadas pelas polícias estaduais mesmo após decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que endureceu regras para buscas pessoais sob a justificativa de combater o preconceito e o “racismo estrutural”. Para os representantes dos governos estaduais presentes na 82ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp), que ocorreu em Manaus (AM), haveria graves consequências ao se restringir as abordagens policiais.
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Na decisão recente, os ministros do STJ entenderam que a chamada busca pessoal – prática popularmente conhecida como “abordagem”, “revista”, “geral”, entre outros – feita por agentes de segurança é ilegal, caso seja realizada sob a alegação de atitude suspeita ou mesmo a partir de denúncias anônimas.
Para o STJ, a fundada suspeita – item previsto no Código Processo Penal (CPP) para determinar a possibilidade da busca pessoal sem mandado judicial – só se concretiza se os policiais comprovarem, de forma “descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto”, que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou outros objetos que constituam corpo de delito. Em termos práticos, além de inviabilizar as abordagens, a medida abriria caminho para que cidadãos flagrados com objetos comprovadamente ilícitos em abordagens policiais questionem a forma como a busca se deu e tentem anular as denúncias contra eles.
Na avaliação do Consesp, entretanto, não houve restrição legal às abordagens por parte do STJ, e a decisão do tribunal não tem amplitude geral, isto é, vale apenas no contexto do caso específico julgado pelo órgão.
“Nós respeitamos a decisão do STJ; o Conselho não se opõe ao Judiciário. Mas houve a análise de um caso concreto, um caso específico de uma abordagem que aconteceu na Bahia. Por isso, a decisão não tem o poder de limitar que as abordagens sejam realizadas quando houver fundada suspeita”, afirma Júlio Danilo Souza Ferreira, presidente do Consesp e secretário de segurança pública do Distrito Federal.
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O caso específico ao qual Ferreira se refere é o objeto do julgamento do STJ na referida decisão. Trata-se de um homem denunciado pelo Ministério Público da Bahia por tráfico de drogas. O rapaz foi abordado por policiais ao circular em uma motocicleta durante a madrugada com uma mochila nas costas e com atitude considerada suspeita pelos agentes de segurança. Após a busca, os policiais encontraram em sua mochila 72 porções de cocaína, 50 de maconha e uma balança digital.
A defesa do homem, preso em flagrante por tráfico de drogas, recorreu da condenação em primeira instância. Ao avaliar o caso, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) decidiu manter a condenação. Em novo recurso, a questão chegou ao Superior Tribunal de Justiça. O STJ, por outro lado, apontou que a busca pessoal foi irregular porque os policiais não descreveram precisamente o que havia motivado a suspeita. Como efeito, o tribunal de Brasília decidiu trancar o processo e considerou ilegítimas as provas coletadas na abordagem.
Secretários relatam preocupação com efeitos da decisão do STJ
Na reunião dos secretários de segurança pública, o Conselho também decidiu pela elaboração de um documento a ser encaminhado a todos os estados e ao DF reforçando a manutenção das abordagens – o texto está em etapa de finalização e o envio deve ocorrer até sexta-feira (10). A ideia é que os secretários utilizem dessas diretrizes para levar a discussão ao Judiciário e ao Ministério Público dos estados, além das próprias corporações de polícias, para afastar o risco de enfraquecimento da atuação preventiva das forças de segurança.
Para o secretário de segurança pública do Acre, coronel Paulo Cézar Rocha dos Santos, a decisão do STJ tem sido assunto constante em todas as corporações policiais do país e se trata de um “desestímulo à utilização de uma ferramenta que é premente à prevenção de delitos, sem a qual não há prevenção”.
Na avaliação do secretário de segurança pública da Bahia, Ricardo Mandarino, a consequência de a polícia deixar de fazer a abordagem de suspeitos é o comprometimento da segurança nos estados. “O que cabe à polícia é observar as regras do art. 5 da Constituição, respeitando os direitos e as garantias individuais, com abordagens educadas e sem abuso, tendo sempre em conta o respeito à dignidade da pessoa humana", afirma. O secretário reforça que a decisão do tribunal não tem efeito vinculante, o que não impede as polícias de fazer as abordagens.
Limitar abordagens policiais é grave risco, diz presidente do Consesp
Conforme explica o presidente do Consesp, a decisão dos secretários de reforçar a importância das abordagens policiais foi unânime na reunião, uma vez que se trata de um procedimento padrão da atuação das polícias preventivas. “Diante do que preconiza o Código de Processo Penal, não entendemos que haja abuso no sentido de que, existindo a fundada suspeita de que a pessoa esteja portando um objetivo ilícito ou esteja numa situação flagrancial, de forma preventiva deve haver a abordagem da polícia”, pontua Ferreira.
“O Conselho também foi unânime no sentido de que as polícias são preparadas para que essas abordagens não firam os direitos humanos. Havendo a necessidade da busca pessoal, ela deve continuar sim, porque é um procedimento previsto em lei”, destaca.
Para ele, limitar a atuação preventiva da polícia por meio das abordagens, ou até de mesmo causar insegurança no efetivo quanto à prática, traria consequências diversas à sociedade ao impedir a prevenção da conduta criminosa. Ferreira aponta ainda o aumento da circulação de drogas e armas como consequência de uma eventual redução nas abordagens.
“Sabemos que há regiões em que existe maior cometimento de crimes, em que criminosos andam armados, portam e traficam drogas. E o trabalho ordinário da polícia preventiva é este: havendo suspeita, ele tem que fazer a averiguação para ver se há o cometimento de crime, que pode ser porte ilegal de armas de fogo, porte de drogas, porte de arma branca ou objeto que possa ser usado para o cometimento de um crime”, explica o presidente do Consesp. “Esse trabalho é fundamental. Limitá-lo seria um grave risco à segurança pública”, ressalta.
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