Brasília Até um ano antes da eleição de 2010, Lula passará por uma tentação irresistível para quase todos os presidentes brasileiros posteriores à ditadura militar (1964-1985). O petista tem a chance de desafiar o histórico dos antecessores e não interferir legalmente para ficar mais tempo no poder. Na semana passada, o Palácio do Planalto comandou a "operação desmentido" para ofuscar a polêmica sobre um terceiro mandato. Especialistas, porém, acreditam que o tema seguirá em pauta.
Sobram lições a Lula de como estender a permanência em Bra-sília. O hoje senador José Sarney (PMDB-MA) assumiu o mandato presidencial em 1985, deveria ficar quatro anos, mas conseguiu emendar mais um. Isso graças a manobras políticas no Congresso Na-cional, já que a Constituição de 1988 referendou o mandato de quatro anos.
Antes dos escândalos que provocaram o impeachment, Fernando Collor de Melo começou a articular a mudança do sistema presidencialista para o parlamentarismo. No início de 1992, o então ministro da Saúde e da Criança, Alceni Guerra, foi o responsável pelas negociações. "Ele queria ser o primeiro presidente parlamentarista", diz o hoje deputado federal pelo Paraná.
Emenda
Collor caiu e foi sucedido por Itamar Franco, o único que não tentou qualquer artimanha talvez por falta de tempo, já que ficou só dois anos no poder (1993-1995). Mais rápido foi Fernando Henrique Cardoso, que assumiu em 1995 e demorou apenas dois anos para aprovar a emenda constitucional que permitiu a reeleição. A manobra foi a mais polêmica do período e há suspeita de compra de votos no Congresso para a sua aprovação.
O cientista político Francisco Fonseca, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, qualifica a votação da reeleição, em 1997, como um "golpe branco". "Houve um terrorismo de que sem o segundo mandato para o Fernando Henrique o Plano Real não daria certo", explica. "Da maneira como foi conduzido, transformou-se em algo que perturba o sistema político brasileiro até hoje."
Na última terça-feira, Lula concedeu entrevista no Palácio do Planalto negando outra vez ser a favor do terceiro mandato. No mesmo dia, dez partidos políticos de situação e oposição assinaram um manifesto contrário à iniciativa (PT, PSDB, PMDB, DEM, PSDB, PSB, PC do B, PP, PPS e PTC). As iniciativas foram desencadeadas principalmente por uma reportagem do jornal El País, o maior da Espanha, que demonstrava o clima pró-terceiro mandato no Brasil, insinuando a existência de campanhas subliminares sobre o assunto.
O cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília, aponta que o tema segue vivo e tende a esquentar. "O terceiro mandato é um balão de ensaio provocado pelo desespero de alguns petistas que sabem não ter nome para a sucessão do Lula. O balão esvaziou momentaneamente, mas voltará a ficar cheio em 2009, após as eleições municipais."
Fleischer e Fonseca concordam que, apesar do interesse de setores do PT, será muito difícil aprovar uma emenda constitucional que permita mais uma reeleição. Segundo eles, Fernando Henrique só conseguiu o feito em 1997 porque tinha ampla maioria no Congresso. Agora, dificilmente o Senado, onde a divisão de cadeiras é parelha, permitiria a alteração.
Baixo clero
Outro cientista político, Ricardo Costa, professor da Universidade Federal do Paraná, acredita que a discussão está restrita ao "baixo clero" do PT na Câmara dos Deputados. Um dos principais defensores de um terceiro mandato é o deputado federal Devanir Ribeiro (PT-SP), amigo de Lula na época de dirigente sindical. "Ele é inexpressivo, por enquanto não há indícios suficientes de que a idéia envolve gente de peso no partido."