Para prefeitura, novo templo "não existe"
No alto e nas laterais do prédio centenário da Leão Júnior, no bairro Rebouças, em Curitiba, banners mostram uma imagem do novo templo da Igreja Universal do Reino de Deus, a Iurd. Mas não se sabe como será. O projeto ainda é uma incógnita foi visto por técnicos do Ippuc e da Fundação Cultural, mas o desenho se encontrava em fase de transição. Está previsto subsolo gigantesco, heliponto, torres em alturas diferentes, anfiteatro e uma cobertura para as autoridades eclesiásticas.
A cúpula da Universal tem por princípio não dar entrevistas como frisou sua assessoria de imprensa à Gazeta do Povo. Informações seguras sobre o novo templo serão publicadas em um site, ainda em construção e sem data para entrar na rede. A Secretaria Municipal de Urbanismo informa que apenas o alvará de demolição da Leão Júnior foi expedido, mas não o de construção do templo, o que indica que o projeto está em análise.
Grandiosidade
A contar pelas outras construções da Iurd no Brasil, o quarteirão do Rebouças será ocupado por uma espécie de "arquitetura de franquia". Os edifícios religiosos da instituição seguem um mesmo padrão: estrutura simples, porém monumental, com acabamento em material nobre, como mármore, e detalhes que lembram castelos dos contos de fada.
O ecletismo de culto da Iurd corrente neopentecostal que mescla elementos do protestantismo, catolicismo, crendices populares e cultos afros se reflete nas construções, como se pode comprovar nos bancos de imagens da rede.
O supervisor do Ippuc, Ricardo Antônio Bindo, informa que a prefeitura não pode fazer quaisquer apreciações de juízo estético, por serem subjetivas, apenas dá orientações de caráter técnico, como recuo e altura. E que o projeto do novo templo da Universal, para o poder público, sequer existe. "Só o conhecemos extraoficialmente. Pode ter sido mudado", frisa.
É justamente a estética grandiloquente da Iurd o que mais assusta profissionais do urbanismo. Como vai se instalar em uma quadra inteira com folga a melhor de todo o bairro tudo indica que a igreja vai ser uma atração em Curitiba, para o bem ou para o mal.
Vale lembrar que a arquitetura e arte pública kitsch se transformaram numa marca da cidade que ficou famosa pelo Calçadão da XV quando ali havia o ousado equipamento urbano "roxo" de Abrão Assad. Depois vieram a Estátua da Liberdade da Havan, o David do Café Maria hoje desaparecido e a Travessa da Lapa, pelo conjunto da obra. A aposta é que a nova obra da esquina da Getúlio Vargas com a João Negrão vá se somar nessa lista imodesta.
Teve início nesta semana a demolição da sede histórica da Matte Leão S.A, indústria que ocupava mais de um quarteirão na altura das avenidas Getúlio Vargas com João Negrão, no bairro Rebouças, em Curitiba. O terreno de 16,3 mil metros quadrados foi vendido pela família Leão para a Igreja Universal do Reino de Deus, no início de 2010. O valor estimado da transação foi de R$ 32 milhões. No local será construída uma nova Catedral da Fé a exemplo da erguida pela instituição na Avenida Sete de Setembro.Desde seu fim anunciado, a derrubada da fábrica causa impressão entre arquitetos, historiadores e ex-funcionários da "Leão Júnior". Para os experts em gestão de patrimônio, a liberação das picaretas vai na contramão das políticas mundiais de preservação da memória fabril, impulsionadas com o crescimento das cidades, diminuição de grandes áreas e ameaças contínuas de especulação imobiliária.
O espaço símbolo de "reciclagem" no Brasil é o Sesc Pompeia, em São Paulo, endereço operário transformado pela arquiteta Lina Bo Bardi em um dos entrepostos culturais da capital. A Matte Leão não teve a mesma sorte, à revelia de ter sido criada em 1901 e do lugar que ocupa no imaginário paranaense. Foi graças ao ciclo da erva-mate que o estado conheceu a pujança econômica e cultural no século 20, do qual os Leão eram símbolos incontestes.
O superintendente estadual do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, José La Pastina, lembra dos atentados em série à memória fabril em Curitiba, do qual o episódio Matte Leão, reconhece, é um dos mais lastimáveis. Ele cita o desaparecimento das fábricas de massas, como a Todeschini; e as de móveis, como a Cimo. E se confessa pouco otimista. "Eu diria que a proteção fabril estagnou." A seu ver, uma saída seria manter uma parte das fábricas antigas funcionando, de forma subsidiada e artesanal, a exemplo da que ainda produz o uísque Jack Daniels, nos EUA.
Culpa de quem?
O não reconhecimento da Matte como patrimônio é demanda da fragilidade das políticas de preservação no município. Em vez de tombamento, o Ippuc aplica "alertas" na documentação de imóveis importantes ou os cadastra como "unidades de interesse", as UIPs. Prédios dessa categoria podem ser alterados, o que não acontece nos tombamentos, desde que com acompanhamento.
É uma prática moderna. Na última década, porém, o Ippuc reduziu o poder de fogo e se tornou mais econômico na escolha de novas unidades hoje perto de 700. Boa notícia, apenas, é o Iphan ter ganhado a custódia da paisagem ferroviária local o que é uma garantia e dois editais de pesquisa, um fabril e outro ferroviário, lançados pela Fundação Cultural.
Mas não foi o bastante. A venda da Matte Leão para a Coca-Cola e a transferência da empresa para Fazenda Rio Grande deixou o prédio centenário desprotegido. Ao ser vendido para a Universal, não era unidade de preservação, o que apressou seu destino.
A demolição, por ironia, frustra um projeto da própria prefeitura, pondo à mostra uma contradição do poder público. No início dos anos 2000, a Fundação Cultural (FCC) se mudou para um antigo moinho da Rua Piquiri, como modo de dar impulso ao SoHo Rebouças projeto de revitalização da área. Incluir a Matte fazia parte dos planos.
Em meio aos impasses, a FCC se manifestou contra a demolição e avalizou o valor arquitetônico de pelo menos parte do prédio, com o qual a igreja poderia conviver sem penitência. Além da fachada da Getúlio Vargas, o historiador Marcelo Sutil, da FCC, destaca os trilhos de trem internos, as estruturas de madeira e os telhados entre outros elementos passíveis de preservação. O parecer levou o Ippuc a carimbar um alerta na papelada ano passado, mas já era tarde.
O supervisor de Planejamento do Ippuc, Ricardo Antônio Bindo, admite que a decisão sobre o destino da Matte Leão "mexeu com os nervos" de seu gabinete. Mas que se trata de um impasse antigo, sobre o qual teve de fazer uma escolha de Minerva. Desde a década de 1970, com a criação da CIC e transferência de muitas empresas do Rebouças para lá, a prefeitura passou a ver no bairro operário um ponto estratégico para o desenvolvimento do Centro.
Ao pagar R$ 7 milhões a mais do que o avaliado, a Universal ficou com o terreno e com o poder de demolir a fábrica. É o que está fazendo. Incluindo a única parte que o Ippuc recomendou preservar dois sobrados adendos, na esquina da Piquiri, com influência da arquitetura art déco. A igreja poderia usar dos benefícios dados a quem preserva. Até onde se sabe, dispensou a esmola.
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