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“Me apresentei voluntariamente à Polícia Federal (PF) de Brasília porque sabia da minha conduta como cidadão que não compactua com atos antidemocráticos”, relata o ex-policial militar Marco Alexandre Machado de Araújo em carta enviada à família. Ele segue na prisão por participar dos atos do 8 de janeiro, há um ano e meio, mesmo sem denúncia do Ministério Público (MP) ou provas de ter cometido algum crime.
“Estou preso por algo que não fiz e não apoio, pagando um preço alto que está custando minha vida”, escreveu, em referência aos problemas de saúde mental que têm enfrentado no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. “Perdi tudo! Só não quero perder a fé em Deus de que haverá justiça”, continuou o morador de Uberlândia, Minas Gerais, que está a 420 quilômetros da esposa e das quatro filhas, a mais nova de apenas nove meses.
“Perdi tudo! Só não quero perder a fé em Deus de que haverá justiça”
Marco Alexandre Machado de Araújo, em carta enviada à família
De acordo com o advogado de defesa Geovane Veras, o que existe contra o ex-policial é um inquérito com fotos dele dentro do Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 8/1, sem individualização de conduta.
“O Marco Alexandre estava lá ajudando a Polícia Legislativa a evitar danos ao patrimônio público, e as filmagens mostrariam isso”, explica o advogado, pontuando que solicitou as imagens, mas não foi atendido. “Só apresentam fotos, e em nenhuma ele aparece quebrando alguma coisa”, pontua.
A defesa já pediu três vezes a liberdade provisória com tornozeleira eletrônica para o mineiro, mas todas as solicitações foram negadas. “Queremos apenas que a lei seja cumprida”, enfatiza Veras.
Toda pessoa tem direito a ser julgada dentro de prazo razoável, afirma jurista
Procurado pela Gazeta do Povo, o jurista Gauthama Fornaciari, advogado e professor de direito penal, explica que o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF) estabelece prazo de 60 dias para que a autoridade policial investigue inquéritos que tramitam no STF. Depois, o oferecimento de denúncia ou arquivamento deve ocorrer em 15 dias, que podem ser prorrogados, conforme os artigos 230-C e 231 do RISTF.
Sem oferecimento de denúncia dentro do prazo, Fornaciari aponta que o preso deveria ser liberado, com ou sem medidas cautelares diversas da prisão, como prevê o artigo 319 do Código de Processo Penal.
“Isso, inclusive, estaria em conformidade com o artigo 7.5 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, incorporado ao direito interno em 1992”, diz o jurista, citando que, de acordo com esse documento, toda pessoa “tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade”, sem prejuízo ao processo.
Ele afirma ainda que um ano e meio de prisão na fase de inquérito, sem oferecimento de denúncia, indicaria “fragilidade nos elementos de materialidade e autoria” dos crimes, já que a denúncia formalizada pelo MP precisa conter provas concretas dos fatos para avaliação do juiz.
“Lembrando que o artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP), incluído pelo Pacote Anticrime, em 2019, prevê ainda a revisão periódica das prisões preventivas a cada 90 dias”, continua.
Processo deveria ter sido revisado seis vezes; família aponta abusos
O advogado Geovane Veras informa, no entanto, que a decisão referente ao mineiro Marco Alexandre nunca foi revista e que as condições em que é mantido na prisão são desumanas. “Ele ficou transtornado lá dentro”, afirma, ao explicar que o homem de 54 anos chegou a ser transferido para ala psiquiátrica e recebeu diagnóstico de esquizofrenia, sem realização de exames que comprovassem essa condição.
“O que sabemos é que está nervoso por conviver com presos comuns, longe da sua família e da filhinha que nasceu recentemente”, diz. “Ele queria ao menos trabalhar lá dentro, mas também não teve essa oportunidade”, completa o advogado.
Segundo a mãe Iara Célia Machado, de 81 anos, o filho nunca apresentou indícios de esquizofrenia e começou a enfrentar sofrimento mental após ser preso. “O Marco está irreconhecível, irreconhecível”, afirma a idosa, ao falar da última visita que fez à prisão. “Custei para ver que era ele no meio daquele povo, porque está magrinho, magrinho. Emagreceu uns 40 quilos”, lamenta.
Segundo ela, o filho está debilitado fisicamente e muito triste. “Só para ter o momento de visita, por exemplo, ele precisa tirar toda a roupa. Onde já se viu isso?”, questiona dona Iara. “Um inocente passando por isso?”, continua, ao afirmar que o filho é um homem cristão, bastante ligado à família e patriota.
Seape/DF afirma seguir “a legislação vigente”
Em nota, a Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape/DF) informa que presos como Marco Alexandre, em regime provisório, ficam em unidade penal específica, o Centro de Detenção Provisória (CDP), onde 40% dos custodiados têm acesso a atividades educativas ou de trabalho.
A secretaria também esclarece que o tratamento oferecido a todos os presos “segue o que determina a legislação vigente” e que medidas de segurança como as revistas realizadas antes das visitas seguem “protocolos rigorosamente estabelecidos”. O objetivo é “garantir a ordem e a segurança no ambiente prisional, preservando a dignidade das pessoas em situação de privação de liberdade”.
A Gazeta do Povo tentou contato com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDH), Ministério Público Federal (MPF) e Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando posicionamento sobre o caso, mas não recebeu retorno. O espaço segue aberto.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) também foram procurados, mas preferiram não se manifestar.
Marco Alexandre não acompanhou a gravidez da esposa e o nascimento da filha
Enquanto Marco Alexandre permanece preso sem denúncia que mostre o crime pelo qual é acusado, sua companheira Juliane relata que toda a família está sofrendo com a situação e que sonho do casal se transformou em pesadelo. “Eu tinha perdido um bebê há cinco anos e estávamos tentando engravidar novamente”, conta a administradora, que viu o marido ser preso logo no início da gestação.
“Minha gravidez foi de risco e enfrentei tudo sozinha, acreditando que o Marco voltaria para casa”, relata a mulher, que não teve a presença do companheiro nas consultas, no nascimento da pequena Lyz e nem nos primeiros meses de desenvolvimento da filha.
De acordo com a mulher, o marido só viu a bebê duas vezes até hoje e, na primeira vez, “não tinha forças nem para segurar a filha no colo”. Além disso, as visitas são raras, já que os familiares moram em Uberlândia (MG), e o ex-policial está preso no Distrito Federal (DF).
Em carta enviada aos familiares, que a Gazeta do Povo teve acesso, Marco Alexandre afirma que a filha caçula “ainda não conheceu o calor do abraço paterno com dignidade” e isso lhe traz “imensa carga de sofrimento”. O ex-policial militar também envia um recado às filhas Tábata, Gabrielle e Marina, que são maiores de idade, mas sempre foram muito próximas dele.
“Papai pode ter ficado ausente, mas sempre as amei e amo muito. Tremulei a bandeira do país por todos vocês. Fiz com amor”, escreveu.
Família realiza campanha de cartas para Marco Alexandre e outros presos do 8/1
Segundo uma das filhas, ler livros e receber cartas são ações que têm mantido a lucidez do pai. Por isso, ela convida voluntários a também escreverem e enviarem correspondências no endereço do presídio. “Lembrando que as cartas são lidas antes pelos policiais, mas depois são entregues ao meu pai e servem de remédio para ele”. O endereço completo segue abaixo:
Complexo penitenciário da Papuda, CDP 2, Fazenda Papuda, Brasília/DF
Marco Alexandre Machado de Araújo
Prontuário: 172.150
Bloco 01 - Ala C3
São Sebastião - DF
CEP: 71686-670
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