Sem dinheiro para obras, alguns prefeitos recém-empossados têm usado vassoura, água e sabão não só para limpar as ruas, mas também para mostrar trabalho à população. Tática adotada por Rafael Greca (PMN) em Curitiba, mas também por Iris Rezende (PMDB) em Goiânia, Evaldo Nogueira (PCdoB) em Aracaju, e, principalmente, em São Paulo, onde João Doria (PSDB) chegou a se vestir de gari no primeiro dia de trabalho.
Na noite desta terça-feira (31), Greca participou pessoalmente da lavagem do calçadão da Rua XV de Novembro, no Centro, serviço que não vinha sendo feito pela gestão Gustavo Fruet (PDT). “Tem merda humana no calçadão, incrustada. Isso dá doença. Está sujo e vamos limpar”, justificou o prefeito. No dia anterior à limpeza, entretanto, Greca reuniu a imprensa para anunciar a dívida do município: R$ 1,27 bilhão. “Talvez eu não seja tão exuberante quanto fui na outra vez em obras públicas, mas os serviços serão assegurados à população”, admitiu o prefeito em relação ao rombo no caixa, fazendo comparação com sua primeira gestão na prefeitura, entre 1993 e 1996.
Novo visual? Veja fotos do calçadão da XV antes e depois da lavagem
Leia a matéria completaAntes de limpar o calçadão da XV, Greca já havia determinado a roçada do mato nos bairros e a lavagem dos chafarizes das praças Osório e Santos Andrade, além do Mocinhas da Cidade (na esquina da Rua Cruz Machado com a Alameda Cabral, no Centro). Na mesma semana, as 58 plataformas de ônibus da Rodoferroviária também foram lavadas – serviço que não era feito há um ano. A lavagem da XV e da Rodoferroviária entrarão na agenda da limpeza pública a cada 15 dias.
Em São Paulo, o programa Cidade Linda implantado por Doria gera polêmicas. Além de posar para as lentes de fotógrafos e câmeras com o uniforme de gari, o novo prefeito paulistano entrou em rota de guerra contra pichadores e grafiteiros. Mandou apagar os grafites da Avenida 23 de Maio, de aproximadamente 5,4 km de extensão, incluindo pintura do renomado grafiteiro Eduardo Kobra, que tem obras internacionais e foi convidado pela prefeitura do Rio a criar uma imagem no Boulevard Olímpico, na Praça Mauá, para a Olimpíada Rio-2016. Além disso, o prefeito de São Paulo pretende aprovar na Câmara de Vereadores o aumento de R$ 767,53 para R$ 5 mil da multa para pichadores. Doria também quer fazer dos taxistas seus aliados para denunciar os pichadores.
“Ao lado dos garis e vestido como eles, vamos dar uma demonstração clara de limpeza, de polidez, de melhorar a qualidade de nossa cidade eliminando pichações, limpando as bocas de lobo, as calçadas, enfim, fazendo a zeladoria da cidade”, discursou Doria vestido de gari, após dar poucas varridas no chão no dia 2 de janeiro.
Já o prefeito Iris Rezende tem uma meta nada modesta para Goiânia: transformá-la “na cidade mais limpa do Brasil”. “Para que obtenhamos esse título, é preciso nos unir”, apela o ex-ministro dos governos Sarney e FHC. Para tentar limpar as ruas da capital goiana, principalmente para combater o mosquito da dengue, Resende vai recorrer a uma tática nada original, a qual implantou na primeira vez que governou a cidade, ainda nos anos 60: o mutirão popular.
O prefeito de Aracaju, por sua vez, também traçou um plano ousado: limpar a cidade nos 30 primeiros dias de sua gestão. “A gestão anterior se encerrou deixando a cidade cheia de lixo”, reclamou Edvaldo Nogueira (PCdoB). O programa “Agora Aracaju vai ficar limpa” está percorrendo os bairros da capital sergipana para eliminar pontos clandestinos de descarte de resíduos e entulhos.
Obrigação e marketing
Manter o serviço de limpeza é não só uma obrigação do poder público, mas também uma necessidade. “Com a cidade limpa, evita-se uma série de problemas para a população, como enchentes e a transmissão de doenças”, explica o engenheiro ambiental Luiz Guilherme Grein Vieira, especialista em resíduos sólidos e vice-presidente da Associação Paranaense de Engenheiros Ambientais (Apeam).
Além das fezes citadas por Greca na calçada, que podem transmitir doenças como diarreia, Vieira afirma que o lixo na rua, como o acúmulo de papeis, por exemplo, pode entupir as galerias pluviais, causando enchentes, e poluir os rios. Já a varredura das ruas limpa os restos de alimentos do chão que podem atrair animais vetores de doenças, como ratos, baratas e pombos. Mesma coisa no caso de terrenos baldios com mato alto. Por isso, aponta o engenheiro ambiental, não só o poder público, mas também o próprio cidadão tem de assumir sua responsabilidade na limpeza da cidade. “É um papel de todos, até porque a limpeza pública impacta na qualidade de vida de todos nós”, reforçou.
Mesmo assim, a limpeza pública vem sendo usada pelos novos prefeitos como forma de dar visibilidade ao seu trabalho, aponta o cientista político e especialista em opinião pública Fernando Azevedo, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). “Na impossibilidade de ter uma ação mais estruturada por falta de recursos, esses prefeitos estão optando pela limpeza pública, que tem um impacto visível muito grande, justamente por ser executado em áreas onde há grande circulação de pessoas”, avaliou Azevedo.
“É uma ação quase epidérmica, já que educação, saúde e transporte público, por exemplo, exigem não só recurso, mas também planejamento. Já lavar calçadas, atacar pichadores, roçar terreno baldio não demanda muito investimento, tem visibilidade e ainda serve para comparar com o trabalho da gestão anterior”, afirmou o cientista político.
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