A Vigilância Sanitária de Curitiba considera os distritos que ainda tinham carceragem sem condições de manter seres humanos. É o caso do 9º DP, destinado a mulheres infratoras| Foto: Rodolfo Bührer/Gazeta do Povo

De 7,4 mil novas vagas, só 98 são para mulheres

Foz do Iguaçu - Das 7.474 vagas abertas no sistema prisional do Paraná desde 2003, apenas 98 foram destinadas às mulheres, todas em um único estabelecimento penal: o Centro Feminino Semi-Aberto do Atuba, em Curitiba. O volume representa 1,3% da capacidade total das 11 unidades inauguradas nos últimos seis anos. Ainda dentro dos planos de expansão do governo do estado, entre os cinco projetos com conclusão prevista até 2010 está a construção de uma Penitenciária Estadual Feminina, em Foz do Iguaçu, no Oeste do estado.

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Precariedade

Os principais argumentos dos Distritos Policiais de Curitiba para não terem presos são os seguintes:

1) celas distantes do plantão policial;

2) fácil arrebatamento de presos, em razão da maneira como foram construídos os DPs;

3) proximidade com locais de grande fluxo de pessoas;

4) não têm chuveiros;

5) não há iluminação adequada;

6) permite a disseminação de doenças entre os presos por não ter ambulatórios ou profissionais da saúde;

7) poucos policiais lotados nos distritos;

8) falta de área para os presos tomarem banho de sol ou receberem visitas;

9) falta de um circuito interno de câmeras.

Confira uma amostragem da capacidade das delegacias e quantos presos havia em datas recentes

A falta de vagas no sistema carcerário forçou o governo estadual a voltar atrás na política de erradicar presos nos distritos policiais (DPs). A decisão foi anunciada em mensagem de e-mail recebida pelos 13 delegados dos DPs da capital no dia 9 deste mês, que traz a ordem sem rodeios: "Reativar todas as unidades carcerárias da DPCAP [Divisão Policial da Capital]". A resolução faz com que a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp) contrarie determinações da Justiça, Vigilância Sanitária e Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Policiais, que passam a exercer a função de carcereiro em infra-estruturas precárias, reagiram com indignação.

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"Cada um que se vire com seus presos", foi o entendimento de três funcionários da Sesp que tiveram acesso ao que foi discutido em reunião na DPCAP sobre a reativação. Em resposta à circular, assinada pelo delegado chefe da DPCAP Walter Baruffi Júnior, foram enviados pelo menos quatro ofícios assinados por autoridades policiais – aos quais a reportagem teve acesso – atestando as condições ruins.

Em um deles, José* relata aceitar até três vezes a capacidade de presos de sua delegacia – o que por si só vai contra a lei. Se forçado a acomodar mais presos, promete se colocar em desobediência civil e institucional, mas diz que não aceitará. O delegado divisional adjunto da DPCAP Wilson Alves de Toledo compara a situação com dirigir uma Ferrari e depois passar para um Fusca. "Às coisas boas eles [policiais civis] se acostumam rápido. Já as ruins...", opina.

Nas delegacias não está sendo possível prover visitação, banho, minutos ao ar livre, tratamento adequado para enfermos, entre outras diretrizes previstas na Lei de Execução Penal. O 3º DP (Mercês) é um dos que se enquadram nessa situação. O superintendente da delegacia, Omar Bastos, desabafa: "A pena é perder a liberdade. Não sofrer desse jeito".

Desde o final de 2007, apenas o 11º (CIC), 12º (Santa Felicidade) e 9º (Santa Quitéria) distritos tinham carceragem, sendo que este último é apenas para mulheres infratoras. A Vigilância Sanitária de Curitiba considera esses distritos sem condições para manter seres humanos e pediu, há mais de um ano, a interdição deles. Por meio da assessoria de imprensa, o órgão municipal afirma que trabalha em parceria com a Sesp, mas não foi informado sobre as reativações.

Isabel Kugler Mendes, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/PR, também afirma não ter sido avisada da circular. "A situação está insustentável. Há tempos que os policiais civis sofrem um desvio de função", comenta Isabel, sobre a necessidade os investigadores e plantonistas acumularem a função de carceireiros. Ninguém do Sinclapol, sindicato que representa os policiais civis de Curitiba, foi localizado para comentar o caso.

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"Se vira como pode"

As delegacias regionais que deverão voltar a acomodar presos têm, em geral, pequenas celas que deveriam servir para manter os presos por algumas horas até o encaminhamento ao sistema penitenciário. Exceções são o 2º e 4º DPs (Rebouças e Boa Vista), que não tem carceragem. No 6º, 10º e 13º, as celas estão desativadas por determinação da Justiça, porém, no dia 11 deste mês – 48 horas depois da nova ordem – um preso foi mantido na cela insalubre. "Ele ficava desmaiando, estava doente. Três dias depois conseguimos um lugar no [Complexo] Médico [Penitenciário]", conta Paulo*, policial com experiência em outras delegacias.

No 1º DP (Centro), considerado até mesmo por Baruffi como o de situação "mais delicada", o plantonista Mateus* se vira como pode. Equilibra em uma mão junto ao corpo dois tubos, uma caixa e uma embalagem de cápsulas, enquanto a outra abre e tranca uma pesada porta de metal que dá acesso ao xadrez. Afirma desconhecer a serventia dos remédios ou qual a doença de três enfermos alojados na delegacia. Para vigiar as duas celas individuais, conta com um televisor de menos de dez polegadas, que tem a tela dividida em quatro quadrados. Em duas das áreas estão imagens em preto e branco e desfocadas dos 17 detentos, dos quais alguns completam mais de dez dias sem banho. "Pelo menos dá para ter uma noção do que eles estão fazendo. Se bobear muito, é fácil de nos render e fazer uma rebelião", diz Mateus.

Na delegacia do Portão, se tivesse pelo menos uma câmera já estaria "de bom tamanho", diz o experiente policial Pedro*. O 8º DP, assim como o 1º, tem apenas duas celas individuais, mas já extrapolou o limite em quatro vezes. O plantão, onde se concentram os investigadores, fica a 30 metros da entrada da carceragem – considerado longe por Pedro. O distrito está localizado a uma quadra de um grande shopping. As portas de vidro da entrada da delegacia, exaltadas pelo delegado Toledo como melhoria arquitetônica, agora facilitam uma possível fuga.

Tranqüilidade

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Baruffi ressalta que, desde 2006, quando assumiu o DPCAP, não houve fuga de presos em Curitiba. Segundo o delegado chefe, a situação estava "muito pior" antes dele assumir. "A população deve ficar tranqüila. Em breve haverá mais vagas [para acomodar os presos]", diz Baruffi, sem determinar datas. "Claro que não é ideal, mas um policial deve estar sempre de prontidão. Até mesmo fora de serviço", declara o comandante dos distritos policiais ao ser questionado sobre a falta de capacitação dos policiais em termos de carceragem. A respeito das condições dos presos, Baruffi também declara que é "temporário".

A Sesp anunciou por meio de nota que recebeu o aval do governador Roberto Requião para licitar a construção de "quantas celas modulares forem necessárias para acabar com os problemas de superlotação nas delegacias de Curitiba e região metropolitana".

* Nomes alterados a pedido dos entrevistados.