Bento XVI está entre nós e por ele ser Joseph Ratzinger, o Papa alemão, é próprio que surjam questionamentos dos mais diversos. As palavras do Papa, suas homilias e seus pronunciamentos serão atentamente vigiados nestes dias. O seu dizer pode defender uma posição ou condenar outra, dependendo da interpretação de quem o ouvir e do como Ele for ouvido. Assim também se pode dizer de outras dimensões da vida da Igreja. O olhar interpretativo pode fazer uma fala ser a favor ou contra determinada experiência eclesial. Pode condenar ou justificar até mesmo o jeito de viver a fé e o compromisso dos cristãos. Sempre foi assim e continuará sendo daqui para frente. Não é o Papa que mudará este critério. Nem mesmo suas palavras, muitas vezes mal interpretadas, tem a intenção primeira de condenar ou de "derrubar" qualquer experiência concreta do seguimento de Jesus Cristo, seja aqui na América Latina, na África ou mesmo na Europa.

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Historicamente, esta mesma lógica aconteceu com a Teologia da Libertação. À margem de todo o vigor missionário que fez surgir "um novo jeito de ser Igreja", à margem de toda a profundidade do ensinamento bíblico lido com os pés na realidade da vida do povo; à margem de toda a riqueza de ver despontar no meio da Comunidade Eclesial, líderes conscientes de sua fé e com uma visão de mundo enraizada nas duras lidas do povo pobre; à margem disso tudo, muitos só têm ouvidos atentos às palavras que condenam e denunciam determinadas idéias, negativamente alarmadas como contrárias ao Cristo e à sua Igreja. Toda Teologia parte de uma visão de mundo e de um chão concreto pois se não fosse assim, não seria uma leitura do pensamento de Deus sobre a vida e a humanidade, e portanto, não seria nem se quer Teologia, pois "tentaria" falar de um Deus ausente das coisas da vida. E para que nos serviria um "Deus ausente"?

A libertação como princípio sobre o qual se pode construir uma idéia de Deus não é algo novo ou que se resumiu a um tempo cronológico dito por muitos como um tempo que já passou. Na base da "preocupação" eterna de Deus para com seu povo está o olhar do Criador que vê: "Eu vi muito bem a miséria do meu povo... Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. (Ex 3,7). Uma reflexão teológica incapaz de VER, OUVIR e CONHECER não é uma teologia séria e comprometida. Deus vê, ouve e conhece. Faz destas atitudes a razão maior de sua ação na história para o bem de seu povo. Quem O quer vivenciar precisa experimentá-lo neste universo teológico. A aliança, base da teologia da Igreja Católica, é uma proposta de Deus em vista da construção da solidariedade e da irmandade, sonho do Criador e compromisso coletivo daqueles que como Ele querem ver o mundo libertado de todo pecado, injustiça, contradição e miséria.

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Longe de ser passado, a Teologia da Libertação continua a ser uma das formas mais atuais de se construir uma eclesialidade. Há muitas situações que clamam por libertação e onde há clamor aí se faz necessário o princípio reconciliador da proposta de Deus que tende, no compromisso cristão, "fazer novas todas as coisas". Novo é o mundo que queremos; nova é a humanidade que poderemos ver nascer porque somos do Deus que vê, ouve e conhece. Assim, nova será a Igreja, pois fortalecida em Deus, se renova na Aliança e a cada instante anuncia profeticamente, a seus fiéis, a possibilidade do encontro com o Deus que caminha nos passos do seu povo.

A vida dá razão à fé e o compromisso da fé torna razoável a vida. Isto é Teologia da Libertação.

Padre Adilson Schio é superior provincial dos Padres Missionários Saletinos no Brasil.

Veja também
  • A Igreja e a Teologia da Libertação