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“Tenho a escritura que mostra que eu paguei o terreno, mas eu queria o registro porque é uma segurança para os meus filhos.” Miguel Shimanski, lavrador | Josué Teixeira/Gazeta do Povo
“Tenho a escritura que mostra que eu paguei o terreno, mas eu queria o registro porque é uma segurança para os meus filhos.” Miguel Shimanski, lavrador| Foto: Josué Teixeira/Gazeta do Povo

Consequência

Sem financiamentos, desenvolimento regional é comprometido

Sem acesso a financiamentos e programas institucionais por não terem suas terras regularizadas, proprietários rurais deixam de contribuir com o desenvolvimento e a economia de seus municípios. Uma demonstração disso é que os nove municípios elencados para a fase inicial do programa de regularização fundiária no Paraná têm baixos índices de desenvolvimento e pouca riqueza.

O programa envolverá os municípios de Cantagalo, Campina do Simão, Foz do Jordão, Santa Maria do Oeste e Turvo (na região Central); Ivaí e Ipiranga (nos Campos Gerais) e Itaperuçu e Rio Branco do Sul (na Região Metropolitana de Curitiba). Em uma escala de 0 a 1, o último índice Ipardes de Desenvolvimento Municipal (IPDM) dessas cidades varia entre 0,5059 e 0,6505, desempenho classificado como médio-baixo.

O Produto Interno Bruto (PIB) de 2009 desses municípios também aponta uma economia pouco desenvolvida. Juntas, as nove cidades tiveram um PIB de R$ 1,3 milhão, ou seja, participação de 0,7% no PIB estadual.

Paraná

O geógrafo e professor de Desenvolvimento Rural na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) Luiz Cunha reforça que há uma corrente teórica que relaciona a regularização patrimonial ao crescimento econômico. Para ele, a regulamentação fundiária no Paraná é "extremamente importante". "Não é de se espantar termos tantas áreas irregulares porque a colonização no Paraná é recente e foi bastante conflituosa. Nos anos 70, o Paraná foi o estado que mais teve conflitos fundiários", acrescenta.

A perda do vínculo com o proprietário do terreno, a posse irregular e as heranças não documentadas deixaram um passivo de cerca de 1 milhão de propriedades rurais irregulares no Brasil – pelo menos 100 mil no Paraná. Desde 2003, um programa federal tenta resolver a situação e, agora, o Instituto de Terras, Cartografia e Geociências (ITCG) lança no Paraná um programa para regularizar a documentação das propriedades. Uma das consequências da falta de regulamentação fundiária é o empobrecimento do entorno.

Conforme o presidente do ITCG do Paraná, Amilcar Cavalcante Cabral, 20% das 500 mil propriedades rurais do estado estão irregulares. Das 100 mil áreas que precisam ser documentadas, cerca de 4 mil têm relação a processos de usucapião (direito de possuir o terreno após determinado tempo de uso). O programa de regularização será focado nestes casos. Desse total, 1.729 terras foram selecionadas e devem ser medidas e mapeadas até o final deste ano. As propriedades estão espalhadas em nove municípios das regiões Central, dos Campos Gerais e Metropolitana de Curitiba. Após as medições, o levantamento ocupacional, a elaboração de mapas e memoriais descritivos, os projetos serão encaminhados à Defensoria Pública do estado, que irá ajuizar as ações, sem custo aos proprietários rurais.

A regularização fundiária será feita a partir de um convênio entre o governo estadual e o Banco Mundial, pelo programa Pró-Rural. Dos R$ 130,8 milhões que o programa prevê no Paraná, R$ 11 milhões serão aplicados somente na regularização fundiária dos cerca de 4 mil imóveis rurais. O restante dos recursos será empregado em projetos para fomentar a produção da agricultura familiar de 131 municípios paranaenses que hoje apresentam baixos índices de desenvolvimento.

A seleção das áreas a serem regularizadas é feita em conjunto entre o ITCG, as prefeituras, as unidades do Emater (Instituto Pa­ra­naense de Assistência Técni­ca e Extensão Rural) e os Con­­selhos Municipais de De­­senvolvimento Rural e Po­­líticas Agropecuárias. Para Ca­­bral, é possível que a regularização fundiária ocorra dentro de três anos. Outros programas, inclusive os do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), tentarão absorver as áreas irregulares restantes no estado.

Sem acesso

Conforme o secretário de Reordenamento Agrá­­rio do Ministério do De­sen­­­volvimento Agrário, Adhemar Almeida, sem o re­gistro do imóvel os proprietários rurais não têm aces­so a bene­­fícios de programas fede­­rais, como o Programa Nacio­nal de Fortalecimento da Agri­cultura Familiar (Pronaf) e o Programa Nacional de Ha­bitação Rural. O secretário municipal de Agropecuária, Desenvolvimento e Meio Am­biente de Ipiranga, Faustino Pereira Filho, lembra que o produtor rural encontra barreiras até mesmo ao pedir a aposentadoria, pois não tem notas fiscais em seu nome para comprovar o trabalho no campo.

Desde a sua implantação em 2003, o programa federal de regularização fundiária titulou 38 mil famílias de agricultores. No ano passado, cadastrou 22,5 mil imóveis rurais e georreferenciou outras 23,4 mil propriedades, visando a titulação das terras.

Terreno pago, mas sem registro

Ipiranga, nos Campos Gerais, é um dos municípios que farão parte da fase inicial do programa de regularização fundiária do Instituto de Terras, Cartografia e Geociências (ITCG) do Paraná. De acordo com o secretário municipal de Agropecuária, Desenvolvimento e Meio Ambiente, Faustino Pereira Filho, das cerca de 1,8 mil propriedades rurais do município, 70% não têm o título da terra. Porém, somente 200 delas serão abrangidas pelo programa. "A demanda é grande e nós estamos selecionando as áreas de acordo com a quantidade. A região que tiver maior concentração de terras irregulares vai ser atendida", comenta.

Na Colônia Adelaide, cerca de 120 famílias serão contempladas. O fumicultor Antônio Postanoviciz não sabe se será beneficiado no programa. No sítio de quatro hectares, ele cultiva fumo para a indústria fumageira e feijão, milho, mandioca e batata para consumo próprio. A falta de titulação o prejudica. "Eu queria fazer um financiamento para comprar um trator, mas não dá. O que eu tenho, eu comprei por conta própria", diz. A área em questão pertence à sua família há quatro gerações e nunca foi documentada.

Do lado oposto da colônia, está o bairro rural de Pombal. Das 70 famílias que lá vivem, pelo menos 30 foram incluídas em um cadastro preliminar para obter a regularização. O lavrador Miguel Shimanski conta que comprou meio hectare de terra na região há cerca de quatro anos e pagou R$ 3 mil. Ele tem um pequeno espaço para a agricultura de subsistência e cria galinhas e porcos. "Eu tenho a escritura que mostra que eu paguei o terreno, mas eu queria o registro porque é uma segurança para os meus filhos", comenta.

João Raimundo herdou um terreno dos pais em Pombal e comprou mais uma área de dois hectares recentemente. Ele trabalha para cercar a propriedade, mas sabe que ainda vai demorar para ter a documentação em mãos. "Eu comprei o lote do meu vizinho, que recebeu numa herança. Paguei R$ 9 mil, mas sei que a documentação ainda está irregular", comenta. Com a titulação, ele pretende conseguir a autorização do IAP para construir um tanque de peixes no terreno. "Vou dar peixe para os vizinhos e, quem sabe, vender", comenta.

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