Vapores
"Conta Zezo: Eu era criança, e quando a gente chegou a São Mateus, fomos levar minha mãe ao médico. Quando voltamos, estavam descarregando o vapor. (...) Para passar pela prancha, do vapor ao cais, era preciso encontrar equilíbrio. Quando isso não acontecia, os marinheiros caíam na água, e todos riam. Meu pai sempre viajava de vapor e levava o Winchester (arma de longo alcance), porque já era conhecido do pessoal da navegação. Ele ficava na cabine do vapor, e, quando via uma capivara, o piloto direcionava os refletores e ele atirava. Para os marinheiros era uma festa, eles pulavam na água e pegavam porque iam ter carne fresca. No vapor só comiam charque e, quando tinham carne de caça, ficavam alegres."
Vapores, p. 192
No Paraná de 1880, veículos conhecidos como carroções, puxados por oito cavalos, geralmente cobertos com toldos, começaram a rodar, ligando as regiões habitadas. Dois anos depois, com o desenvolvimento de novas vilas, os rios foram vistos como uma nova opção de transporte e a navegação a vapor começou a ser desenvolvida. Em 1885, o trem chegou a Curitiba e, em 1892, na região de Porto Amazonas. É dessa data o início da conexão da ferrovia com a navegação. Esses dados e muitas outras histórias dos primeiros transportes do Paraná e das comunidades existentes na época estão descritas nos quatro livros escritos pelo historiador Arnoldo Monteiro Bach. Em Carroções, Carroções outras histórias, Vapores e Trens, mais do que dados e detalhes sobre a estrutura do setor de transportes do Sul do país, o historiador conta quem eram as pessoas que tornaram possível o progresso e o desenvolvimento das cidades. Filho de um ferreiro, o autor cresceu ouvindo histórias de carroceiros e de pessoas que viajavam "de vapor" pelos rios ou pelos trilhos. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele fala sobre o fascínio que esses três meios de transporte exercem sobre as pessoas.
Os livros têm como base a visão daqueles que vivenciaram a evolução dos meios de transporte no Paraná. De que forma foi feita essa pesquisa?
Foram muitas entrevistas. Procurei conversar com quem trabalhou com esses meios de transportes. Geralmente eram pessoas com 80, 90 anos. Iniciei a pesquisa em 1998 e cada livro levou em média três anos para ser concluído. Se tivesse esperado mais um pouco, talvez não fosse mais possível fazer a trilogia, pelo menos dando enfoque aos personagens. Muitos dos entrevistados já faleceram.
Como surgiu a ideia de retratar esses três tipos de transporte?
Em 1998 eu reuni muitas histórias de ex-carroceiros e fui incentivado por um amigo a procurar a Editora da Universidade Estadual de Ponta Grossa, que, por tratar-se de tema inédito e de relevância no processo de desenvolvimento do Paraná e de outros estados, publicou o trabalho. A obra ganhou destaque e em pouco tempo estava com sua primeira edição esgotada. Continuei minha pesquisa sobre o tema e publiquei o segundo volume. Durante a pesquisa, em vários momentos, ouvia relatos de carroceiros que levavam erva-mate e madeira até os portos do Rio Iguaçu para o transporte nos vapores. Comecei então a inventariar essa outra modalidade de transporte. Esses navios traziam a mercadoria até Porto Amazonas, Rio Negro ou União da Vitória, onde era transferida para os trens. Continuei, então, a pesquisa sobre o transporte ferroviário, chegando à trilogia dos transportes (rodovia, hidrovia, ferrovia). Procurei ouvir pessoas que exerceram as mais diversas funções nesses três meios.
Qual a importância de relatar essas histórias?
Eu não entendia porque nenhum historiador preocupou-se em narrar nem a história desse ciclo dos transportes, que se estendeu durante mais de meio século, nem a saga desses homens, que deixavam suas famílias para percorrer grandes distâncias, durante dias, semanas, meses, levando mercadorias aos pontos mais distantes do estado e do Brasil.
Com o fim da circulação dos carroções, o livro conta que houve um período de angústia até a adaptação aos novos meios de transportes. Como foi isso?
Os carroções foram bastante utilizados para o transporte de mercadorias e até mesmo para a locomoção de soldados em tempos de revoluções e de guerras. Geralmente, levavam do interior do estado erva-mate para os grandes engenhos de Curitiba e para os portos de Antonina e Paranaguá e retornavam com gêneros de primeira necessidade para abastecer o comércio. Na boleia de seus enormes carroções, homens enfrentavam as estradas poeirentas, lamacentas e tantos outros obstáculos. Dá para imaginar o que o fim dos carroções, determinado por decreto, representou para esses heróis das estradas, pois era dali que vinha o sustento de suas famílias. Primeiro houve revolta e inconformismo. Depois, a reflexão e a busca por alternativas.
Como o senhor vê a transição entre os vários tipos de transportes?
Ao longo dos últimos anos, surgiram transportes mais rápidos e eficientes. É preciso acompanhar a tecnologia, aplicar o que é eficiente e que traz benefícios à população. As experiências com os transportes do passado ajudam a refletir o quão importantes foram para o processo de povoamento e desenvolvimento. Sem eles, teríamos estagnado. Cidades não teriam nascido ou não teriam se desenvolvido, pois sem transporte não há progresso, não há comercialização de mercadorias. Sem transportes, não há liberdade de ir e vir.
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