A estrutura do sistema socioeducativo do estado na região de Curitiba não tem acompanhado o ritmo de sentenças aplicadas pela Vara do Adolescente em Conflito com a Lei em 2016. Um levantamento feito pela Secretaria de Estado da Justiça e Direitos Humanos (Seju), pasta responsável pela socioeducação no Paraná, apontou que houve um aumento de 33% de sentenças da vara especializada na capital entre os primeiros semestres de 2015 e deste ano.
O número de atendimentos variou, no mesmo período, entre 712 e 735 no Cense Curitiba, unidade de internação provisória para adolescentes que aguardam sentenças na região da capital.
Por isso, melhorar esta estrutura, com criação de mais vagas, principalmente para cumprimentos de medidas de internação (quando o adolescente fica apreendido), é um dos grandes desafios do estado para área. No primeiro semestre deste ano, foi inaugurado o Cense São José dos Pinhais, com 78 vagas. Ainda assim, com o aumento de sentenças na região da capital, a unidade não da conta. Antes disso, foram construídas unidades de semiliberdade em Umuarama e Paranavaí.
Veja as imagens das duas unidades para adolescentes infratores
Dilemas difíceis e diários
No final do mês passado, a reportagem da Gazeta do Povo visitou o Cense Curitiba e o Educandário São Francisco (leia os textos ao lado), em Piraquara, onde os jovens infratores ficam cumprem a sentença de internação. Recentemente, a promotora Danielle Tuoto, da vara especializada, fez um desabafo pela falta de vagas no sistema socioeducativo, fato contestado pelo estado.
No dia da visita, no Cense Curitiba, havia 36 meninos sentenciados, abrigados em uma ala improvisada semelhante a cadeias provisórias em delegacias. Após a sentença, os jovens precisam ser encaminhados para unidades adequadas. Mas na última semana de agosto, havia 42 deles na unidade e houve uma tentativa de rebelião. Os funcionários descobriram ainda que os jovens planejavam machucar um deles para chamar a atenção das autoridades. Por competência da equipe técnica do Cense, evitou-se o pior.
O aumento de entrada de adolescentes no Cense Curitiba faz o estado encarar um dilema diário e muito complicado. A primeira opção é colocá-los nas unidades de internação, como o São Francisco, em Piraquara, ou São José dos Pinhais, prejudicando o atendimento deles e dos outros. A outra é mantê-los nas unidades provisórias, onde também não recebem todas as políticas públicas disponíveis.
“Se perdermos o controle da porta de entrada, a gente vai acabar superlotando as unidades [de internação] e tendo um prejuízo no atendimento. Por isso pode ocorrer conforme o fluxo que eles aguardem após a sentença. Legalmente, não existe um período delimitado, qual o tempo razoável de espera”, contou o diretor do Departamento de Atendimento Socioeducativo da Seju, Pedro Giamberardino, que acompanhou a reportagem na visita.
De acordo com ele, o único prazo legal em relação ao adolescente que aguarda vaga é para o Judiciário, que precisa se pronunciar em 45 dias sobre a sentença. “E nós nos pronunciamos em até 48 horas se existe a vaga ou não. O tempo de espera gira muito em torno de razoabilidade e bom senso. No ano passado, o Cense Curitiba tinha um cenário mais tranquilo em termos de fluxo. O maior período que aconteceu de espera foi de 30 dias e a média era de cinco a dez dias”, disse.
Estado desinterditou vagas
Algumas vagas interditadas, foco também da recente reclamação do Ministério Público, foram liberadas. Segundo Giamberardino, O Cense Foz do Iguaçu, atingido por uma forte tempestade ano passado, teve sua reforma concluída. “Já são 60 vagas desinterditadas. O Cense Curitiba tinha problemas ligados aos vasos sanitários. Foi feita uma solução”, lembrou.
Além disso, ele ressaltou também problemas em Ponta Grossa, que devem ser sanados em breve, como a reposição de equipes. Funcionários daquela unidade passaram em outros concursos. O diretor disse ainda que a construção do Cense Cascavel I está bem encaminhada, com previsão de término para 2017. O projeto para a construção do Cense Piraquara já foi autorizado, com previsão de 78 vagas. Há também previsão de construções em Apucarana, Toledo e Guarapuava. O objetivo é concluí-las até o final do governo.
“Trocamos de coruja uma vez por semana”, afirmou adolescente
Os adolescentes sentenciados, que ficam abrigados no Cense Curitiba, no bairro Tarumã, reclamaram da quantidade da comida que recebem, da falta de atividade e da troca de “coruja” (cueca, na gíria deles) apenas uma vez por semana. São jovens com idade entre 15 e 18 anos. A maioria deles moradores de Curitiba com uma vida carregada de violações, com famílias desestruturadas, baixa escolaridade.
“Está sempre assim aqui. Trocamos de coruja uma vez por semana” comentou, M.F., 17 anos, durante a visita da reportagem no Cense Curitiba. Seu colega de cela mostra dois pães guardados em cima da caixa da privada. “Guardamos para comer depois do almoço porque a quantidade servida não mata nossa fome. A marmita vem com buraco”, reclamou o jovem.
Os dois estão apreendidos por roubo. Um deles está 58 dias no local, dez deles após a sentença concedida. Alguns deles reclamaram de não poderem tomar sol ou não terem atividade. “Nós não saímos para atividade, senhor”, contou outro. Eles não vão à aula como os outros na unidade.
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Está prevista reforma no Cense Curitiba
O governo do estado pretende reformar o Cense Curitiba. Segundo o diretor do Departamento de Atendimento Socioeducativo da Seju, Pedro Giamberardino, ela acontecerá no próximo ano e envolverá a Delegacia do Adolescente, que fica no mesmo complexo no Tarumã. Ele afirmou ainda que os adolescentes sentenciados do Cense Curitiba têm aula de educação física, escrevem cartas e são entretidos com jogos de tabuleiros. Alguns deles até confirmaram, mas ainda assim reclamaram das condições.
“Almoço e janta estão previsto 700 gramas e essa deve ser repassada pelas unidades. Qualquer falha deve ser comunicada para providências. Mas tem que ser verificado”, disse Giamberardino. O diretor contestou a troca de cueca apenas semanal. Segundo ele, o maior problema é que esses adolescentes não conservam as roupas que recebem, como nas unidades de internação. Giamberardino disse que a “coruja” deve ser trocada diariamente após o banho.
Especialista lembra que direitos precisam ser garantidos
A advogada especialista em defesa dos direitos da infância e adolescência Maria Cristina Santos alerta que nenhum direito dos adolescentes sentenciados a internação deve ser negado, além da privação de liberdade. “A gente vê uma falta de estrutura física mesmo (no Cense Curitiba)”, comentou. Na avaliação dela, os sentenciados, mesmo no Cense, devem participar das mesmas atividades que os outros. “O Cense Curitiba é de 1994, não tem a estrutura ideal para hoje. O direito a salubridade, educação e outros [aspectos] não podem ser negligenciados”, disse.
Ela lembrou que as medidas socioeducativas têm uma finalidade pedagógica e precisam resgatar valores positivos para os adolescentes. “É um estágio de desenvolvimento peculiar da vida dele que precisa de atenção”, mencionou, ao ressaltar a necessidade de mantê-los estudando mesmo na unidade provisória.
Maria Cristina lembrou que toda proposta pedagógica e socioeducativa do estado tem sido interessante. O que dificulta é a estrutura de algumas unidades. Há, segundo ela, equipes técnicas qualificadas, mas que precisam de suporte para continuar avançando. De acordo com o MP, a média de reincidência de adolescentes sentenciados gira em torno de 25% em Curitiba, muito abaixo da média dos adultos em penitenciárias, que passa os 80%.
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