Os problemas urbanos que afligem o curitibano começaram a atrair a atenção de um número maior de pesquisadores e jornalistas estrangeiros, que há décadas só tinham elogios para fazer à capital paranaense. Um artigo publicado no fim de março no portal do jornal francês Le Monde, por exemplo, é taxativo ao dizer que "é o fim de um mito". Apesar de dar espaço apenas às críticas contra a cidade, o texto gira em torno de uma constatação que já é quase unanimidade: Curitiba perdeu a capacidade de inovar.
Essa discussão não é nova, e no meio político ganhou força a partir da eleição de 2008, quando Beto Richa foi reeleito como prefeito da cidade. Ainda antes, no início dos anos 2000, pesquisadores paranaenses já questionavam os benefícios das gestões municipais de Jaime Lerner (1971-75; 1979-84; 1989-92). Mas, até agora, o status mundial de Curitiba estava praticamente intacto.
As coisas começaram a mudar. No Le Monde, Thomas Diego Badia afirma que "Curitiba, ex-cidade-modelo da América Latina, luta para se reinventar". Outro texto que expõe alguns dos problemas locais foi publicado em fevereiro na America Quarterly, revista norte-americana especializada em políticas públicas.
Também em fevereiro, um grupo de estudantes de pós-graduação da Universidade Mines ParisTech esteve em Curitiba para pesquisar o local. Espantaram-se com a violência e com a incapacidade da prefeitura em inovar nas soluções para o transporte público, optando pelo metrô, uma invenção de 150 anos atrás. A engenheira Rebeca Pinheiro-Croisel, pesquisadora da instituição francesa, contextualiza: "Quando somos pioneiros e, em algum momento, atingimos patamares acima da média, sempre seremos avaliados com expectativas de excelência".
Visão local
O historiador Dennison Oliveira, autor do livro Curitiba e o mito da cidade modelo (2000), mantém as críticas ao esteriótipo de urbanismo adotado por Lerner e sucessores. Segundo ele, a gestão municipal era movida por interesses privados e empresariais. "Mesmo assim, havia contribuições positivas para a cidade, como o calçadão, muitos parques e teatros. O lernismo tinha uma capacidade invejável de mostrar resultados."
O planejamento urbano, tão louvado em Curitiba, foi falho, na opinião da geógrafa Rosa Moura, pesquisadora do Observatório das Metrópoles. "Não foi considerado o êxodo rural dos anos 60, 70. A área periférica, dentro e fora do município, sempre sofreu a precariedade da moradia, do saneamento, o comprometimento ambiental e a escassez do transporte coletivo", diz ela, que estuda o tema desde os anos 2000.
O urbanista Fábio Duarte, professor do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana da PUCPR, cita alguns dos problemas que, segundo ele, desapontam os visitantes e moradores de Curitiba. "No transporte público, só há integração física nos terminais, e não temporal. Para que serve a tecnologia do cartão-transporte? Para coletar dinheiro? Que tal fazer um sistema inteligente?", questiona. Ele também critica as obras viárias destinadas a atender automóveis de uso individual, como o que ele chama de "elefante estaiado" o novo viaduto e a opção pelo metrô.
Na avaliação do arquiteto e historiador Irã Taborda Dudeque, os gestores de Curitiba se preocupam apenas em dar respostas rápidas à população, sem planejar o futuro. "Muitas das ações feitas no passado foram impostas e não agradaram o povo na época, como o fechamento do calçadão. No longo prazo, foram aceitas", observa. Mas Dudeque não concorda com a avaliação pessimista sobre Curitiba. "Não adianta responsabilizar só os prefeitos pelos problemas no transporte público quando há um programa federal de incentivo à aquisição do automóvel próprio."
Talvez
"Curitiba ainda é uma referência"
O arquiteto e urbanista Jaime Lerner que, além de ex-prefeito, foi governador do Paraná por dois mandatos (1994-2002) diz que é uma falácia afirmar que Curitiba é ou deixou de ser um "mito". "Essa é uma visão equivocada, como se as conquistas não tivessem sido reais. Curitiba ainda é uma referência", afirmou à Gazeta do Povo. Para ele, o artigo no portal do Le Monde foi parcial.
Apesar de criticar o texto, Lerner aumenta o coro daqueles que dizem que a cidade perde a capacidade de inovação. "Duzentas cidades no mundo copiaram o sistema de transporte de Curitiba. E, agora, a cidade quer abandonar seu sistema exemplar, que pode voltar a ter a qualidade de antes." Para Lerner, o projeto do metrô "é uma tragédia", mas ele assegura que não fica apenas apontando os erros. "Sempre me coloco à disposição, e já fiz dezenas de apresentações e sugestões. Sou curitibano, e acho que a responsabilidade sobre a cidade recai sobre todos nós."
Sim
"Prefiro ter um horizonte a buscar"
Para o presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), o arquiteto e designer Sérgio Pires, Curitiba será sempre uma cidade modelo. "Ela atingiu determinados níveis de excelência e foi a cidade que criou o que hoje é conhecido como BRT [Bus Rapid Transit, o sistema que opera em canaletas exclusivas]. Isso não vai mudar." Pires entende que provocações como a do texto do Le Monde servem para alimentar o desejo de melhora. "Prefiro ter sempre um horizonte a buscar do que já ter ultrapassado um nível e ficar achando que não há mais nada a fazer."
Pires diz que a responsabilidade sobre a cidade não recai apenas sobre o poder público. "Dependemos de como os curitibanos levam sua vida, seus negócios, seus compromissos com a cidade. E tivemos alguns retrocessos, como, por exemplo, a forma como as empresas de telefone e internet tratam nossa gente, jogando os fios do jeito que fazem", critica, sobre o aspecto de abandono que reina na cidade.
(Colaborou Bruna Komarchesqui)
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