Duas tragédias, duas medidas. De um lado, o comentado caso do homicídio de Kelvin Grieger, jovem de 22 anos alvejado com vários disparos após uma discussão na Praça do Japão, reduto do bairro Água Verde identificado financeira e culturalmente com o vizinho Batel. Foi na tarde do dia 5 de agosto, uma terça-feira, mas continua vivo nas bocas. De outro, a chacina na Vila Osternack, no Sítio Cercado, do final de junho. Ali, durante a noite, foram assassinadas quatro pessoas da mesma família. Tinham entre 14 e 33 anos levaram tiros na cabeça. O assunto parece encerrado.
No Osternack "Osternackistão", como costumam brincar os moradores do Sítio Cercado, onde a vila se encontra apenas uma criança de 5 anos sobreviveu. Ela correu para a rua e acionou a Polícia Militar com a ajuda de um taxista que a encontrou no caminho. O caso foi tratado como um corriqueiro acerto de contas entre pessoas envolvidas com tráfico de drogas. O homicídio da Praça do Japão também um acerto de contas em vez de caso isolado tem sido apontado como sinal do descontrole do mundo do crime, uma ultrapassagem de divisas.
À primeira vista, uma "sociologia de botequim" é usada como fiel da balança, não sem prejuízos à análise. Um crime ainda que uma chacina que não poupou crianças e adolescentes soa natural a uma região empobrecida como o Osternack. Mas não combina com a Praça do Japão, área de Curitiba que acumula todos os ganhos possíveis de urbanidade (veja comparação no infográfico. Ali, nunca falta gente correndo na ciclovia da Avenida Sete de Setembro. Tem quitanda ao lado de magazines, como nas áreas cosmopolitas de Buenos Aires ou Paris. O PIB que desafia os índices nacionais.
"A classe social atrai para si um conjunto de elementos. O baixo grau de escolaridade, o lugar na cidade, tudo isso faz com que crimes em uma região como o Osternack sejam menos comoventes", observa o sociólogo Pedro Bodê, do Núcleo de Estudos da violência da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Some-se a essa relação instantânea e não menos enganosa entre pobreza e violência o destaque e a forma com que um e outro caso foi tratado pelos meios de comunicação. Não é preciso nenhum estudo acadêmico para resolver essa equação. O homicídio da Praça do Japão pode um dia ser o equivalente curitibano do "crime do restaurante chinês", ocorrido na São Paulo da década de 1930, descrito em livro pelo historiador Boris Fausto.
Informados
O psicólogo social Márcio Cesar Ferraciolli, da UFPR, recorre à quantidade de informação para explicar a aparente insensibilidade dos curitibanos diante da chacina do Osternack. "Há um excesso notícias sobre os crimes nas regiões pobres. O público acaba naturalizando esses episódios e banaliza a violência", observa o estudioso, não sem antes deixar de lembrar os mecanismos da subjetividade e do psiquismo. Em miúdos as pessoas constroem na história o conceito de certo e errado. Não é inato. "Nós aprendemos a analisar fatos como esse de forma cultural, de acordo com o que vivenciamos". Explica muita coisa.
Pedro Bodê completa o raciocínio. Lembra que há uma tentativa das pessoas menos favorecidas em reverter o quadro de banalização. Os moradores da periferia querem ser vistos por meio de outros filtros culturais. "A sociedade tende a achar que só quem morre assassinado na periferia é bandido. E não é assim. Os moradores da região protestam contra esse olhar. Queimam ônibus e fecham ruas para serem olhadas. "E uma resposta, embora muitos chamem a isso de baderna e vandalismo", comenta.
Quanto à suposta indiferença, o sociólogo repudia análises rasteiras. Crimes geram reações diferentes e isso é um fato que pede observação. Pode haver uma explosão indignada. Mas nem sempre, o que não significa exatamente o que parece. "As pessoas têm medo tanto de se expor quanto da violência em si. O que a gente entende como ser insensível muitas vezes pode ser apenas o medo, a impossibilidade de se manifestar", conclui Bodê.