Parte do carnaval de Curitiba começa no quintal de uma casa do bairro Santa Quitéria, onde lantejoulas vêm e vão, fitas caem do céu e pistolas de cola quente passam de mão em mão, entre muitas risadas. Sempre foi e sempre será assim, meio de improviso, a criação das fantasias da escola de samba Embaixadores da Alegria a mais rodada da avenida, com 66 anos e das outras sete que irão para a Rua Marechal Deodoro neste ano.
As quatro agremiações do grupo A se viram como podem com a verba de R$ 40 mil destinada pela Fundação Cultural de Curitiba. "Pelo menos neste ano não chegou em cima da hora", comemora a carnavalesca Suzy DAvilla, a "faz-tudo" da Embaixadores. Mas a grana é curta, atestam os foliões, em uníssono. "O ideal seria algo perto de R$ 70 mil", diz Suzy, mostrando as saias vermelhas recém-pintadas penduradas no varal.
Ao que parece, paixão e resistência são os combustíveis dos carros alegóricos dos pinheirais. Para se criar 400 fantasias, 30 pessoas, todas voluntárias, se revezam em uma rotina de trabalho que chega a 15 horas. "Ontem ficamos das 9 da manhã à meia-noite", conta Maria Martins, a moça responsável pela cronometragem do desfile. "Não pode atrasar nem adiantar", explica, ao colar uma lantejoula amarela em um suporte vermelho que, em cinco minutos, daria forma a um pomposo chapéu. "Lá no Rio há uma indústria, eles trabalham o ano inteiro e ganham com isso. Aqui, tudo é feito com amor e passa de uma geração para outra", completa Maria, ao lado da filha Piettra.
O enredo da Embaixadores, neste ano, é quase pedagógico. As fantasias e os carros ganharão temas que lembram as obras de Rogério Dias, Tarsila do Amaral, Romero Britto, Potty Lazzarotto e Frans Krajcberg. "Queremos que nosso enredo ensine algo para quem vai à avenida", diz Suzy, professora de arte de uma escola estadual.
De improviso
Tudo começa no papel, onde está a ideia original. A partir dos desenhos pregados na parede da garagem, as fantasias tomam forma. Quando dá. "Veja. Só o arame para essa cartola custa R$ 19. Para uma ala, preciso de 40. Só aqui vai quanto de dinheiro?", diz Suzy. Então, o metal dá lugar a materiais mais baratos. Isso não se nota na avenida, garante a carnavalesca, que desde 1980 não perde um ziriguidum.
Em Curitiba, encontrar matéria prima para o folguedo também é de lascar. É preciso bater perna e contar com a sorte. Caso contrário, só em São Paulo. É Suzy quem diz. "Achei o tecido com motivos do Romero Britto no Brás." De volta a Curitiba, ela desistiu de uma fazenda especial que custava R$ 20 o metro. "Para 400 fantasias... faça as contas." Na média, cada peça que entra na avenida sai por R$ 35. Entram na conta da escola o aluguel do barracão para ensaios e até o pagamento do guincho, que levará o carro alegórico para a Marechal no dia do desfile.
Mesmo com dinheiro de menos e trabalho demais, ninguém reclama no Santa Quitéria. "Você gosta de futebol?", pergunta Suzy ao repórter, que faz "sim" com a cabeça. "O que te motiva a jogar mesmo na chuva ou em um campo não tão bom? É a mesma coisa."