A morte de Adimar Jesus da Silva dentro de uma carceragem em Goiânia pôs um ponto final numa tragédia: o pedreiro, de 40 anos, era assassino confesso de seis meninos em Luziânia, no interior de Goiás. Ontem, no início da tarde, o criminoso foi encontrado enforcado em sua cela, onde estava sozinho. O desfecho do caso, no entanto, leva a uma discussão sobre o papel desempenhado pelo Estado na tragédia. As sete vidas perdidas poderiam ter sido poupadas caso as autoridades tivessem agido de outra maneira?
A principal questão levantada quando se descobriu que Adimar era o culpado pelos crimes foi se a Justiça deveria tê-lo soltado quando o prendeu pela primeira vez. Ontem, com a morte do réu, o debate ganhou força. Em nota, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, criticou o sistema carcerário. "Essa morte, seja por suicídio seja por homicídio, reacende a discussão sobre a fragilidade do sistema carcerário brasileiro. Um sistema, infelizmente, falho e desumano que acaba estimulando o crime ao invés de proporcionar a recuperação do apenado", disse.
Liberação
A discussão havia sido iniciada no dia 10 deste mês, quando Adimar foi preso e confessou as mortes dos jovens. Eles teriam sido mortos a pauladas, depois de atraídos pelo pedreiro sob promessa de recompensa financeira: ganhariam dinheiro para ajudá-lo a carregar materiais de construção. Preso, Adimar indicou à polícia o lugar onde havia sepultado os corpos dos meninos, mortos em janeiro.
Descobriu-se então que o assassino serial tinha saído da cadeia com permissão do Judiciário. Adimar havia sido condenado em 2005 a 10 anos de prisão por atentado violento ao pudor, mas recebeu em dezembro o benefício da prisão domiciliar. Em agosto, porém, antes de ser solto por já ter cumprido um terço da pena, laudo psiquiátrico feito em Adimar classificava o pedreiro como um "psicopata perigoso" que deveria ser "isolado".
Suicídio?
Segundo Ophir Cavalcante, além da investigação sobre as circunstâncias que levaram o juiz Luís Carlos de Miranda liberar "um psicopata", será necessária uma outra, "para saber como esse psicopata, depois de assassinar seis garotos, morreu sob a vigilância do Estado."
"Duas falhas do Estado que mais o aproximam da lei da selva do que da lei dos homens. Chega de descaso e de explicações inexplicáveis. É hora de corrigir rumos sob pena de continuamos a assistir a esse festival de omissão e de atentado contra a cidadania", concluiu a nota da OAB.
O juiz Luís Carlos de Miranda, da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, responsável pela libertação de Adimar no final do ano passado, rebateu na sexta-feira as críticas de autoridades à sua decisão. "Qualquer senador, qualquer ministro vir a público falar o que não conhece, o que não sabe, para simplesmente falar que houve um erro, criticar sem conhecer a realidade do que está acontecendo, isso não é aceitável."
O juiz se baseou nos exames criminológico e psiquiátrico de Jesus, que não apontaram a existência de doença mental. Preso no dia 10, Adimar disse que tinha compulsão para matar. "Eu não quero mais isso pra mim, mas não consigo parar de matar. Preciso de ajuda."
Entre os críticos do magistrado estão o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, e senadores integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pedofilia.
Repercussão
O caso repercutiu entre várias autoridades. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, defendeu a atuação do juiz e culpou a falta de estrutura da Justiça penal. "Há uma falta de acompanhamento de pessoas com profundos distúrbios psicológicos", afirmou. O presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Mozart Valadares Pires, também apoiou o juiz e pediu melhorias no sistema. "É preciso melhorar as condições para os profissionais do sistema carcerário emitirem laudos que reflitam a real situação dos acusados e os mecanismos de acompanhamento do cumprimento de liberdade condicional."
Para especialistas ouvidos pela reportagem, Adimar é um caso extremo, mas expõe a falta de um acompanhamento adequado do condenado. "Esse homem parece ter uma doença mental, o que deveria ser detectado na prisão. Ele poderia receber o tratamento correto e, talvez, se recuperar", lamenta o professor de Processo Penal da UFPR, Jacinto Miranda Coutinho. Em casos semelhantes, dois pontos são fundamentais: o acompanhamento psicológico dentro da prisão, para promover a recuperação e detectar a necessidade de tratamento, e fora, para evitar a reincidência.
Somente os exames realizados após o pedido da progressão da pena podem deixar passar uma doença mental ou a verdadeira condição do detento para se reintegrar à sociedade. "Os técnicos responsáveis têm um contato superficial com o condenado, que pode dissimular sua condição", afirma a promotora de execuções penais Maria Costa Moura. O detento com uma condição psiquiátrica que incite à violência deve ser transferido para um hospital de custódia, onde pode receber o tratamento adequado. Nesse caso, a soltura depende de parecer médico.
O ideal seria ter um acompanhamento psicológico permanente. "Em vez da assistência necessária para tentar cumprir o objetivo de ressocialização do preso, há só um exame, no momento da progressão, que sequer pode detectar uma condição mais complicada", compara o professor de Direito Penal da Unibrasil, Francisco Assis do Rego.
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