Mais antigo parque e primeiro zoológico da cidade, o Passeio Público está presente na memória afetiva de gerações de curitibanos em seus 116 anos de tradição. Mas a importância histórica do espaço destoa de sua realidade: hoje, o parque é ponto de tolerância para prostituição e consumo de drogas, principalmente no período do começo da noite até o fechamento dos portões, às 20 horas. A presença de um módulo policial, dentro do Passeio desde 1997, e a sede da Guarda Municipal logo ali, do lado de fora das grades do parque, não inibem essas atividades.
A reportagem esteve por duas noites seguidas no local, encontrando rotinas muito semelhantes. Há uma linha imaginária dividindo o parque: ao longo de seu perímetro, muitas pessoas prosseguem durante a noite fazendo exercícios; caminhar para o interior, no entanto, ganha ares de aventura. Todos os frequentadores mais assíduos da pista de corrida sabem que o banheiro é ponto para negócios de drogas e prostituição, e o evitam.
Curiosamente, a maioria dos esportistas noturnos declarou à reportagem não se sentir insegura ou incomodada, apesar de todos já terem visto evidências de prostituição e consumo de drogas. O clima de "eu aqui, eles lá" foi assimilado pelos frequentadores, que seguem correndo e buscam ignorar o que se dá para dentro do parque. Nenhum dos entrevistados afirmou já ter sido roubado no local.
Esse processo de acostumar-se com os hábitos internos do Passeio chegou à própria Polícia Militar. Sem se identificar, a reportagem perguntou a um policial se os exercícios noturnos não eram perigosos, tendo em vista a presença evidente de usuários de entorpecentes. A resposta veio com naturalidade: "Ah, eles são praticamente patrimônio do Passeio Público. Mas pode andar tranquilo, não fazem nada, não temos problemas de roubo". Ouvindo a conversa, um colega policial complementou espontaneamente: "Eles quase moram aqui dentro. Tem muita prostituição também, mas não há perigo".
Senha
A partir do entardecer, o simples ato de contemplar alguma das aves nas gaiolas do parque é visto como senha. Invariavelmente, em segundos aparecerá alguma mulher com uma proposta do tipo "quer um programinha?".
Também é fácil notar vários homens sozinhos, fixos em determinados pontos do interior do parque. A impressão do que se convencionou chamar de "atitude suspeita" é reforçada quando se percebe um processo repetitivo: alguém aborda o homem solitário, os dois saem caminhando para um local afastado, e logo o primeiro volta fixo a seu ponto.
Sem rondas
Não se nota nenhum homem da PM andando no interior do Passeio Público pelo menos não uniformizado. Até onde se vê, os agentes permanecem em seu posto, eventualmente saindo em viaturas para atender algum chamado externo.
Um agente da Guarda Municipal afirmou que constantemente tem de entrar no Passeio Público para fazer apreensão de entorpecentes "principalmente maconha" , porque a PM não costuma se ocupar de denúncias sobre drogas no parque. Segundo o agente, a polícia tem por hábito encaminhar os denunciantes à Guarda, aproveitando a proximidade da sede, na Rua Presidente Faria.
Revitalização do espaço está engavetada
A última reforma do Passeio Público aconteceu em 2009, quando o local ganhou um complexo veterinário e um sistema de filtragem da água dos lagos. No mesmo ano, o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) elaborou um projeto de revitalização total do parque, admitindo que "a crescente sensação de falta de segurança que afeta os moradores das grandes cidades vem afastando antigos e tradicionais usuários do Passeio". A ideia, no entanto, permanece engavetada.
Um resumo do projeto ainda está disponível para consulta no site do Ippuc. O texto prevê a criação de um Museu de História Natural dentro do Passeio, além de novas plantas, uma casa de chás, uma praça de concertos, um jardim temático contando a história do Paraná e uma cancha polivalente, entre outras reformas.
O Ippuc infomou que esse projeto está desatualizado e passa atualmente por uma revisão. Não há previsão para que a revitalização seja efetivada, tanto por falta de recursos quanto por ainda não ter havido diálogo com o Patrimônio Histórico, que precisa aprovar qualquer alteração no Passeio Público.