Manifestantes em São Paulo acompanharam a leitura da carta da USP em defesa das eleições e do Estado Democrático de Direito.| Foto: Fernando Bizerra/EFE
Ouça este conteúdo

A recente operação da Polícia Federal contra empresários brasileiros reacendeu o debate sobre o respeito à democracia e a liberdade de expressão no país. A Gazeta do Povo procurou falar com alguns dos apoiadores das duas cartas publicadas em Defesa do Estado Democrático de Direito para saber se iriam comentar a operação, considerada inconstitucional e uma ameaça à democracia por vários juristas.

CARREGANDO :)

Entre os quase um milhão de brasileiros que assinaram a carta, há quem concorda com a decisão de Moraes, quem prefere não se manifestar e quem se arrependeu de ter assinado o manifesto, como o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello.

>> Faça parte do canal de Vida e Cidadania no Telegram

Publicidade

Entre os professores da USP, dois signatários da carta consideram a ação de Moraes proporcional e legal, apesar de circunstâncias questionáveis, como o processo estar em sigilo e nem a Procuradoria-Geral da República ou os advogados dos interessados terem acesso aos autos no prazo processual. Elival Ramos, professor do Departamento de Direito do Estado na USP, considerou que as mensagens no WhatsApp foram trocadas por pessoas que teriam a possibilidade de organizar ou financiar atos antidemocráticos.

Para Ramos, a Polícia Federal tomou as medidas dentro de um procedimento investigatório. Com acesso a mais conversas, documentos, contas bancárias, a polícia, segundo ele, vai avaliar até que ponto há organização no sentido de ruptura democrática. “Não se está punindo ninguém nem falando que há crime, o que está sendo feito é investigar”, afirma Ramos.

Outro docente, Antonio Rodrigues, professor Associado de Direito do Trabalho e Direitos Humanos da USP, negou a existência de uma possível "ditadura do Judiciário", também na decisão de Moraes.

"É defensável o entendimento, segundo o qual, o judiciário muitas vezes acaba tendo uma presença e um papel mais importante - em alguns momentos da nossa história política. O Legislativo e o Executivo têm se omitido no compromisso com a efetivação das disposições constitucionais e vemos outras instituições como Ministério Público Federal tendo um papel muito aquém da sua missão constitucional de coadjuvante relevante fiscal da investigação penal e ação policial", disse o professor.

Arrependimento

O ex-ministro Marco Aurélio Mello, do STF, que criticou a decisão do ministro Alexandre de Moraes, disse em uma entrevista à CNN Brasil, ter se arrependido de assinar a “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito”, elaborada pela USP.

Publicidade

“Se soubesse que o manifesto seria usado como instrumento político para fustigar o atual governo e apoiar um candidato de oposição, no caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eu não o teria assinado.”

“Se arrependimento matasse, vocês estariam encomendando a minha missa de sétimo dia”, acrescentou o magistrado.

Empresários

Empresários que assinaram a carta pela democracia não se manifestaram sobre a ação do ministro Alexandre de Moraes, que bloqueou bens e redes sociais de seus iguais em outras empresas.

Entre os empresários que assinaram consta Eduardo Vassimon (Votorantim), Horácio Lafer Piva (Klabin), Walter Schalka (Suzano), Guilherme Peurão (Natura), Pedro Malan (ex-ministro da Fazenda do governo Fernando Henrique Cardoso), o economista José Roberto Mendonça de Barros e o cineasta João Moreira Salles.

Os mandados de busca e apreensão contra oito empresários que supostamente teriam defendido um golpe de Estado em conversas em um grupo de mensagens, no caso de vitória de Lula nas eleições de outubro foram cumpridos pela Polícia Federal na última terça-feira (23/8). Os empresários acusados são apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição pelo PL (veja o posicionamento de cada um deles).

Publicidade

Em entrevista à Gazeta do Povo, o empresário Luciano Hang - um dos acusados que teve suas redes sociais bloqueadas - lamentou os abusos cometidos contra ele e falou dos riscos desse cenário para a democracia brasileira.

"É muito perigoso o momento que nós estamos vivendo, a 40 dias das eleições, cometer um atentado contra a liberdade de pensamento, expressão e principalmente, um atentado contra democracia. Se vão calar todos os empresários, todas as pessoas e veículos de comunicação que estão do lado do presidente, essa democracia fica fraca", disse Hang.

O que são as cartas "pró-democracia"

No dia 11 de agosto, foram lidas duas cartas em defesa da democracia, uma apresentada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e outra pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Intitulada "Em Defesa da Democracia e da Justiça", a carta da Fiesp contou com a adesão de 107 entidades, entre associações empresariais, universidades, ONGs e centrais sindicais.

Após críticas por não ter se manifestado em defesa da liberdade de expressão dos empresários, a Fiesp emitiu uma nota nesta quinta-feira (25/8), sem fazer críticas ao STF ou citar a operação.

Publicidade

A instituição reforçou que a defesa da liberdade de expressão "está implícita" na defesa da democracia. "Na defesa do Estado Democrático de Direito feita pela Fiesp e outras entidades, está implícita, obviamente, a defesa de todos os seus pilares, o que inclui a liberdade de expressão e de opinião e imprensa livre", diz a nota da Fiesp. "Esses são valores inegociáveis", ressalta a entidade ao encerrar a nota.

A carta "pró-democracia" da USP foi assinada por mais de 1 milhão de brasileiros. Entre eles, juristas, políticos, banqueiros, empresários, economistas, músicos, artistas, escritores, docentes da universidade e de outras instituições de ensino, além de cientistas políticos e jornalistas.

Um dos trechos da carta-manifesto da USP diz que "no Brasil atual, não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado". Em matéria recente, a Gazeta do Povo listou 10 apoiadores de ditaduras que assinaram a carta sobre democracia, como o próprio Lula e outros políticos e artistas.

Instituições e articuladores das cartas asseguraram também que não haveria motivação eleitoral. Na Fiesp e na Faculdade de Direito da USP, o argumento é de que ambos os manifestos foram propostos com o único intuito de apoiar a democracia, não endereçar críticas a Bolsonaro ou apoiar Lula ou qualquer outro candidato.

"Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática", diz a carta da USP.

Publicidade

Críticas às cartas

As criticas aos apoiadores da carta pela democracia se intensificaram nos últimos dias, após o silêncio em relação à determinação de Moraes contra empresários. O presidente Jair Bolsonaro (PL) relacionou os dois fatos em uma publicação no Twitter.

"Respeitar a democracia é muito diferente de assinar uma 'cartinha'. Honrar a Constituição, em especial direitos e garantias fundamentais, é o que diferencia DEMOCRATAS de DEMAGOGOS", escreveu o candidato que tenta reeleição à Presidência da República.

O ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato ao governo de São Paulo, também criticou o fato de apoiadores de regimes autoritários e ditaduras terem apoiado as cartas. "Acho o ‘fim da picada’ haver pessoas assinando a carta se dizendo defensores da democracia no Brasil, mas defendendo ditadura na Nicarágua, na Venezuela. Não faz o menor sentido", disse.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]