Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Silêncio perante abusos

De Silveira a presos do 8/1: sete omissões da pasta de Direitos Humanos de Lula

O MDHC não se manifestou a respeito de denúncias de ilegalidades nos processos que envolvem Daniel Silveira e presos do 8 de janeiro
O MDHC não se manifestou a respeito de denúncias de ilegalidades nos processos que envolvem Daniel Silveira e presos do 8 de janeiro (Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados/Arquivos pessoais)

Ouça este conteúdo

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) está calado diante da denúncia de tortura contra o ex-deputado federal Daniel Silveira. Quatro dias após obter liberdade condicional, o ex-parlamentar foi preso novamente no complexo penitenciário de Bangu, no Rio de Janeiro, por ir ao médico. A prisão ocorreu na véspera de Natal e Silveira logo precisou de atendimento no cárcere, com fortes dores e urina com sangue.

Segundo o ministro Alexandre de Moraes, do STF, Silveira voltou ao cárcere por descumprir o horário de recolhimento exigido para liberdade condicional, pois não recebeu autorização judicial para ir ao médico. No entanto, a defesa aponta que “uma pessoa com crise renal não pode esperar liberação do judiciário”, afirmou o advogado Paulo Faria, pontuando que negar esse cuidado com a saúde é violar direitos. “Tortura é o significado disso”, avaliou.

A Gazeta do Povo procurou o MDHC para verificar o posicionamento da pasta a respeito da denúncia de tortura e também em relação ao fato de Silveira ter sido preso sem audiência de justificação e sem intimação da defesa, como apontou o Movimento Advogados de Direita Brasil.

Entretanto, a pasta não respondeu até publicação desta reportagem, e o silêncio é o mesmo em relação às denúncias de violações de direitos nos casos do 8 de janeiro. “A Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura que todos têm direitos iguais, independentemente de sua opinião política”, ressalta o advogado Hélio Junior, ao citar que “a falta de manifestação e intervenção do MDHC representa falência na sua missão de proteger todos os cidadãos, sem exceção”.

“A Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura que todos têm direitos iguais, independentemente de sua opinião política”

Hélio Junior, advogado de presos do 8 de janeiro

Entre as ilegalidades denunciadas por advogados dos réus e ignoradas pelo MDHC estão cerceamento de defesa, prisões com excesso de prazo, punições irrazoáveis e quebras de tratados internacionais como a Convenção sobre os Direitos da Criança. A Gazeta do Povo separou alguns casos, além de Daniel Silveira, divulgados em 2024. Veja quais são:

Mãe de duas crianças é mantida presa por mais de 14 meses, sem denúncia

A cabeleireira Débora Rodrigues, que não entrou em nenhum prédio público durante os atos de 8 de janeiro, mas foi fotografada escrevendo, com batom, a frase “Perdeu Mané” na estátua em frente à sede do STF, segue presa por quase dois anos, apesar de ser mãe de dois meninos – de 6 e 9 anos.

A decisão contraria jurisprudência do próprio STF que, em 2018, “concedeu Habeas Corpus coletivo [143641/SP] para favorecer todas as mulheres presas que se encontravam nessa situação”, recordou o jurista Rodrigo Chemim, doutor em Direito de Estado, em reportagem produzida em junho deste ano.

Além disso, a mulher passou mais de 420 dias presa sem denúncia e, quando o MP apontou seus crimes, a única infração citada foi a pichação com batom que, segundo seu advogado na época, Ranieri Gonçalves Martini, “poderia ser penalizada, no máximo, com prestação de serviços comunitários”, assim como ocorreu com o indivíduo que colocou fogo na estátua Borba Gato na cidade de São Paulo, em julho de 2021.

Um ano depois de espalhar pneus ao redor desse monumento e incendiá-lo, o homem foi condenado a três anos, um mês e 15 dias de reclusão em regime aberto, e teve sua pena substituída por prestação de serviços comunitários.

De acordo com a defesa, o tratamento é muito diferente do oferecido a Debora, que permanece presa e, após a repercussão do seu caso, foi transferida para uma penitenciária distante dos filhos. A reportagem entrou em contato com o Ministério dos Direitos Humanos para perguntar se o então ministro Dr. Silvio Almeida se manifestaria a respeito, mas não foi atendida.

No e-mail, a equipe cita uma fala de Almeida à BBC News Brasil, em 2023, quando ele afirmou que falar de direitos humanos é tratar, por exemplo, “das pessoas que estão encarceradas e impedir que elas sejam submetidas a situação de tortura”.

Sem denúncia, pai de bebê é mantido preso por mais de 18 meses

Outro caso é o do ex-policial militar Marco Alexandre Machado de Araújo, preso por 18 meses, sem denúncia do Ministério Público (MP) ou provas de que tenha cometido crime. O homem é pai de quatro filhas, a mais nova de apenas 11 meses.

Em reportagem publicada no mês de outubro, o jurista Gauthama Fornaciari, advogado e professor de Direito Penal, informou que o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF) estabelece prazo de 60 dias para investigação dos inquéritos que tramitam na Corte.

Ainda de acordo com Fornaciari, após esses dois meses, a denúncia deve ser oferecida em 15 dias, que podem ser prorrogados. Caso contrário, o indivíduo precisará ser liberado, com ou sem medidas cautelares, como prevê o artigo 319 do Código de Processo Penal.

“Isso, inclusive, estaria em conformidade com o artigo 7.5 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, incorporado ao direito interno em 1992”, aponta o jurista, citando que, pelo documento, toda pessoa “tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade”.

Porém, o advogado de defesa Geovane Veras garante que o prazo aguardado por Marco está muito longe do razoável, já que deveria ter sido revisado ao menos seis vezes, enquanto seu cliente segue preso, em condições “desumanas”. A situação levou o ex-policial, inclusive, a ser transferido para a ala psiquiátrica do presídio, e suas filhas fazem uma campanha de envio de cartas para tentar ajudar o pai.

O MDHC foi procurado em outubro para se manifestar sobre o caso, mas não respondeu à reportagem.

Presa do 8 de janeiro ficou sem contato com advogado por cinco meses

Com 17 anos de condenação pelos atos do 8 de janeiro de 2023, a mineira Jaqueline Freitas Gimenez está no Presídio Feminino de Juiz de Fora, onde passou cinco meses sem contato com seu advogado. “Um completo desrespeito ao direito de defesa”, apontou o advogado Hélio Junior.

Segundo ele, a única vez que falou com a dona de casa foi na data da prisão, em 23 de maio, pois o estabelecimento prisional recusou atendimento por videoconferência, e a família da mulher não tem condições financeiras para viagens do advogado. “Essa situação evidencia uma grave violação dos direitos humanos”, aponta.

A Gazeta do Povo procurou o Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania para se manifestar sobre o caso, mas não obteve resposta. Após a divulgação do caso, no entanto, Jaqueline conseguiu conversar com a equipe de defesa, e um Projeto de Lei (PL) sobre o tema começou a tramitar no Congresso Nacional para garantir o direito de todo indivíduo preso ser assistido por advogado, de forma presencial ou online, em qualquer localidade do Brasil.

Mais de 15 meses sem ver a família por não se vacinar contra Covid

Em julho, a Gazeta do Povo também publicou reportagem sobre o mecânico gaúcho Gilberto da Silva Ferreira, de 49 anos. Ele ficou mais de 15 meses sem receber visita da esposa e das filhas — uma menor de idade — por não ter sido vacinado contra a Covid-19. “Nunca pensei que enfrentaria algo assim”, relatou a esposa Elisandra Marques, que só se comunicou com o marido por cartas entre março de 2023 e junho de 2024.

Segundo ela, ligações de áudio eram raras e nunca foi feita uma chamada de vídeo para que a família visse Gilberto. “Até para levar itens de necessidade para ele tinha que comprovar três doses da vacina”, menciona a mulher.

Além disso, o homem ficou cerca de 16 meses preso sem denúncia do Ministério Público que apontasse os crimes que supostamente teria cometido. E “se você não tem prova de crime para acusar, você também não tem para prender”, explicou Deltan Dallagnol, ex-deputado federal e ex-procurador da República responsável pela Operação Lava Jato.

Para a defesa de Gilberto, isso viola o princípio da presunção de inocência, mas tem sido negligenciado no processo. “O réu deve aguardar o julgamento em liberdade porque ainda não tem sentença e não pode ser considerado culpado”, informou o advogado Gustavo Nagelstein na reportagem. “Esse argumento vale para todos os crimes, seja homicídio ou tráfico de drogas, e o fato de ser desconsiderado aqui nos deixa perplexos”, continuou à época.

A Gazeta do Povo solicitou posicionamento do MDHC a respeito do tempo que um indivíduo pode ficar encarcerado sem denúncia e sem visita de familiares, mas a pasta não respondeu.

Preso do 8 de janeiro sofre agressões físicas na Papuda

“Juntaram os presos no pátio e bateram no meu filho”, denunciou o brasiliense Evandro Soares, em junho deste ano, ao informar que o bacharel em Direito, Lucas Costa Brasileiro, foi agredido por policiais penais na Papuda, em Brasília. O rapaz de 29 anos foi preso preventivamente por participar dos atos do 8/1.

Em nota, a Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape-DF) informou na época que Lucas foi conduzido ao Instituto Médico Legal (IML) para “realizar exames de praxe”, e que um procedimento administrativo havia sido instaurado para investigar o caso. A pasta não deu detalhes a respeito dos fatos.

À Gazeta do Povo, o pai relatou que as agressões ocorreram dia 10 de junho, mas o filho foi levado para realizar exame de corpo de delito quatro dias depois. “Ele pediu para registrar boletim de ocorrência na delegacia, porém não o levaram”, denunciou o pai.

Mais uma vez, a reportagem tentou contato com o MDHC solicitando posicionamento a respeito, mas não teve retorno.

Moraes bloqueia verba alimentar de mãe que recebe Bolsa Família

Além das denúncias de ilegalidades envolvendo prisões, centenas de envolvidos no 8 de janeiro tiveram contas bancárias bloqueadas, como ocorreu com a paulista Rieny Munhoz Marcula Teixeira, que ficou sem a única verba alimentar usada para sustentar o filho de 12 anos.

O caso foi publicado pela Gazeta do Povo no primeiro semestre deste ano, quando a mulher denunciou que seu Bolsa Família e Auxílio Gás estavam retidos. “É desesperador saber que amanhã você não terá o que comer”, lamentou a moradora de Campinas em entrevista à Gazeta do Povo no dia 16 de maio.

Ao analisar o caso, a especialista em Direito Criminal Carolina Siebra informou que a Justiça não pode bloquear contas e o recebimento de recursos como esse se o indivíduo é apenas investigado, sem condenação ou, sequer, uma denúncia. Na época do bloqueio, Rieny era citada nas investigações dos atos do 8 de janeiro, mas ainda não existia ação aberta contra ela, nem denúncia formalizada.

Além disso, a advogada de defesa Valquiria Durães pontuou que valores destinados à família, como verba alimentar, são impenhoráveis e, portanto, não podem ser retidos pelo Estado. “Há na Justiça esse princípio da dignidade humana, então é necessário deixar meios para que a pessoa consiga sobreviver, e o Ministério dos Direitos Humanos (MDH) deveria estar atento a isso”, alertou a advogada, à época.

Como nos demais casos, a reportagem procurou o MDHC no dia 13 de maio para pedir o posicionamento da pasta. Entretanto, a resposta no Ministério dos Direitos Humanos, mais uma vez, foi o silêncio.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.