A sindicância do Conselho Regional de Medicina (CRM) do Paraná concluiu que há indícios de que a médica Virgínia Soares de Souza antecipou mortes na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Evangélico. De acordo com o documento, assinado pelo conselheiro Miguel Ibraim Aboud Hanna Sobrinho e obtido com exclusividade pela Gazeta do Povo, a médica pode ter "praticado ou indicado atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação vigente no país" (veja infográfico). O relatório, datado de 23 de setembro deste ano, foi anexado ao processo contra Virgínia, na 2.ª Vara do Tribunal do Júri, nesta semana.
A investigação do CRM pede abertura de processo ético contra a ex-chefe da UTI do Evangélico, além dos médicos Edison Anselmo da Silva Júnior e Anderson de Freitas, também arrolados na ação penal por homicídio duplamente qualificado. "Analisando o prontuário dos pacientes não foi possível encontrar, apesar da explicação do profissional, respaldo técnico e científico [para os procedimentos médicos adotados] (...)", afirma o conselheiro no documento, no caso de Anselmo. Segundo Hanna Sobrinho, ele e Freitas podem ter cometido as mesmas infrações que Virgínia.
Ainda sobre ela, o CRM explica que há indícios de que documentos médicos podem ter sido expedidos sem motivo. Segundo fontes do Ministério Público (MP), existe a suspeita de que prontuários foram modificados no decorrer dos internamentos.
A médica Maria Israela Cortez Boccato não foi incluída no processo ético em razão de, segundo o CRM, não ter indícios de infrações cometidas por ela. Outra médica, investigada no inquérito policial, mas sequer denunciada pelo MP, também não será inquirida em processo.
A sindicância é uma etapa inicial para investigação de médicos nos conselhos regionais que dura 60 dias, prorrogáveis por mais dois meses. O caso já virou processo ético, de acordo com a própria defesa da médica Virgínia. O CRM foi procurado, pela reportagem, mas não se manifestou até o fechamento desta edição. Médicos citados em um processo ético têm 30 dias para apresentar defesa prévia.
O caso
Em fevereiro deste ano, Virgínia foi presa pelo Núcleo de Repressão aos Crimes Contra Saúde (Nucrisa), da Polícia Civil. A polícia e o MP atribuem a ela e a mais cinco profissionais que trabalharam no Evangélico, dentre eles os três médicos investigados pelo CRM, sete mortes ocorridas entre 2006 e janeiro deste ano. Um dos objetivos, de acordo com o Ministério Público, na época, era "girar a UTI". O MP relatou que os profissionais agiam como se tivessem o poder de decretar a morte das vítimas, além de escolherem quais pacientes teriam o direito de permanecer vivos no centro médico.
Médica assinava a maioria dos procedimentos adotados na UTI
A investigação do Conselho Regional de Medicina (CRM) revela que a médica Virgínia Souza confirmou que a maior parte das prescrições e das anotações sobre a evolução do quadro clínico estava no nome dela, mesmo que não fosse a plantonista daquele período. "[Ela] reconheceu que em alguns dos pacientes citados nesta sindicância a evolução descrita no prontuário não fora realizada adequadamente, uma vez que nem todos foram submetidos a manobras de ressuscitação cardiopulmonar."
O documento afirma ainda que Virgínia disse em depoimento na sindicância que reduzia os parâmetros de ventilação por "intratabilidade" e utilizava medicamentos aplicados por via venosa "como medida de conforto". Segundo a denúncia do Ministério Público (MP), os médicos prescreviam "medicamentos bloqueadores neuromusculares normalmente empregados em medicina intensiva para otimização de ventilação artificial".