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Heloíze Melo, 25 anos, acaba de se formar em Administração de Empresas, mas não quer nem tocar no assunto. Os tempos de ensino superior não foram os melhores anos do resto de sua vida. Em 2001, quando estava para ingressar no último período da graduação, soube que não teria mais como negociar o rombo de um semestre com a PUCPR. Ela já tinha passado por apertos monetários, sabia que seu caso era complicado, mas ainda havia uma bala na agulha – estava em dias de se formar e contava que ninguém iria lhe tirar a beca bem na hora do "eu juro". Não foi o que aconteceu. Com os nervos à flor da pele, sem dinheiro para a rematrícula e impossibilitada de fazer provas, abandonou a faculdade no melhor da festa – o momento em que todo mundo conta os minutos para a colação de grau. "Eu já tinha tirado até as fotos para a formatura."

Tempos depois, numa nova instituição, a Spei, Heloíze teve de enfrentar uma outra prova de fogo, tão ou mais cabeluda do que concurso do ITA. Foi desmatriculada. Sua documentação estava irregular, pois não apresentou o atestado de transferência. Prestou novo vestibular. A essa altura, porém, o estrago já estava feito. Ia passar quatro anos na faculdade, mas ficou oito. E a relação com as duas instituições, em vez de uma alegre recordação de mocidade, é ainda hoje motivo para um toró de lágrimas. Para a estudante, faltou sensibilidade para lidar com o seu caso, o que a levou a mover processo por danos morais contra as escolas superiores onde estudou. "Eu estava fazendo tratamento para depressão. Foi traumatizante", diz.

Heloíze faz parte de um grupo de aproximadamente 34 mil estudantes do estado – os inadimplentes. Segundo estimativa do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Paraná (Sinepe), cerca de 20% dos alunos da rede particular de terceiro grau (com 172 mil matrículas) encontram dificuldades na hora de acertar as contas no final do mês. Além de numerosos, os inadimplentes são muito "particulares". Filhos de pais que perderam poder aquisitivo ou jovens que trabalham duro para pagar os estudos, os devedores têm um patrimônio em comum: a frustração pelos anos perdidos – mesmo sabendo que a rede privada de ensino tem suas próprias regras. Para essa turma, a dívida não significa apenas uma saia-justa, mas um atentado à doce vita acadêmica – um rito de passagem tão importante quanto o primeiro beijo ou o primeiro emprego. Desmotivação, isolamento, rendimento baixo e tristeza digna de navio negreiro estão entre os sintomas de quem vê diminuírem as chances de ver as bexigas caírem do teto na noite da formatura.

João Carlos de Oliveira, 30 anos, era um aluno exemplar no curso de Jornalismo da PUCPR. Desertor da carreira de Engenharia Elétrica, no Cefet, suou frio, mas decidiu fazer o que gostava. Vendeu o carro, mudou para uma casa menor, botou freio nas baladas. Foi assim até ver a empresa em que trabalhava fechar as portas. Graduar-se virou um plano a perder de vista. "Terminei o quarto período. Fiz acordo do segundo e terceiro, mas não tinha como parcelar o que devia e continuar arcando com as mensalidades." Com matrícula trancada e dívida parcelada, João já botou na agenda que vai voltar à sala de aula no segundo semestre de 2006. Com sorte, ainda encontra algum camarada da turma original no corredor – despedindo-se da universidade. "Fui bem tratado pela instituição, não escondi dos colegas o que estava acontecendo e lidava bem com algumas sanções. Mas aquilo estava afetando meu rendimento. Não conseguia prestar atenção às aulas e faltava bastante. Achei melhor quitar e retornar depois", conta.

Anne Francieli Monteiro, 23 anos, ex-aluna do curso de Educação Física da Uniandrade, enfrentou mais turbulências do que João. Embora jurasse estar num tapete voador. Ao ingressar, foi como se tivesse sido beneficiada por uma conjugação perfeita dos astros. Era o curso que queria, ela arcaria com uma parcela das mensalidades e a família com outra. Em um ano, só sobrou a paixão pelos esportes e os boletos bancários atrasados. Nem os proventos de Anne nem os de seus benfeitores foram suficientes para cobrir as despesas. Uma carta notificando que o caso seria encaminhado para o Sistema de Proteção do Crédito foi o que faltava para decretar que o sonho tinha acabado. "Fiquei muito triste. Nem o Fies [programa de financiamento estudantil do governo federal] eu consegui", conta.

Desconforto

Para o professor José Manuel Caron Netto, presidente do Sinepe, o estado de inadimplência é obviamente desconfortável, mas não incorre necessariamente em culpa para a faculdade que cobra, negocia e impõe condições. "Quando um aluno entra numa escola particular sabe que está assumindo um compromisso por quatro-cinco anos. Infelizmente, ainda não temos a cultura familiar de se organizar previamente para arcar com os custos do ensino superior."

Enquanto esse dia não chega, cresce a consciência de que é preciso aprimorar políticas de "redução de traumas para devedores". Sentar e conversar com o aluno com contas no vermelho se tornou tão importante quanto oferecer-lhe as boas-vindas na semana do calouro. É próprio da educação, assim como exigência da nova ordem mundial. Fórmulas terroristas estão caindo em desgraça. Uma delas é a contratação de empresas especializadas em cobrança que confundam educando com devedor de prestação de máquina de lavar roupa. Definitivamente, essa roupa suja se lava em casa.

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