Incêndio na favela do Moinho, em São Paulo, ontem, deixou pelo menos 200 famílias desabrigadas| Foto: Daniel Teixeira/ AE

Incêndio mata uma pessoa e destrói favela

Um incêndio destruiu na manhã de ontem quase metade dos 600 barracos da favela do Moinho, na região central de São Paulo. Uma pessoa morreu e outras quatro – incluindo um bombeiro – ficaram feridas. Pelo menos 200 famílias ficaram desabrigadas e 11 pessoas foram resgatadas do fogo por helicópteros da Polícia Militar. A principal hipótese é de que o incêndio tenha sido criminoso.

O fogo teria começado nas proximidades de um prédio ocupado pelos moradores da favela no centro da comunidade. Bombeiros de toda a cidade ajudaram no combate às chamas, que começaram pouco depois das 9 horas. A favela ocupa uma área de 30 mil metros quadrados – 6 mil (20%) queimaram. Os três civis feridos teriam pulado do prédio em chamas, segundo os bombeiros. Duas pessoas tinham sinais de intoxicação e uma sofreu fratura. O fogo foi contido e ninguém corria risco de morte até a noite de ontem.

O prédio era habitado por cerca de 600 pessoas – parte delas, segundo os moradores, oriunda de despejos de outras ocupações. Durante os trabalhos de combate ao fogo, o soldado Ricardo da Conceição, 38 anos, foi atingido na cabeça por uma televisão que foi arremessada por um dos moradores. O acidente aconteceu quando as famílias tentavam salvar eletrodomésticos de seus barracos. Conceição foi levado para o Hospital das Clínicas, e permanecia em observação.

No fim do dia, a mulher acusada de ter colocado fogo no barraco, chamada apenas de Jussara, retornou à comunidade e escapou por pouco de ser linchada pelos moradores. Com a cabeça coberta por uma peruca de palhaço, foi perseguida pelo povo e levada pelos becos até um barraco. Com a ajuda de alguns colegas, líder comunitário Humberto Rocha tirou a suposta incendiária da favela e a entregou à Guarda Civil Municipal. "Ela foi reconhecida pelas pessoas, que a ouviram gritar que tinha botado fogo no barraco. Foi a segunda vez. Mas, como representante da comunidade, não permitiria que ela fosse morta", diz Rocha.

Agência Estado

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O aumento do número de pessoas vivendo em favelas no país na última década chama a atenção sobretudo por abranger os oito anos do governo Lula — época de economia em crescimento e de maior distribuição da renda, mas que não impediu esse viés negativo do ponto de vista habitacional. Se­­gundo um estudo divulgado esta semana pelo Instituto Brasi­­leiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tinha 6% da população morando em habitações precárias em 2010. O número representa 11,4 milhões de brasileiros, contra 6,5 milhões em 2000.

"Mesmo entrando dinheiro para as camadas menos favorecidas, sem uma regulação dos preços da terra e dos imóveis urbanos, elas continuarão sem ter acesso à casa própria. E, como consequência, morando em imóveis irregulares, de elevado risco e na periferia", ex­­plica a arquiteta Ermínia Mari­­cato, secretária de Habitação e Desen­­volvimento Urbano da prefeitura de São Paulo de 1989 a 1992.

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O risco a que essas pessoas estão submetidas pôde ser acompanhado ontem, durante o incêndio que atingiu a favela do Moinho, no centro da capital paulista (leia mais abaixo). Segundo Ermínia, a aplicação do Estatuto da Cidade, aprovado em 2001, ajudaria a corrigir essa distorção. Ela lembra que, quando o município, usando dinheiro público, leva benfeitorias como asfalto, água, esgoto e eletricidade a regiões sem infraestrutura, a valorização do bem vai para o bolso do dono do imóvel. As Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), previstas no Estatuto, corrigiriam isso. "O terreno só poderia ser usado para a construção de determinado imóvel, que seria vendido por um preço determinado para moradores de determinada faixa de renda."

Raquel Rolnik, outra referência em arquitetura e urbanismo no país, diz que é preciso certo cuidado na análise do levantamento de moradias irregulares. Para ela, além da mudança de metodologia, reconhecida pelo instituto, é preciso que se levem em conta outros fatores. "Na pesquisa não se levam em conta, por exemplo, loteamentos clandestinos. Nem grupamentos subnormais em número inferior a 51 moradias", diz. "O levantamento do IBGE é um retrato parcial da realidade, mostra apenas uma parte da precariedade urbanística do Brasil", acrescenta.

Roberto Romano, professor titular de Ética e Filosofia Política da Unicamp, afirma que o conflito entre a atual pujança econômica e o declínio habitacional do país apontado pelo estudo do IBGE remete aos tempos da ditadura militar. "Na época do governo do general Médici havia até uma frase para definir isso: ‘O país vai bem, mas o povo vai mal’." Romano até reconhece que nos últimos anos houve uma evolução nos ganhos da população de baixa renda, mas não o bastante para tirá-la da quase clandestinidade habitacional.

Mudança de critérios

O secretário da Habitação de São Paulo, Ricardo Pereira Leite, faz questão de frisar que os 41% de aumento das moradias irregulares no estado de São Paulo se devem a mudanças no critério de pesquisa. Como exemplo, cita que habitações que antes não eram consideradas subnormais agora aparecem assim enquadradas. "Nós [a prefeitura e o IBGE] trabalhamos com um número bem próximo de pessoas morando em favelas, de cerca de 1,3 milhão. Mas, nestes dez anos, o crescimento no números de habitantes desse tipo de moradia foi semelhante ao aumento populacional em São Paulo, da ordem de 3%."

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