O presságio de mais chuva, trazido por nuvens que encobriram União da Vitória ao amanhecer de ontem, tirou o sono do professor Dago Woehl, por volta das 6 horas da manhã. Em uma folha de almaço, ele anotou à caneta o nível do Rio Iguaçu dia a dia, nos meses de julho de 1983 e junho de 1992, tentando achar um número importante: qual o volume máximo de chuva pode cair desta vez, para que a situação da cidade que já é a mais arriscada do Paraná não se agrave.
Desde domingo, União da Vitória vive uma enchente de proporções semelhantes às do último grande evento do tipo, registrado em 1992. Quem estava lá, há 30 anos, sabe bem que o mais importante agora é não atingir a marca histórica de 1983, quando o Iguaçu chegou a 10,42 metros (em situações normais, o nível médio é de 2,75 metros). "Em 83, choveu 800 milímetros; em 92, 280 milímetros, praticamente a mesma coisa de 2014. Em dois dias, tivemos uma chuva equivalente a dois meses", resume Woehl, que é presidente da Ong Sociedade de Estudos Contemporâneos Comissão Regional Permanente de Prevenção Contra Cheias do Rio Iguaçu (Sec-Corpreri).
"No domingo, 10h30, começamos a ir às rádios avisar que o rio ia chegar a sete metros, às 7 da manhã [da segunda]. Quem acreditou saiu de casa", conta. A previsão como mais tarde a cidade percebeu era otimista demais. A chuva foi tanta que o nível passou a subir uma média de 12 centímetros por hora, chegando a 8,01 metros.
Na entrada da cidade, a igreja do bairro Navegantes, construída sugestivamente em forma de barco, "navega" ao lado das casas, tomadas por água até o telhado. Quem mora em sobrado ainda resiste no segundo andar, mas precisa de um bote para sair de casa. "Estamos morando aqui, mas, como o fornecimento de luz foi cortado, vamos tomar banho na casa de parentes", conta a professora Marcela Mazur, 25 anos, ao sair do barco, com uma sacola de roupas. "Eu moro no andar de baixo, por isso, perdi tudo. Mas a família vai voltar quando a água baixar", garante.
O sobrinho dela, Carlos André Rodrigues, 13 anos, é o responsável por transportar a vizinhança quase todos parentes no barquinho a remo da família. "Fui criado nas chuvas, estou acostumado." Ter um bote é comum entre moradores de União da Vitória, onde as enchentes são bastante frequentes. Mas, nessas proporções, garantem, talvez só a de 1992 mesmo. "No domingo de manhã, não tinha água e, à noite, estava tudo cheio. É difícil o rio chegar a sete metros, mas, dessa vez, chegou a oito", conta a técnica em enfermagem Gisele Ferreira de Paula, 23 anos. "Não tinha como fazer nada. É normal que o nível suba um ou dois centímetros por hora, mas domingo subiu 11. Quando chegou a três, já pensamos meu Deus."
Mesmo com os transtornos constantes, deixar o bairro não é alternativa cogitada pelas famílias. "Meu falecido avô construiu essa igreja, temos uma história aqui", afirma Carlos. No pavilhão da paróquia, onde são feitas as festas, a tia dele a dona de casa Lourdes Pires do Prado, 55 anos encontrou abrigo, com o marido, uma senhora de 72 anos e outras duas famílias. "Trouxe o que deu. Já havia perdido coisas na de 92, nas outras, nem tanto. Mas minha casa é antiga, de madeira. Dessa vez, deve ter abalado a estrutura, acho que não vai aguentar", lamenta ela, de cima do telhado.
Entre morros, região é propícia a inundações
Para o pesquisador Dago Woehl, a enchente só não foi mais arrasadora porque a represa de Foz do Areia, porta de entrada das usinas hidrelétricas do Rio Iguaçu, estava 29 metros abaixo do nível máximo, quando começou a chover forte, na madrugada de sábado passado. "Se estivesse cheio lá, a situação seria drástica. Ainda hoje [ontem], a usina está operando com 6 metros de água abaixo do nível de operação. Em função do volume, o foco é manter Foz do Areia 8 metros abaixo, por meio dos vertedouros."
Na semana passada, o nível do Rio Iguaçu era de pouco mais de um metro. Na manhã de ontem, as réguas instaladas ao lado de uma ponte em Porto União a gêmea catarinense de União da Vitória mostravam 7,95 metros de água. "Quando cai uma gota em Curitiba, leva sete dias para chegar aqui. Da foz do Rio Negro para cá, são 24 horas. Por isso, começamos a avisar a população", diz Woehl. Segundo ele, as enchentes no município são decorrentes de fatores geográficos. "É uma área de várzea, terrenos planos, com morros dos lados, que acumulam um grande volume de água. São 26 quilômetros de estreitamento do rio, em curvas, até Porto Vitória. Então, a água vai espraiando", explica.
União da Vitória