Estima-se que 40% da cidade, que tem 53 mil habitantes, esteja alagada. O nível da água deve levar 15 dias para baixar| Foto: Marcelo Andrade

Desespero

Mais de 12 mil pessoas tiveram de sair de casa

Cidade com mais desalojados e desabrigados do estado – segundo a Defesa Civil, são mais de 12 mil pessoas em casas de amigos e parentes e outras quase 400 em abrigos –, União da Vitória está em situação de calamidade pública desde a última terça-feira. Calcula-se que 40% da área da cidade, que tem 53 mil habitantes, está alagada. No Paraná, 32,6 mil pessoas ainda estão desalojadas e 3,4 mil permanecem em abrigos. Até a noite de ontem, 147 municípios tinham situação de emergência decretada. Após sobrevoar a região, o comandante da Defesa Civil estadual, capitão Emerson José Guimarães Ferreira, decidiu montar a base do órgão em União da Vitória, levando, inclusive, um helicóptero para a cidade. "Primeiro, fizemos um cadastro dos atingidos e começamos a ajuda humanitária, com o auxílio do Exército e de funcionários municipais. É uma logística de guerra."

Os donativos que chegam via população são concentrados pela Defesa Civil e distribuídos conforme a necessidade da população. "Ainda estamos em período de resposta, com as aulas interrompidas. A água deve levar uns 15 dias para baixar. Depois que se vai pensar em reconstrução. Nesse primeiro momento, pensamos em salvar vidas, não em salvar móveis, até porque não temos como parar um caminhão na frente de cada casa", diz o capitão Guimarães.

União da Vitória tem as áreas de risco mapeadas em um Plano de Contingência, mas retirar a população que resiste nelas, explica o chefe de operação municipal da Defesa Civil, Marco Antonio Coradin, não é tão simples. "Retiramos mais de 200 famílias, em 2013, para o Minha Casa Minha Vida, e o local desocupado vai virar um parque linear. O edital está aberto. Mas tem pessoas nessas áreas que moram em sobrados, não vão querer ir para uma casa de 50 metros."

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Governo federal diz ter liberado R$ 3,9 mi ao PR

Kelli Kadanus, especial para a Gazeta do Povo

O governo federal informou na noite de ontem que já liberou, por meio do Ministério da Integração Nacional, R$ 3,9 milhões em recursos para o Paraná para atender as vítimas das enchentes que atingiram o estado.

Em nota, o Ministério afirma que foram enviados ao estado 2,4 mil kits de alimentos (no valor de R$ 346,8 mil), 4,2 mil kits de dormitórios (R$ 649,8 mil), além de apoio com helicópteros do Exército (R$ 90 mil), instalação de uma ponte móvel (R$ 150 mil) e ações de socorro do Exército (R$ 105 mil).

Segundo o governo federal, mais 10 mil kits de alimentos (no valor de R$ 825,8 mil), 8 mil kits dormitórios (R$ 1,3 mil) e mais duas pontes móveis (R$ 420 mil) estão em fase de liberação. O trâmite é executado pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil.

A reportagem tentou entrar em contato com a Defesa Civil do Paraná para mais esclarecimentos sobre os recursos recebidos do governo federal, mas não conseguiu.

Mais chuva

Segundo o Simepar, uma nova frente fria deixará o tempo instável no Oeste, Sul e Sudoeste do Paraná, e no sábado se alastra para outras regiões. Em alguns pontos, a chuva pode ficar forte, mas não será tão contínua ou em grande quantidade como no último fim de semana. A precipitação expressiva do Oeste ao Centro-Oeste catarinense também colabora para a elevação dos níveis de alguns rios e afluentes que fazem parte da bacia hidrográfica da metade sul paranaense.

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O professor Dago Woehl monitora as águas do Iguaçu. Nem ele esperava um estrago como o registrado em 1992
Carlos, 13 anos, transporta a família em um pequeno bote. Em União da Vitória, quase todo mundo tem um
Na foto, Manoel Leandro Rodrigues, 70 anos, o
Como as enchentes são comuns em União da Vitória, moradores costumam ter barcos em casa. No bairro Navegantes como em outras regiões alagadas, pelo toque de recolher, a população circula só até as 20 horas
Na foto, a Igreja no bairro Navegantes, construída em formato de barco por antigo morador cuja família ainda reside no local. A edificação também foi atingida pelas chuvas
Exército trabalha com a Defesa Civil na entrega de donativos para as famílias
Vista geral da cidade que teve 40% da área tomada pela enchente
Bairro ao lado da Ponte de Ferro, na divisa com Porto União, a
Na foto, ruas e casas alagadas no Bairro São Bernardo
O professor e pesquisador Dago Woehl, presidente da ONG Sec-Corpreri, monitora incessantemente o Rio Iguaçu.
Criança brinca em rua alagada no bairro do Limeira
Rodovia BR-476, perto de União da Vitória
Donativos chegam à população do bairro do Limeira, um dos mais carentes e afetados do município
Casa inundada no bairro do Limeira
Casa inundada no bairro do Limeira
O Prefeito de União da Vitória, Pedro Ivo, recebeu o governador Beto Richa
Salão paroquial da Igreja do bairro Navegantes. Três famílias estão abrigadas no local
Na foto, Manoel Leandro Rodrigues, 70 anos, o

O presságio de mais chuva, trazido por nuvens que encobriram União da Vitória ao amanhecer de ontem, tirou o sono do professor Dago Woehl, por volta das 6 horas da manhã. Em uma folha de almaço, ele anotou à caneta o nível do Rio Iguaçu dia a dia, nos meses de julho de 1983 e junho de 1992, tentando achar um número importante: qual o volume máximo de chuva pode cair desta vez, para que a situação da cidade – que já é a mais arriscada do Paraná – não se agrave.

Desde domingo, União da Vitória vive uma enchente de proporções semelhantes às do último grande evento do tipo, registrado em 1992. Quem estava lá, há 30 anos, sabe bem que o mais importante agora é não atingir a marca histórica de 1983, quando o Iguaçu chegou a 10,42 metros (em situações normais, o nível médio é de 2,75 metros). "Em 83, choveu 800 milímetros; em 92, 280 milímetros, praticamente a mesma coisa de 2014. Em dois dias, tivemos uma chuva equivalente a dois meses", resume Woehl, que é presidente da Ong Sociedade de Estudos Contemporâneos – Comissão Regional Permanente de Prevenção Contra Cheias do Rio Iguaçu (Sec-Corpreri).

"No domingo, 10h30, começamos a ir às rádios avisar que o rio ia chegar a sete metros, às 7 da manhã [da segunda]. Quem acreditou saiu de casa", conta. A previsão – como mais tarde a cidade percebeu – era otimista demais. A chuva foi tanta que o nível passou a subir uma média de 12 centímetros por hora, chegando a 8,01 metros.

Na entrada da cidade, a igreja do bairro Navegantes, construída sugestivamente em forma de barco, "navega" ao lado das casas, tomadas por água até o telhado. Quem mora em sobrado ainda resiste no segundo andar, mas precisa de um bote para sair de casa. "Estamos morando aqui, mas, como o fornecimento de luz foi cortado, vamos tomar banho na casa de parentes", conta a professora Marcela Mazur, 25 anos, ao sair do barco, com uma sacola de roupas. "Eu moro no andar de baixo, por isso, perdi tudo. Mas a família vai voltar quando a água baixar", garante.

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O sobrinho dela, Carlos André Rodrigues, 13 anos, é o responsável por transportar a vizinhança – quase todos parentes – no barquinho a remo da família. "Fui criado nas chuvas, estou acostumado." Ter um bote é comum entre moradores de União da Vitória, onde as enchentes são bastante frequentes. Mas, nessas proporções, garantem, talvez só a de 1992 mesmo. "No domingo de manhã, não tinha água e, à noite, estava tudo cheio. É difícil o rio chegar a sete metros, mas, dessa vez, chegou a oito", conta a técnica em enfermagem Gisele Ferreira de Paula, 23 anos. "Não tinha como fazer nada. É normal que o nível suba um ou dois centímetros por hora, mas domingo subiu 11. Quando chegou a três, já pensamos ‘meu Deus’."

Mesmo com os transtornos constantes, deixar o bairro não é alternativa cogitada pelas famílias. "Meu falecido avô construiu essa igreja, temos uma história aqui", afirma Carlos. No pavilhão da paróquia, onde são feitas as festas, a tia dele – a dona de casa Lourdes Pires do Prado, 55 anos – encontrou abrigo, com o marido, uma senhora de 72 anos e outras duas famílias. "Trouxe o que deu. Já havia perdido coisas na de 92, nas outras, nem tanto. Mas minha casa é antiga, de madeira. Dessa vez, deve ter abalado a estrutura, acho que não vai aguentar", lamenta ela, de cima do telhado.

Entre morros, região é propícia a inundações

Para o pesquisador Dago Woehl, a enchente só não foi mais arrasadora porque a represa de Foz do Areia, porta de entrada das usinas hidrelétricas do Rio Iguaçu, estava 29 metros abaixo do nível máximo, quando começou a chover forte, na madrugada de sábado passado. "Se estivesse cheio lá, a situação seria drástica. Ainda hoje [ontem], a usina está operando com 6 metros de água abaixo do nível de operação. Em função do volume, o foco é manter Foz do Areia 8 metros abaixo, por meio dos vertedouros."

Na semana passada, o nível do Rio Iguaçu era de pouco mais de um metro. Na manhã de ontem, as réguas instaladas ao lado de uma ponte em Porto União – a gêmea catarinense de União da Vitória – mostravam 7,95 metros de água. "Quando cai uma gota em Curitiba, leva sete dias para chegar aqui. Da foz do Rio Negro para cá, são 24 horas. Por isso, começamos a avisar a população", diz Woehl. Segundo ele, as enchentes no município são decorrentes de fatores geográficos. "É uma área de várzea, terrenos planos, com morros dos lados, que acumulam um grande volume de água. São 26 quilômetros de estreitamento do rio, em curvas, até Porto Vitória. Então, a água vai espraiando", explica.

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União da Vitória