Generosidade que emociona
A reportagem não encontrou ninguém que estivesse precisando de doação e não tenha sido atendido. Moradores atingidos dizem não ter passado fome nem frio. Muitos, inclusive, elogiaram a qualidade do material doado e se emocionam com a solidariedade dos brasileiros. "Se alguém disser que não ganhou nada, é mentira. Só se ficou sentado em casa e não veio reclamar", afirma o coordenador de Suprimentos da prefeitura de Ilhota, Ivanor Januário.
Minas evitou campanha
Para evitar desvios e irregularidades nas doações, Minas Gerais evitou fazer campanha de arrecadação de donativos e abrir contas bancárias. O estado também sofre consequências das chuvas 119 municípios decretaram situação de emergência. A Defesa Civil informa que o estado se preparou: como aconteceu em anos anteriores, foram estocados mantimentos e, por enquanto, Minas não necessita de doações.
Itajaí e Ilhota - Pode ser rico ou pobre, ter perdido a casa ou não. Qualquer um que chega aos três depósitos de doações de Ilhota, o município de Santa Catarina que registrou mais mortes por causa da chuva e dos delizamentos de novembro passado (47 no total), consegue levar roupas e sapatos. Quem trabalha nos depósitos já viu gente com carro importado e notebook debaixo do braço levando peças doadas. Como está sobrando, os voluntários deixam pegar. Para roupas, não há mais controle vai da consciência de cada um.
Depois de dois meses da tragédia provocada pela chuva em Santa Catarina, os depósitos de doação ainda estão cheios de peças. A Defesa Civil Estadual estima que recebeu cerca de 1 milhão de quilos de roupas, dos quais 300 mil quilos foram distribuídos. O órgão confirma que ainda há muito material que precisa ser lavado e selecionado, além da parcela que não poderá ser aproveitada pelo mau estado de conservação. Ainda assim, são 700 mil quilos estocados.
Dos alimentos e água mineral que chegaram, boa parte já foi consumida. Já o excesso de peças do vestuário provocou desvios nos municípios, que vão desde a venda para compra de drogas ao abandono de objetos em terreno baldio.
No início da tragédia, por exemplo, uma moça chegou à casa da diarista Fabiana Bento oferecendo uma cesta básica a R$ 4. Fabiana mora num bairro carente de Itajaí, o Cidade Nova, um dos mais atingidos pela chuva, e viu que a cesta básica era a que o Exército estava distribuindo. Também percebeu que a mulher era usuária de drogas. "Sabia que ela ia usar o dinheiro para comprar droga", afirma Fabiana. "Mas vou dizer a verdade: eu ia comprar se tivesse o dinheiro porque tenho cinco filhos e sabia que outro ia comprar."
A presidente da associação de moradores do bairro, Ivana Zilda Rebello, diz que os "casqueiros", como são conhecidos os usuários de crack, pegavam doação e a vendiam para comprar droga. "Quem era de fora e não conhecia acabava dando para eles", afirma a líder comunitária. Zilda teve que controlar as doações que foram feitas na comunidade e diz ter tido uma baita dor de cabeça.
O clima na comunidade é de desconfiança. Enquanto Zilda abria as portas do centro comunitário, na última quarta-feira, uma moradora se aproximou: "Isso, abre mesmo porque quero ver se não tem água ali. Me disseram que tinha água de garrafa e nós aqui precisando porque não podemos tomar a da torneira". Zilda abriu o centro e o que se viu foi só roupa que estava sobrando.
Irregularidades
O primeiro escândalo noticiado de desvio de doações envolveu o Exército e voluntários em Blumenau. Eles foram flagrados pela RBS-TV separando roupas na central de doações da Vila Germânica e as levando para casa. A segurança foi reforçada e uma empresa foi contratada para fazer o controle. O Exército abriu investigação e a Polícia Civil instaurou inquérito contra os voluntários, que podem receber pena de 2 a 12 anos de prisão.
Roupas que supostamente tinham sido doadas foram encontradas em terrenos baldios de Palhoça, Camboriú e Itajaí. Há duas semanas, em Ilhota, quase uma tonelada de donativos foi destruída em um incêndio que atingiu o salão paroquial da Capela São Luiz Gonzaga. O coordenador de Suprimentos da prefeitura, Ivanor Januário, não descarta a possibilidade de o incêndio ter sido criminoso, mas aguarda o laudo da perícia. As roupas que estavam no galpão seriam enviadas ao Nordeste do país.
Destino
Cada município está dando uma destinação às roupas em excesso. Ilhota irá enviá-las para o Nordeste, com o apoio da ONG Visão Mundial. "Tem muita roupa que não combina com a realidade do pessoal atingido no Morro do Baú (localidade rural). O Baú não era um lugar carente. Aí, a doação chega e o pessoal não vai querer uma camisa assim. E em algum lugar essa camisa é a solução", diz o coordenador Januário.
A "realidade" a que Januário se refere é da condição de vida dos moradores do Morro do Baú, onde o salário inicial em uma serraria é de R$ 900, trabalhando de segunda a sexta-feira. A maioria da população tinha casa confortável e carro na garagem.
Já em Itajaí, a secretária municipal da assistência social, Rosane Casas, explica que a cidade está selecionando as doações para serem reaproveitadas. Ela lembra que muitas doações foram armazenadas em local errado e não poderão mais ser doadas. "Aquilo que não presta vai ser usado. Estou conversando com grupo de oficineiros para (o resto) ser transformado em chaveiro, colcha, tapete", afirma. Ela chegou a entrar em contato com um prefeito de Minas Gerais, que disse que o município não tinha sido atingido e recusou a oferta de donativos.
As doações que estão a cargo do estado estão sendo estocadas. A assessoria de imprensa da Defesa Civil Estadual explica que o estoque tem que ser mantido, já que muitas pessoas precisam de roupa e calçados e não vão buscá-los porque não têm local para guardá-los. O excesso será encaminhado para associações que o estado está mapeando.
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