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Na casa de Pablo Neruda em Valparaíso há uns livros trancados em uma estante envidraçada. Estão identificados como edições originais da Enciclopédia de Diderot e D’Alembert. Naqueles livros, acreditavam os editores, estava todo o conhecimento acumulado pelo ser humano até o século 18. Em resumo, era uma internet de papel. Não lembro se li no museu ou no guia de viagem: aquela coleção de livros raros era um dos gastos feitos por Neruda com o dinheiro do Nobel de Literatura, que ganhara em 1971. No ano passado, o prêmio dado foi de US$ 1,2 milhão, então podemos supor que foi um valor equivalente a esse que o chileno ganhou. Fora a compra da Enciclopédia, ele teria usado o dinheiro para desfrutar de bons vinhos e boas refeições.

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Não consegui checar se a informação é verdadeira, nem quanto havia sobrado do milhão de dólares quando Neruda morreu, menos de dois anos depois de receber o prêmio. Li a autobiografia dele na adolescência, mas de Confesso que Vivi só me recordo dos encontros do poeta com mineiros chilenos, quando estes declamavam seus poemas, que sabiam de cor.

Esquecemos muito, não é mesmo, leitor? Eu, pelo menos, esqueço. Mais me esqueço que me lembro. Do Chile me ficou uma ou outra paisagem e essa história encantadora sobre a gastança de Neruda com comida, vinhos e livros raros. Achei inspiradora.

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Neruda seria um bom conselheiro para Gloria MacKenzie, que aos 84 anos levou o maior prêmio de uma loteria americana: US$ 590 milhões. A aposentada levou o prêmio em maio, demorou a ir buscar a bolada e, em seguida, apareceu em público acompanhada pelo filho e pelo companheiro deste, carregando um pacote com o resto do jantar no restaurante. Creio que o fato de dona Gloria continuar carregando os leftovers para casa é um bom sinal. Ela não mudou.

Para aconselhar a nova milionária sobre o que fazer com os US$ 370,8 milhões que embolsou (o resto foi engolido pelos impostos), a revista inglesa The Economist, uma especialista em dinheiro, recorreu a um livro recém-lançado no Reino Unido, Happy Money ("Dinheiro Feliz"), de Elizabeth Dunn e Michael Norton. Segundo os autores, o dinheiro nos faz felizes quando compra experiências e não quando compra bens. Traduzindo (do jeito que entendi): viajar te faz mais feliz que comprar móveis bonitos; ir a shows e concertos produz mais satisfação que um carrão na garagem. É por isso, concluo, que os consumidores compulsivos têm mais prazer na antecipação da compra, no momento em que estão na loja, escolhendo, experimentando, pagando e saindo com a sacola do que depois, em casa, quando até esquecem daquilo que compraram.

Também é por isso (mas não só por isso) que as autoras de Happy Money chegaram à conclusão de que dar um presente para alguém ou fazer uma doação pode ser mais gratificante que gastar todo o dinheiro consigo próprio. Presentear e doar são vivências, são experiências. Ter é só isso – posse.

Se ainda há espaço para pesquisadores publicarem livros sobre isso é porque a obviedade foi enterrada pelo consumismo. Até o governo brasileiro acreditou que, dando ao povo a chance de comprar automóvel e televisão, tudo ficaria bem. O barulho nas ruas mostra que foi uma aposta tolinha, tolinha...

Esperto mesmo é meu colega Luiz Alfredo Malucelli, o Malu. Certa vez escrevi nesta coluna sobre loterias e ele me telefonou para contar sua experiência pessoal. O Malu disse que costumava jogar na loteria esportiva. Uma tarde, se pôs a pensar sobre o que faria caso ganhasse uma bolada. Imaginou as reações das pessoas ao seu novo status de milionário, antecipou os pedidos que receberia, devaneou sobre as mágoas de quem não compartilhasse seu butim. Ficou tão apavorado com o que imaginou que nunca mais fez uma aposta na vida.

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