Vários dos amigos de Cláudia Wasilewski pensaram em fazer a mesma piada. "Você já se integrou ao protesto dos estudantes?", perguntou um deles à dona de casa de 44 anos. A graça da anedota está nas múltiplas ligações de Cláudia com o movimento estudantil. Vizinha da União Paranaense dos Estudantes Secundaristas (Upes), no Juvevê, em Curitiba, ela reagiu à demolição da sede com o senso de proximidade que se imagina existir em uma ex-militante.
Os estudantes estão acampados entre os escombros desde o último dia 8, para impedir a tomada definitiva do terreno pela empresa que alega ser proprietária do local. Prometem permanecer até a instalação de uma nova sede pré-fabricada. Para ajudar na vigília, Cláudia doou um colchão e passou a fornecer suprimentos ocasionais de café, que no entanto tiveram de ser suspensos em razão da quantidade crescente de novos adeptos. "Mas a garrafa térmica continua lá, emprestada por tempo indefinido."
Cláudia também passou a oferecer suporte operacional à resistência. Em seu apartamento, os estudantes os quais ela já chama pelo apelido podem usar a internet e o telefone. O marido não reclama do entra-e-sai de jovens com a higiene comprometida. Conheceu-a em uma convenção partidária. É, portanto, outro beneficiado pela politização de Cláudia.
"Depois que se ingressa no movimento, nunca mais mexam com a gente", brada a ex-integrante da União Paranaense dos Estudantes (UPE), coirmã da Upes. "O que aconteceu ali foi um abuso", diz, referindo-se à ação de uma empreiteira que alega ser proprietária do terreno e cumpriu um mandando de reintegração de posse emitido pela Justiça.
Cláudia não está sozinha no apoio aos estudantes. Nos últimos dias, vários moradores têm contribuído para o sustento dos jovens. "Às vezes eles param o carro, deixam comida e vão embora. Nem sabemos onde moram", conta Rafael Clabonde, presidente da Upes. Também houve doação de barracas e utensílios de cozinha.
Secretário da Upes entre 1974 e 1975, Luiz Edson Fachin assumiu a defesa dos estudantes gratuitamente. Fachin é um dos advogados mais renomados de Curitiba. Constantemente cotado para assumir uma vaga no Supremo Tribunal de Justiça, cobra até R$ 500 por uma consulta de uma hora. "Atuo de graça neste caso por se tratar da Upes e por acreditar que eles têm razão no episódio", afirma.
O advogado estuda o caso e prepara um recurso a ser apresentado à Justiça. "A história não pode ser demolida, e a sede é bastante simbólica. Representa tudo o que o movimento secundarista construiu", diz.
O motivo da ajuda nem sempre se relaciona à causa estudantil. A preocupação do aposentado Francisco Tota, de 74 anos, por exemplo, é a harmonia estética do bairro. Desde que se mudou para o Juvevê, há quatro anos, Tota cuidava gratuitamente do jardim da sede. Porém devido aos últimos acontecimentos, suas bromélias e samambaias foram esmagadas por dois banheiros químicos doação de um sindicato do setor de construção civil. "Agora estou limpando a frente do terreno, para que não acumule muita sujeira", conta ele, que prefere não opinar sobre quem tem razão na causa. No entanto deixa transparecer uma esperança convertida em simpatia: "A Upes é uma associação antiga e poderia permanecer aqui. Afinal entre essa rapaziada, muitos podem, no futuro, vir a ser grandes homens no Paraná e no Brasil."
Reencontro
Quatro estudantes pertencentes à executiva da Upes iniciaram o acampamento no mesmo dia da demolição. Desde então, vêm recebendo visitas e adesões de novos colegas. Segundo Rafael Clabonde, 70 pessoas já passaram pelo local, das quais 40 pernoitaram.
O responsável pelo alerta inicial foi outro vizinho. Às 8 horas do dia da demolição, o estudante universitário Ramon Bentivenha, de 19 anos, foi acordado pelo barulho das marretadas. Procurou então os contatos telefônicos dos anos de ensino médio e informou aos membros da executiva da Upes sobre o que estava acontecendo do outro lado da rua.
Desde que resolveu cursar duas faculdades simultaneamente, Ramon estava afastado do movimento estudantil. Após o ocorrido, entretanto, reserva o pouco tempo livre para ajudar na manutenção do acampamento. Os manifestantes se revezam para jamais deixar o terreno desguarnecido. Além das aulas, que voltaram a frequentar após o fim da suspensão provocada pela gripe suína, eles saem para tomar banho na Casa do Estudante Universitário.
Abrangência
O movimento começa também a atrair estudantes do interior do estado. Bruna Bandeira da Luz, 20, de Pato Branco, recheou a mochila com roupas e embarcou no primeiro ônibus para Curitiba assim que soube do ocorrido. Também há jovens de Cascavel, Foz do Iguaçu, e até da Argentina. Alejandro Kospel, 27, "músico e artista multimídia", é o mais velho do grupo. Viajante andarilho, veio a Curitiba acompanhando estudantes que conheceu em Toledo, e trouxe na bagagem a experiência em armar barracas e acender fogueiras. "Já morei em uma comunidade ecológica e sei que em conjunto é possível mudar as coisas", diz.
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Interatividade
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