A dois meses de completar um ano em Curitiba, o programa Audiência de Custódia tem colocado em lados opostos policias civis, militares e magistrados. Os policiais têm reclamado constantemente que os presos levados ao programa são soltos rapidamente, aumentando a frustração e a sensação de “enxugar gelo”, jargão conhecido na segurança pública. Por isso, segundo eles, houve um aumento de crimes contra o patrimônio em Curitiba.
O dado atualizado ainda não foi divulgado pela Secretaria de Estado da Segurança Pública oficialmente. Fontes ligadas à pasta afirmam que o aumento do crime de roubo pode chegar em 10% em abril deste ano na capital. Alguns juízes, no entanto, que têm trabalhado com a execução da pena, ressaltam a urgência em não manter presos desnecessariamente, já que a superlotação carcerária ocasiona, diariamente, violações dos direitos dos detentos.
“Toda vez que a pessoa é flagrada e não é punida, gera a sensação de impunidade. Sair com tornozeleira não é punição”, disse um policial civil, que preferiu não ter o nome revelado. Segundo ele, a punição em delitos menores precisa existir e ser exemplares para que o acusado não avance e cometa crimes mais graves.
“Tudo isso tem gerado revolta nos investigadores. Virou marketing entre criminosos. Aquela coisa do ‘não dá nada’. As investigações já são difíceis em razão da nossa estrutura e, quando fazemos o flagrante, que, em teoria, deveria ser o trabalho mais simples, o preso é liberado”, comentou outro.
As audiências foram lançadas pelo presidente do Supremo Tribunal Federal e presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Ricardo Lewandowski, em fevereiro do ano passado, e chegou a Curitiba no final de julho daquele ano. O objetivo delas é que todo preso em flagrante passe por um procedimento com a presença de um juiz, promotor e um defensor em até 24 horas após a prisão. As audiências foram encampadas pela própria Sesp, responsável pelas polícias e pela execução das penas.
A ação visa ser um dos instrumentos da Justiça para desafogar o sistema penitenciário, que sofre com o alto número de pessoas presas desnecessariamente.
Magistrados
Do outro lado da “guerra fria” em torno das audiências, há magistrados que defendem a necessidade de não manter ninguém preso se não for realmente fundamental. Para o juiz Eduardo Lino Bueno Fagundes Júnior, da 1.ª Vara de Execuções Penais (VEP) de Curitiba, a polícia reclama do programa sem evidência concreta.
“É mais algo que eles acham que uma análise com base em dados. Mesmo com as audiências, o número de presos aumentou. Será que, como cresceu a população carcerária, essas pessoas já não sairiam por direito e, talvez, até sem monitoramento?”, questionou. Em julho do ano passado, quando as audiências foram lançadas em Curitiba, havia 28.953 presos no sistema penitenciários (presídios, cadeias públicas e delegacias). Atualmente, há 29.113 presos no sistema carcerário. As informações são da Sesp.
Ele destacou ainda que os presos que saem nas audiências são monitorados e rapidamente são presos, caso cometam outros crimes. Na avaliação dele, a solução para isso passa pelo investimento no regime aberto. O estado precisa acompanhar aquele que sai, com oportunidades de ressocialização, o mantendo em um ambiente onde possa retornar a sociedade de forma mais adequada possível.
A magistrada Fabiane Pieruccini, que era responsável pelas audiências em Curitiba até mês passado, defendeu o programa. Para ela, a crise econômica é que tem ocasionado o aumento de
crimes contra o patrimônio. Fabiane lembrou ainda que a crítica da polícia é algo natural e não vê um problema no embate. A magistrada saiu, recentemente, das audiências para assumir uma vaga de juíza de segundo grau substituta. No seu lugar, assumiu o juiz Leonardo Bechara Stancioli (veja o texto ao lado), que estava lotado nas varas do júri da capital.
Decisão do STF incentiva progressão de regime em caso de desestrutura no estado
Na última quarta-feira (11), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, na falta de estabelecimento penal compatível com a sentença não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso. O entendimento, tem repercussão geral, e estabelece uma nova definição o tratamento penal. Juízes não deverão mais manter o detento com direito a progressão de pena ao semiaberto, por exemplo, fechado, por falta de vagas. O preso deverá ser colocado diretamente no aberto ou ao regime domiciliar. O recurso extraordinário julgado foi interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MPE-RS) contra acórdão do Tribunal de Justiça gaúcho (TJ-RS), que concedeu a prisão domiciliar a um sentenciado em razão da falta de vagas no regime semiaberto.
Segundo o STF, o ministro Gilmar Mendes propôs em seu voto uma série de medidas alternativas para enfrentar o problema, mas admitiu a possibilidade de concessão da prisão domiciliar até que elas sejam estruturadas. As medidas propostas são: a abertura de vagas no regime semiaberto mediante a saída antecipada de detentos que estejam mais próximos da progressão (e que serão colocados em liberdade monitorada eletronicamente) e a conversão em penas restritivas de direitos e estudo para os apenados em regime aberto.