Homenagem constrangedora
Menos de uma semana depois do maior acidente aéreo da história da aviação brasileira, quatro diretores da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) são condecorados em Brasília. A homenagem é feita pelos serviços prestados pelas autoridades à Aeronáutica.
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"Nosso sistema aéreo, apesar dos investimentos que fizemos na expansão e na modernização de quase todos os aeroportos brasileiros, passa por dificuldades."
Presidente Lula, em declaração na tevê.
Pacote aéreo
Após três dias de silêncio, o presidente Lula vai a rede nacional e apela para a emoção. Diz estar com "o coração sangrando". No mesmo dia, o governo federal lança um pacote para tentar amenizar o apagão aéreo. Entre as medidas, confirma a construção de um terceiro grande aeroporto na Grande São Paulo, que levará 6 anos para ser concluído e terá custo de R$ 5 bilhões. O governo também anuncia que tentará descentralizar os vôos de Congonhas.
Curitiba Uma triste e alarmante coincidência. Um dia antes da tragédia com o vôo 3054 da TAM no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, a historiadora Cláudia Musa Fay, apresentava no 24.º Simpósio Internacional de História, em São Leopoldo, a 34 quilômetros de Porto Alegre, um resumo de uma pesquisa em andamento sobre os múltiplos problemas desse terminal aeroportuário. Por ironia do destino, o vôo 3054 havia partido justamente da capital gaúcha.
Aos 47 anos, a professora de história da aviação da PUCRS, com doutorado na área, defende a restrição de vôos em Congonhas, medida que o Conselho Nacional da Aviação Civil (Conac), anunciou na quinta-feira. Atualmente passam pelo terminal 18 milhões de passageiros por ano, 6 milhões a mais para a atual capacidade do terminal, que já passou por uma série de intervenções, desde sua inauguração, em 1930.
Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, Cláudia ressalta que a Grande São Paulo vive um verdadeiro impasse no setor aéreo. Se o nível de operação de Congonhas for mantido, o risco de acidentes continua. Se o tráfego for desviado para outros aeroportos próximos da capital, deve complicar ainda mais o engarrafamento no trânsito da Grande São Paulo. Sem contar que a criação de um novo terminal aeroportuário na maior capital da América Latina, solução apresentada na sexta-feira pelo governo federal, não resolve o problema.
Para a historiadora, é necessário investimentos para promover a interligação dos sistemas de transporte aéreo e terrestre. Veja a seguir alguns trechos da conversa.
Qual o impacto pessoal dessa tragédia, já que a senhora vive e dá aulas em Porto Alegre?
Essas mortes estão repercutindo muito por aqui. É muito doloroso e triste porque de alguma maneira você conhece alguém que estava no vôo. Na universidade em que eu trabalho, por exemplo, perdi uma colega de profissão e ontem fui à missa de um aluno e da mãe dele. Foi uma triste coincidência, e, na verdade, eu não estou prevendo nada além dos problemas que estão ocorrendo no Congonhas. Infelizmente isso ficou claro com o acidente.
Quais são os principais problemas do aeroporto?
Um dos problemas é a influência que traz sobre o cotidiano das pessoas que moram ali perto, o ruído que um aeroporto tão movimentado provoca. Mas a questão mais séria, embora seja mais rara, é do risco de acidentes.
E o que estaria provocando esses acidentes?
Sem dúvida o excesso de trânsito para um aeroporto muito pequeno. Costumo dizer que Congonhas é praticamente um porta-aviões no meio de uma cidade. O que não pode é colocar todo o tráfego lá, tem de ser mais seletivo, como foi mais ou menos na década de 90. Na época, Congonhas quase fechou porque a maioria do fluxo foi transferido ao aeroporto de Garulhos.
Então por que esse aeroporto está sobrecarregado hoje?
Com o surgimento do aeroporto de Cumbica, em Garulhos, em 1985, o tráfego nacional e internacional foi transferido de Congonhas, que ficou restrito às pontes aéreas e a vôos regionais. A procura por Congonhas foi se acentuando por um problema de infra-estrutura do sistema de transporte terrestre. As pessoas chegam até Garulhos hoje, de ônibus ou de táxi. Não se justifica perder duas horas para ir até o aeroporto e fazer um vôo de 40 minutos. Em função disso, acredito que as empresas aéreas e os passageiros prefiram Congonhas. Mas em geral não é dito ao passageiro que o aeroporto é inseguro.
Qual seria a solução para Congonhas?
Provavelmente, restringir mais os tipos de vôos, fazer uma regulamentação. Mas como restringir isso? A aviação é uma concessão de Estado, e o Estado tem de regular. Não dá para deixar que o mercado faça ou não as restrições.
Como a senhora avalia o sistema aéreo brasileiro?
No Brasil, existem quase 5 mil aeroportos, mas as grandes empresas só voam praticamente em 70, localizados no litoral, nas principais capitais.
Um dos caminhos para melhorar a aviação no Brasil seria utilizar outros aeroportos, mais distantes dos grandes centros urbanos?
Aí nós vamos recair em outro problema que são nossas estradas. No Brasil não existem trens rápidos, nem boas estradas que façam a interligação aos grandes centros urbanos. E como trazer esse passageiro para o grande centro? Perto da Grande São Paulo tem o aeroporto de Viracopos, em Campinas, que foi recentemente reformado, mas ocorre que aumenta o tempo de viagem, e não há um meio de transporte rápido que leve o passageiro até a capital.
Então a sobrecarga de tráfego em Congonhas é um reflexo de uma falha no sistema de transporte no Brasil?
Exatamente. Para que um país cresça a questão transporte é fundamental, e o transporte aéreo está interligado a outros meios. A falta de investimentos durante muitos anos nesses setores acaba refletindo na crise.
A Grande São Paulo vive um impasse?
Com certeza. A cidade tem mais de 10 milhões de habitantes, e o Brasil funciona muito centralizado na Grande São Paulo, mas não é necessário que todo o tráfego aéreo brasileiro passe por ali. Cerca de 30% do tráfego estava em Congonhas.
De imediato a solução seria a regulação das operações, com fiscalização em cima das empresas aéreas, do planejamento de rotas e da normatização de número de vôos para cada companhia.
Desde 2005, a própria situação econômica do Brasil trouxe passagens mais baratas e movimentou o setor da aviação.
Não podemos deixar só o mercado regular, há de se pensar também nos seres humanos. Quem tem de defender os usuários do transporte aéreo é o poder concedente, ou seja, o governo federal.
A senhora visualiza algum aeroporto no Brasil que num futuro bem próximo possa viver um colapso parecido com o de Congonhas?
Brasília e Santos Dumont, no Rio de Janeiro, são dois exemplos de alto tráfego em pistas curtas. Em um aeroporto no meio de uma cidade, em que não há mais como se fazer uma ampliação, tem de haver mais cuidado. A solução seria construir outros aeroportos mais planejados e com a interligação do transporte com grandes centros urbanos.
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