• Carregando...
Vista geral de Nova Friburgo, cidade da região serrana do Rio de Janeiro com maior número de vítimas: habitação em área de risco é realidade em quase todos os estados brasileiros | Vanderlei Almeida/AFP
Vista geral de Nova Friburgo, cidade da região serrana do Rio de Janeiro com maior número de vítimas: habitação em área de risco é realidade em quase todos os estados brasileiros| Foto: Vanderlei Almeida/AFP

Tragédia histórica

Cenário de destruição e dor

A região serrana do Rio de Janeiro entrou em colapso desde a noite de segunda-feira. O temporal começou na cidade de Nova Friburgo, continuou na terça-feira e se espalhou por toda a região, deixando um saldo de 549 mortos, 6.170 desabrigados e 8.420 desalojados – números que não param de crescer. O cenário da maior tragédia causada pelo clima na história do Brasil é de destruição e desespero.

Como existem áreas que ainda estão inacessíveis e a chuva deve continuar nos próximos dias, as perspectivas são as piores. O saldo de mortos aumenta dia a dia. Sobreviventes perambulam pelas ruas à procura de parentes desaparecidos. Na sexta-feira, em Friburgo, o boato de que uma represa havia se rompido espalhou pânico e levou multidões a correrem para as partes altas da cidade.

Um grupo de 11 helicópteros e 500 militares foi deslocado pelas Forças Armadas para o Rio de Janeiro, para apoiar as ações da Defesa Civil na região serrana. Os helicópteros, entretanto, não conseguiram chegar à área atingida na sexta-feira, devido ao mau tempo. Os militares têm expectativa de que as condições meteorológicas melhorem, permitindo o acesso dos helicópteros neste fim de semana.

Da Redação

GLOSSÁRIO

Áreas de risco são regiões onde é recomendada a não construção de casas ou instalações, pois são muito expostas a desastres naturais, como desabamentos e inundações.

Onde ficam

As principais áreas de risco são aquelas sob encostas de morros inclinados ou à beira de rios. Essas regiões vêm crescendo constantemente nos últimos dez anos, principalmente devido à própria ação humana.

Controle

A principal instituição responsável pelo monitoramento das áreas de risco é a Defesa Civil. Todas as ocupações em áreas de risco deveriam ser consideradas irregulares, mas nem sempre é assim na prática. Nem toda ocupação irregular é área de risco e nem toda área de risco é de ocupação irregular.

Fator ambiental

Além da ocupação irregular, há fatores ambientais que aumentam o risco de desabamento:

Desmatamentos

Retirada e uso intensivo de materiais minerais

Mudanças de cursos d’água

Ocupação de várzeas e encostas

Queimadas

Produção e deposição inadequada de lixo

Poluição atmosférica

Aplicação de agrotóxicos

Explosão de artefatos nucleares

Prevenção

O que o poder público deveria fazer:

- Implementar um plano de planejamento urbano e habitacional, para ocupação estratégica das áreas.

- Efetivar o Plano de Previsão de Acidentes.

- Elaborar o levantamento e o mapeamento das áreas de riscos que contemplem a composição do solo, inclinação do terreno e possibilidade de alagamento.

- Promover um plano de desocupação dos locais vulneráveis já habitados.

- Promover a recuperação ambiental das áreas, evitando a reincidência na ocupação.

- Criar novas áreas de proteção ambiental, como parques.

- Monitorar as áreas de moradia de risco e reforçar a fiscalização de ocupação irregulares.

- Investir em tecnologia e potencializar a parceria entre especialistas e governos.

  • Veja como acontecem os deslizamentos

Depois de assistir à pior catástrofe natural já registrada no Brasil, na região serrana do Rio de Janeiro, em que morros foram abaixo e 549 pessoas morreram– pelo menos até o fechamento desta edição, já que o número tende a subir –, o país se pergunta: quantos mais morrerão até que seja feito algo? Para reverter o cenário de catástrofes naturais – como as que mataram 135 pessoas em Santa Catarina, em novembro de 2008; 120 no Rio, em abril de 2010; e 57 no Nordeste, em junho do ano passado– seriam necessários ao menos dez anos, advertem os especialistas. "É possível reverter essa situação em uma década de trabalho bem elaborado, com recursos bem aplicados e perseverança, com continuidade", diz o engenheiro geotécnico e ex-presidente da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Enge­­nharia Geotécnica (ABMS), Luiz Antoniutti Neto.

Uma década poderia até ser tempo suficiente para solucionar a falta de planejamento e acabar com ocupações irregulares em áreas de risco espalhadas em 95% do território nacional. Para que o Brasil chegue a esse resultado, porém, é preciso que a ocupação e a dinâmica das cidades sejam encaradas como prioridade em todas as esferas do poder público.

Estimativas do Conselho Re­­gional de Engenharia (Crea) apontam que pelo menos 9,5 milhões de pessoas moram em áreas de risco, próximas a rios, fundo de vales ou em grandes encostas. Esse número pode chegar a 40 milhões (cálculo da ONG Amigos da Terra), já que as estimativas sobre o assunto são escassas e desencontradas. Sobrevoando as áreas atingidas, na última semana, a presidente Dilma Rousseff reconheceu que "moradia de risco no Brasil é regra, não exceção". Prometeu ajuda e admitiu que o problema é das três esferas de governo. O governo federal, entretanto, não tem sequer ideia do tamanho do problema a ser enfrentado. Nem Ministério da Integração Nacional, nem Defesa Civil Nacional têm estimativa do número de moradores em área de risco no país.

Ignora-se que a ocupação intensa e desordenada do solo em 43% dos municípios brasileiros foi uma das principais causas de inundações e alagamentos, segundo a Pesquisa Nacional de Sanea­mento Básico de 2008 do Instituto Bra­sileiro de Geografia e Esta­tística. Essas consequências tendem, ainda, a ser po­­tencia­lizadas caso as propostas de alterações do Código Florestal sejam aprovadas pelo Congresso Nacio­nal. Segundo a coordenadora do programa Rede das Água da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, quando foi criado, em 1965, o Código Florestal incluía a proteção de topos dos morros e beiras de rios para garantir a segurança do uso e ocupação do solo. As novas propostas, po­rém, devem flexibilizar essa proteção. "É uma incoerência querer modificar a legislação justamente quando a natureza está nos dando o troco pela falta de planejamento na ocupação", argumenta.

Como fazer

O primeiro passo para pôr um ponto final às tragédias a que o Brasil assistiu nessa semana é a realização de um mapeamento de todas as áreas críticas. A partir daí é necessário traçar um plano de ações, envolvendo evacuação de terrenos, recolocação de moradores ou pequenas intervenções para solução de problemas. Entre as medidas estão o replantio de florestas, a construção de parques ou piscinões para o escoamento da água da chuva e a desocupação de áreas vulneráveis.

Na prática, a perspectiva otimista esbarra na falta de planejamento de municípios, estados e governo federal. Engenheiros e urbanistas ressaltam que muito poderia ser evitado se as tecnologias existentes fossem aplicadas de maneira correta. "Nós acostumamos a acudir a população somente quando acontece o problema, sem medidas preventivas. Em qualquer região, seja ela qual for, é 20 vezes mais caro consertar a área depois de uma catástrofe do que investir em medidas preventivas", afirma o presidente do Crea do Rio de Janeiro, Agostinho Guerreiro.

A ausência de políticas de habitação consolidadas é apontada como um fator decisivo para as ocupações irregulares e consequentes acidentes naturais. Malu lembra que depois das enchentes ocorridas em Parati e Niterói, em 2010, o governo estadual do Rio se comprometeu a apresentar um plano de desocupação das áreas de riscos. Isso nunca aconteceu.

"Já temos conhecimento técnicos e instrumentos como os Planos Diretor e de Prevenção de Risco, mas as ações não são estruturadas, efetivadas e nem recebem recursos", concorda o diretor executivo da ONG Habitat para a Hu­­ma­­ni­­dade no Brasil, Demóstenes Mo­­rais. A isso, o presidente nacional da Associação Brasileira de En­­genheiros Civis, Ney Fernando Perracini de Azevedo, acrescenta a ausência de planos diretores mais rígidos e fiscalização. "Os planos diretores permitem construções em áreas impróprias. É um convite ao desastre", alerta.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]