Construída há três meses, a casinha de madeira que fica em uma calçada da Rua Marechal Deodoro, em pleno Centro de Curitiba, não serve de abrigo a um cachorro – como seria de se supor –, mas a um homem. É ali, sob o teto que construiu com as próprias mãos, que mora José Valsonir Gauer, conhecido como Sony. O homem de 59 anos de idade tem família, mas, tomado pela depressão, optou pelas ruas. Sonha em vencer a doença e a voltar a ter uma moradia digna – como indica a inscrição na casinha.
“Eu tenho meu orgulho e minha vergonha. Eu preciso sarar da depressão e de um pontapé inicial que me ajude a voltar a trabalhar”, disse.
Sony nasceu em Lages, em Santa Catarina, mas há 36 anos mora na região metropolitana de Curitiba. Já teve várias ocupações – mestre-de-obras, motorista, guarda de trânsito –, mas seu talento parece se inclinar mesmo à carpintaria. Diz que no Jardim Paulista e no Santa Fé, bairros de Campina Grande do Sul nos arredores de onde morava, se notabilizou como o artesão capaz de fazer de tudo com madeira. Vendeu muitas casinhas de cachorro, como a que agora lhe serve de moradia.
Teve a ideia de viver no abrigo improvisado praticamente por necessidade. “Na rua, roubavam tudo que eu tinha, eu me molhava quando chovia e passava muito frio”, resumiu. Por isso, Sony juntou a matéria-prima e, em um dia de trabalho, edificou seu novo lar. Na ocasião, passava uns dias na residência do filho, em Campina Grande do Sul. Com a conclusão da obra, colocou a casa sobre rodinhas e a empurrou até Curitiba. “Vim andando. Foi uma jornada. Eu passei mal, quase desmaiei de fome”, lembrou.
Família
Por 25 anos, Sony foi casado até que, em 2003, se separou da mulher. Ele diz que já tinha um quadro de depressão, que se agravou. As aflições causadas pela doença o levaram às ruas, onde passou a viver ao longo dos últimos dez anos. Tem dois filhos “criados” que fazem de tudo para tirar o pai desta condição. Ele até chega a passar curtas temporadas com os filhos, mas acaba voltando para a rua.
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Leia a matéria completa“Eles brigam, querem que eu vá morar com eles. Mas meus filhos têm a vida deles e eu não quero tirar a privacidade de ninguém. Eu tenho orgulho e não quero depender deles, ser um peso. Sinto vergonha de estar assim, mas preciso estar bem pra me estruturar de novo, andar com as minhas próprias pernas”, apontou.
Além de se curar da depressão, Sony sonha em retomar o ofício de artesão – voltar a fazer casinhas, carrinhos e, quem sabe, móveis. Para isso, precisaria de uma ajudinha: calcula que se tivesse uma parafusadeira, uma Makita e uma furadeira, conseguiria começar. Com o trabalho, alugaria uma casa em que possa ficar sozinho, sem dar trabalho a ninguém. “Pode ser uma casinha de duas peças e banheiro, mas que seja meu cantinho”, sonhou.
O orgulho também o impede de pedir – “manguear”, na gíria das ruas. Por isso, vive de doações voluntárias ou de pequenos trabalhos que faz para vizinhos da Marechal, onde se instalou. “Às vezes, a coisa aperta. Já fiquei um dia e meio sem comer, só tomando água”, relembrou.
Depressão e fé
Sony revela que sente vergonha também de ter depressão. Diz que, em alguns dias, não sente vontade sequer de sair da casinha e passa quase o dia todo inerte, olhando para o teto. Ainda não teve a oportunidade de passar por um tratamento psicológico. “A depressão é o seguinte: você está com sede, tem um copo de água logo ali, mas você não tem vontade de esticar o braço pra pegar”, definiu.
Algumas frases grafadas na parede da casinha indicam que Sony também é um homem de fé. De barba e cabelos brancos e compridos, se considera até parecido com o profeta Moisés. Afirma não ser frequentador de igrejas, mas se define como uma pessoa que crê em Deus. Acredita que a justiça divina vai tirá-lo da fase ruim.
“O papa ou um morador de rua, como ser humano, é a mesma coisa. Um não é nem melhor nem pior que o outro. Aos olhos de Deus, são iguais”, disse.
Enquanto a maré brava não passa, Sony permanece na calçada da Marechal. Caprichoso, mantém a via limpa e briga com quem jogo lixo no chão. Ele mesmo acondiciona todas as bitucas dos cigarros que fuma em um potinho de plástico, que esvazia na lixeira. Se vê obrigado até a fazer as necessidades em latas, dentro da casinha. “Eu até já recebi o apelido de ‘Cachorrão’, por viver assim. Mas vai passar. Eu vou dar a volta por cima”, finalizou.
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