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Pós-graduação

Stedile forma “pastorzinhos populares de esquerda” em curso de universidade pública

Stedile durante aula online da Especialização em Questão Agrária da Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (UFAPE). (Foto: Reprodução/Youtube.)

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“Vocês vão ter de ser como uns pastorzinhos populares de esquerda”, anuncia o professor durante a aula inaugural da Especialização em Questão Agrária, oferecida pela Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (Ufape). No total, são 87 inscritos como alunos regulares e outros 100 como ouvintes. E todos parecem conhecer muito bem quem conduz a formação: é o “companheiro” João Pedro Stedile, economista de formação, um dos fundadores do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), onde até hoje exerce função de liderança.

Antes da aula de Stedile, os alunos ouviram lideranças do MST e da Via Campesina, que ressaltaram que a especialização é uma “conquista histórica”, e agradeceram por terem conseguido “passar os trâmites” para que o curso fosse oferecido. Quem também falou foi o vice-reitor da UFAPE, Márcio Farias, que ressaltou que a universidade “não poderia de forma alguma fechar as portas para essa formação” e que é necessário haver “lideranças preparadas para comprar essa briga” pela reforma agrária e distribuição de terras” no país.

Ainda mais entusiasmado, o professor Caetano de Carli Viana Costa, coordenador-geral do curso, participou da aula inaugural com um boné do MST e agradeceu “ao movimento pela oportunidade que temos de colocar a universidade a serviço dos conhecimentos dessas organizações populares”, deixando claro que o verdadeiro responsável pelo curso é o movimento e não a universidade. Mais adiante, o professor fala do “nosso comandante-mor de todos os tempos, Ernesto Che Guevara”, e ressalta que a universidade deve ser “pintada de povo, com a classe trabalhadora, com o campesinato, com os indígenas, os quilombolas”.

A ideia é que a especialização seja um primeiro passo para a criação de um programa de mestrado, também voltado para integrantes do MST e outros movimentos similares. Tudo isso para formar mais “professores de questão agrária”. Para Stedile, haveria uma carência muito grande de professores de questão agrária. “O mestrado dá uma profundidade maior para que vocês possam pleitear cargos de professor nas escolas técnicas e de Ensino Médio”, diz. Segundo ele, as universidades sempre foram urbanas e elitistas, para “formar filhos da elite”. “Mas eu espero no futuro, quando derrubarmos esse governo neo-fascista, retornaremos os caminhos da democracia no país e será possível então ampliar o acesso à universidade por todos os caminhos possíveis”, resume.

Previsto para começar em março de 2020, a pandemia acabou atrasando o início do curso, que teve sua aula inaugural em dezembro do mesmo ano. As aulas são semanais, sempre transmitidas pelo canal no YouTube do Centro de Formação Paulo Freire, apontado como “entidade parceira” da Ufape na realização do curso, assim com a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Escola Nacional Florestan Fernandes, MST e Via Campesina.

Oficialmente, o programa da especialização prevê 13 disciplinas, totalizando 512 horas-aula. No total, são 24 meses de duração, sendo 16 meses para as disciplinas e 6 meses para a entrega do TCC e finalização do curso. O público-alvo é bem específico: “O curso destina-se a pessoas envolvidas em atividades ligadas a organizações comunitárias do campo, com graduação”, diz a página do curso na Ufape.

Na página da universidade também é possível ler que o objetivo do curso é “trazer aprimoramento técnico e profissional e aprofundar os estudos da questão agrária”. Tudo isso, continua a descrição, para poder subsidiar “as intervenções na sociedade, considerando a necessidade de construção de novas relações sociais de trabalho que respeitem o ser humano, a natureza e o uso sustentável dos recursos naturais, para fortalecer os assentamentos de Reforma Agrária enquanto espaços de produção e de vida”.

Aulas

Desde a aula inaugural, pelo menos outras 18 conteúdos já foram disponibilizadas no YouTube. A grande maioria traz professores ligados ao MST ou à Escola Nacional Florestan Fernandes. Entre os temas já tratados, estão Questão Agrária e o Materialismo Histórico, Princípios da Economia Política. Conceito de Renda da Terra, Avanços do Capital no Meio Ambiente no Brasil, Agroecologia, Capital Financeiro no Agronegócio, Revolução Verde no Brasil, e Desenvolvimento do Capitalismo na Agricultura.

João Pedro Stedile parece ser o principal docente do curso. Ele está em pelo menos quatro vídeos, além da aula inaugural. No último deles, transmitido no fim de agosto, o “professor”, tratou dos conceitos fundamentais da reforma agrária, usando como base livros “Experiências Históricas de Reforma Agrária”, volumes 1 e 2, de autoria do próprio Stedile.

A aula começa com um clipe de imagens antigas do MST, ao som da música “Assim já ninguém chora mais”, uma das canções que integram o CD “Arte em movimento”, lançado pelo MST em 2009. Após o clipe, um dirigente do MST agradeceu a presença dos alunos para “mais uma aula do nosso curso” e apresentou Stedile, agradecendo ao “companheiro” por sintetizar os conteúdos do curso.

O líder do MST apareceu com uma estante de livros atrás dele. É possível ver ainda, estrategicamente posicionados, uma reprodução de uma placa da rua com o nome de Marielle Franco (vereadora do Rio de Janeiro assassinada em 2018), uma bandeira do Brasil, uma bandeira do MST e um cartaz com os dizeres “Fora Bolsonaro Genocida”.

Ele começou a aula explicando como escreveu os livros que servem como referência. Segundo ele, o MST sempre teve “vocação internacionalista”. O contato com “companheiros” de outros países fez Stedile pensar em reunir em uma só obra textos de diversos autores (todos eles simpáticos aos mesmos princípios esquerdistas professados pelo MST), os quais explicam a reforma agrária em seus países. Esse material deu origem ao livro de Stedile.

“Sem conhecer a realidade, não saberemos como mudá-la”, disse ele, para explicar que a aula trataria de como a humanidade organizou o uso a posse e a propriedade da terra e como a sociedade organizou a produção de bens que retira da agricultura.

Ele discorreu sobre cinco classificações distintas de reforma agrária, desde as “inspiradas pela Revolução Burguesa” até as “socialistas”, feitas pelos regimes comunistas na Rússia, Mongólia e Coreia do Norte. Ele também abordou o tema da reforma agrária popular, que mescla governo popular e movimento camponês organizado.

Futuro

No total, a aula expositiva durou pouco menos de uma hora. Depois disso, houve espaço para responder às perguntas dos alunos. Nessa aula, foram oito perguntas, nenhuma delas relacionada ao conteúdo propriamente dito, mas a questões sobre “o futuro da luta”, especialmente após 2022.

Stedile pareceu não gostar do rumo da conversa e advertiu os estudantes: “Vocês querem debater a situação do Brasil. Não é esse o objetivo do curso e nem dessa disciplina. No segundo semestre vai se entrar na reforma agrária brasileira. Vocês têm que construir as respostas a partir dos conhecimentos científicos que vocês forem adquirindo”. Ele ressalta que o objetivo da especialização é “divulgar, pesquisar os conhecimentos científicos” – mas só os de esquerda.

Mas, vencido pelo entusiasmo dos alunos, Stedile cedeu: “Porém, para não desapontá-los, vou percorrer o tema”. O líder do MST começou refutando a ideia de que seja possível existir uma “revolução agrária”. Para o velho esquerdista, “revolução a gente não bota nome, ou a gente faz ou não existe”. Quem defende isso, segundo ele, são correntes como PCO (Partido da Causa Operária) e Movimento Liga dos Pobres (Movimento Liga dos Camponeses Pobres – ramo dissidente do MST), que seriam “correntes com necessidade pequeno-burguesas”.

Ele ainda disse que nunca houve reforma agrária no  Brasil. O projeto que chegou mais perto teria sido o proposto por Celso Furtado para o governo João Goulart. “Os assentamentos não são reforma agrária. Eles são fruto da teimosia do camponês. O Estado não quer a reforma agrária. Ela só acontece pela força do camponês. O momento mais próximo que o pais chegou foi com a proposta de Celso. A resposta foi o golpe militar”, ensina aos estudantes.

Por fim, ele tratou também da perspectiva futura, prevendo que Lula seja eleito em 2022. “Podemos ter uma reforma popular se o Lula ganhar? Podemos, mas não depende do Lula nem da vontade do MST”, afirmou em tom doutoral. Para ele, só haverá reforma agrária popular se um eventual governo Lula se caracterizar como um governo popular. “Isso significa que não basta eleger o Lula. É preciso haver forças populares que se mobilizem já na campanha de 22 e permaneçam organizadas forçando as mudanças estruturais da economia brasileira”, enfatiza.

A Gazeta do Povo entrou em contato com a Ufape e, por meio dela, pediu posicionamentos dos citados e sobre a especialização. O coordenador do curso também foi procurado pela reportagem. Não houve retorno até o fechamento da matéria. Se as manifestações forem enviadas, o conteúdo será atualizado.

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